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segunda-feira, 9 de setembro de 2019

POR QUE SOMOS 
INCAPAZES DE AMAR ?


PERGUNTA: O mandamento de mais força, o mandamento básico de todas as religiões é: Ama o teu próximo. Porque é tão difícil pôr em prática esta verdade tão simples?

KRISHNAMURTI: Porque somos incapazes de amar? Que significa amar ao próximo? Isso é um mandamento? Ou o fato simples é que, se eu não vos amo e vós não me amais, só pode haver ódio, violência e destruição? Que é que nos impede de ver o fato de que este mundo é de todos nós, que esta Terra é vossa e minha, para nela vivermos, sem estarmos divididos por nacionalidades, por fronteiras; para nela vivermos felizes, frutuosamente, deleitavelmente, com afeição e compaixão? Porque não enxergamos isso? Posso dar-vos dúzias de explicações e vós podeis dar-me outras dúzias mais, porém as meras explicações nunca extirparão o fato de não amarmos o nosso próximo. Pelo contrário, é porque estamos sempre dando explicações, sugerindo causas, que não encaramos com o fato. Vós sugeris uma causa, eu sugiro outra, e ficamos lutando a respeito dessas causas e explicações. Estamos divididos, como hinduístas, budistas, cristãos, isto ou aquilo. Dizemos que não amamos, em virtude das condições sociais, ou em virtude de nosso karma, ou porque alguém tem muito dinheiro e nós temos tão pouco. Sugerimos inúmeras explicações, amontoamos palavras e na rede das palavras ficamos apanhados. O fato é que não amamos o nosso próximo e temos medo de olhar de frente esse fato; por isso nos comprazemos com as explicações, as palavras, a descrição das causas, citamos o Gita, a Bíblia, o Alcorão — tudo fazemos para evitarmos o enfrentar o simples fato.

Compreendeis, senhoras e senhores? Que acontece quando, encarando o fato, percebeis, por vós mesmo, que não amais o vosso próximo? Vosso filho é vosso próximo; portanto não necessitais de ir procurar ao longe o vosso próximo. Se amásseis o vosso filho, teríeis o cuidado de educá-lo de uma maneira toda; diferente; educá-lo-ieis, não para se ajustar a esta sociedade decrépita, mas para ser auto-suficiente, inteligente, apercebido de todas as influências que cercam, que prendem e sufocam o indivíduo e nunca lhe permitem ser livre. Se amásseis vosso filho, que é também vosso próximo, não haveria guerras entre o Paquistão e a índia, ou entre a Alemanha e a Rússia — porque então desejaríeis protegê-lo a ele, e não à vossa propriedade, vossa crença insignificante, vosso depósito no banco, vossa pátria cruel, vossa estreita ideologia. Por isso não amais; e o fato é este.

A Bíblia poderá mandar-vos amar ao próximo, e a mesma coisa pode mandar o Gita ou o Alcorão — o fato é que não amais. Ora, ao encarardes esse fato, que acontece? Entendeis? Que acontece, ao reconhecerdes que não sois amorável e, reconhecendo-o, não derdes explicações nem alegardes as causas por que não amais? É bem óbvio o que acontece. Ficais com o fato nu e cru de que não amais, não sentis compaixão, não tendes nenhuma consideração por outro. A maneira desdenhosa como falais com vossos serviçais, o respeito que mostrais para com vosso patrão, a profunda reverência com que saudais o vosso guru, vossa busca de poder, vossa identificação com um país, vosso desejo de vos aproximardes dos grandes — tudo isso indica que não amais. Se começardes daí, podereis então fazer algo. Senhores, se estais cegos e realmente o sabeis, se não imaginardes que podeis ver, que acontece? Andais vagarosamente, apalpais, tateais; cria-se uma nova sensibilidade.

De maneira semelhante, quando sei que não tenho amor, e não finjo amar; quando estou consciente do fato de não ter compaixão, e não me ponho a perseguir o ideal, o que é puro contrassenso — então, com o encarar do fato, surge uma qualidade diferente; e é esta qualidade que pode salvar o mundo, e não uma certa religião organizada, ou uma ideologia inventada pelos mais sabidos. É quando o coração está vazio, que as coisas da mente o enchem; e as coisas da mente são as explicações desse vazio, as palavras que descrevem as suas causas.

Assim, se desejais realmente pôr fim às guerras, se desejais realmente pôr fim ao conflito existente na sociedade, deveis encarar com o fato de que não amais. Podeis ir a um templo e oferecer flores a uma imagem de pedra, mas isso nunca dará ao coração aquela extraordinária qualidade que é a compaixão, o amor, e que só vem quando a mente está tranquila, e não é ávida, invejosa. Quando percebeis o fato de que não tendes amor, e não fugis dele por meio de uma explicação ou procurando-lhe a causa, então esse próprio percebimento começa a atuar; ele traz delicadeza de sentimentos, compaixão. Há então a possibilidade de se criar um mundo todo diferente, sem esse existir brutal e caótico a que atualmente chamamos vida.    
 
Krishnamurt - Da Solidão à Plenitude Humana
http://pensarcompulsivo.blogspot.com

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