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terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

QUE CONFUSÃO ! 
PAIXÃO OU AMOR ?


 
Nossa vida é uma confusão. Mas temos capacidade para reconhecer isso? Devemos ter receptividade. Estaríamos dispostos a ver que o sofrimento e a angústia são fabricados por nós mesmos? A partir do momento em que somos capazes de compreender isso, estaremos começando a despertar.
 
Geralmente procuramos por alívio e não pela cura total. Assim, quando estamos sofrendo, será que estaríamos dispostos a nos separar desse sofrimento para poder analisá-lo e descobrir a sua origem? É preferível deixar que soframos um pouco mais até que nos cansemos e estejamos dispostos a enxergar. Ou despertamos por nós mesmos ou a vida acabará nos acordando.
 
Mesmo quando o relacionamento entre amigos não funciona tão bem quanto você esperava, é possível melhorá-lo. Então você pode parar e começar uma trégua, porém se não trouxer à tona as premissas que prejudicaram esse relacionamento, o problema continuará existindo e ainda dará motivo a sentimentos negativos.
 
Há artifícios comerciais do "bom comportamento" que foram enfiados em nossa mente por nosso senso de "boa educação". Se os examinarmos de olhos bem abertos veremos que nada mais são do que uma manipulação, um "toma lá, dá cá", uma espécie de chantagem, hipocrisia. Ao conseguir enxergar isso, vamos querer erradicar de uma vez o tumor, ou apenas tomar um analgésico para aliviar o sofrimento? Quando a gente se cansa de sofrer é chegado o momento ideal para despertar.
 
Buda disse: "O mundo está cheio de dor que gera sofrimento. A raiz do sofrimento é o desejo. Se queremos nos livrar desse tipo de dor, temos que erradicar o desejo".
 
A base do sofrimento é o desejo, o apego. Quando sentimos um desejo compulsivo por alguma coisa, colocamos nisso toda a nossas ânsias de felicidade, estamos nos expondo à desilusão, caso não alcancemos o que pretendemos. Se não desejamos tanto que um amigo nos receba, nos agrade e lembre-se de nós, se não desejamos isso de maneira compulsiva, não nos importará nem um pouco a indiferença ou até a rejeição que possa ser manifestada por essa pessoa em relação a nós. Onde não existe esse tipo de apego não existe medo, porque o medo é a face oposta do desejo, sendo ambos inseparáveis.
 
Sem esse tipo de desejo ninguém poderá jamais nos intimidar, nem controlar ou roubar, porque se não temos desejos não vamos temer que nos roubem qualquer coisa.
 
Onde existe amor não há desejos; por isso ali não existe medo algum. Se você de fato ama seu amigo deve poder falar com ele abertamente e dizer: "Dessa maneira, sem as lentes coloridas do desejo, eu o vejo como você é e não como eu gostaria que fosse. E é assim que lhe dedico minha amizade, sem medo de que você venha a afastar-se de mim ou me magoar, sem medo de não me corresponder". Porque, na realidade, o que é que realmente desejamos? Amar a essa pessoa como ela é ou a uma imagem que não existe? Se você conseguir desprender-se desses desejos ou apegos, poderá amar. Aquele outro sentimento nem ao menos poderá ser chamado de amor, pois é contrário a tudo o que significa amor de verdade.
 
Apaixonar-se também não significa amar, mas desejar para si uma imagem que se cria de outra pessoa. Tudo é apenas um sonho, porque essa pessoa não existe. Por isso, quando se conhece a realidade dessa pessoa, como ela não coincide com o que se estava imaginando, a paixão deixa de existir. A essência de tudo fica circunscrita aos desejos. Desejos que dão origem ao ciúme e ao sofrimento porque, não estando assentados sobre a realidade, vivem na insegurança e na desconfiança do medo de que todos os sonhos se acabem e desmoronem.
 
Quando alguém se apaixona, experimenta certas emoções e uma exaltação que agrada às pessoas que sofrem de insegurança afetiva, alimentadas por uma sociedade e uma cultura que fazem disso um verdadeiro comércio. Uma pessoa apaixonada não se atreve a dizer toda a verdade por medo de que a outra se desiluda porque, no fundo, sabe que essa paixão só se alimenta de ilusões e de imagens idealizadas.
 
Apaixonar-se supõe uma manipulação da verdade e até da outra pessoa, para que se sinta e deseje o mesmo que nós, podendo então ser possuída como um objeto, sem o medo de que nos venha a desiludir. A paixão nada mais é do que uma enfermidade e uma droga, experimentada por aquele pessoa que, em virtude de sua própria insegurança, não capacidade para amar livre e satisfatoriamente.
 
As pessoas inseguras não desejam a verdadeira felicidade porque temem os riscos representados pela liberdade. Por isso preferem a droga dos desejos. Com os desejos vem o medo, a ansiedade, as tensões e, consequentemente, a desilusão e o sofrimento contínuos. A pessoa passa da exaltação para o desespero.
 
Quando tempo dura o prazer de acreditar que conseguimos o que desejávamos? O primeiro trago de prazer é um encanto, mas está irremediavelmente preso ao medo de perder tudo. Assim, quando as dúvidas tomam conta de nós, chega a tristeza. A própria alegria e exaltação experimentada quando o amigo chega, são proporcionais ao medo e a dor de quando ele vai embora... Será que isso vale a pena? Onde há medo não existe amor. Esteja certo disso.
 
Quando despertamos de nosso sono e vemos a realidade como ela é, nossa insegurança acaba e desaparecem os temores, porque a realidade 'é' e nada pode modificá-la. Então estamos em condição de dizer ao nosso próximo: como não tenho medo de perdê-lo, pois ele não é um objeto de propriedade de quem quer que seja, posso amá-lo exatamente como ele é, sem desejos, sem apegos, sem condições, sem egoísmos e sem querer ser dono dele. E essa forma de amar representa uma felicidade sem limites.
 
Que fazemos quando escutamos uma sinfonia? Procuramos ouvir cada uma das notas, nos deleitamos e a deixamos passar, sem tentar garantir a sua permanência, porque é no passar das notas que está a harmonia, sempre renovada e sempre fresca. Pois no amor é a mesma coisa. Quando nos agarramos à permanência destruímos toda a beleza do amor. Não pode existir casal nem amizade que seja tão seguro quanto aquele que se mantém livre. O apego mútuo, o controle, as promessas e o desejo levam inexoravelmente aos conflitos e ao sofrimento, e então haverá muito ou pouco tempo para o rompimento definitivo. porque os laços que se baseiam no desejo são frágeis demais. Só é eterno aquilo que se constrói sobre um amor livre. Os desejos sempre nos deixam vulneráveis.
 
 
Anthony de Mello
Trecho copiado do livro "Autolibertação"

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