Translate

quarta-feira, 22 de maio de 2019

QUANDO TUDO SE DESFAZ


A impermanência torna-se muito vívida no momento presente. O mesmo acontece com a compaixão, o encantamento e a coragem. E também com o medo. Na verdade, qualquer um que se coloque à beira do desconhecido, inteiramente no presente e sem ponto de referência, experimenta a sensação de não ter onde se apoiar. É aí que nossa compreensão se aprofunda, que descobrimos que o momento presente é um lugar bastante vulnerável, e essa experiência pode ser completamente terna e desconcertante ao mesmo tempo.

Quando tudo se desintegra somos submetidos a uma espécie de teste e também a um certo processo de cura. Achamos que o sentido está em passar no teste e superar o problema, mas a verdade é que as situações não têm uma solução definitiva. Elas se compõem e desmoronam. E mais uma vez se compõem e desmoronam. É simplesmente assim que funciona. O processo de cura ocorre ao deixarmos existir espaço para que tudo isso aconteça: espaço para o pesar, para o alívio, para a angústia e a alegria. Pensamos que algo vai nos trazer prazer, mas, na verdade, não sabemos exatamente o que vai acontecer. Achamos que algo vai nos trazer infelicidade, mas também não sabemos. Acima de tudo, o mais importante é deixar espaço para o não saber. Tentamos fazer aquilo que achamos que vai nos trazer alívio, mas é impossível ter certeza. Nunca sabemos se vamos nos sair muito bem ou se vamos falhar redondamente.

O bem-estar do corpo pode ser comparado a uma montanha. Muita coisa acontece a uma montanha. O vento sopra, há granizo, chuva e neve. O sol fica muito quente, as nuvens passam e os animais, assim como as pessoas, urinam e defecam sobre ela. Algumas pessoas deixam ali seu lixo e outras vêm limpar. As coisas vêm e vão e ela simplesmente está ali. Quando nos percebemos completamente, surge uma tranquilidade corporal semelhante à da montanha. Não precisamos mais ficar sobressaltado, coçar o nariz, puxar as orelhas, bater em alguém, sair correndo da ala ou cair de tanto beber. Um ótimo relacionamento conosco mesmos resulta em aquietar-se, o que não quer dizer que vamos deixar de correr, pular e dançar. Quer dizer que não existe compulsão. Paramos de trabalhar demais, comer demais, fumar demais e seduzir demais. Em resumo, paramos de causar o mal.

Em primeiro lugar, gostamos do prazer e somos apegados a ele. Ao contrário, não gostamos da dor. Em segundo lugar, gostamos de louvores e somos atraídos por eles. Tentamos evitar a crítica e a culpa. Em terceiro, gostamos de prestígio e damos valor a ele. Não gostamos da desonra e tentamos evitá-la. Finalmente, somos apegados ao ganho, a conseguir aquilo que desejamos. Não gostamos de perder o que possuímos. De acordo com esse ensinamento muito simples, estar imerso nesses quatro pares de opostos — prazer e dor, perda e ganho, prestígio e desonra, louvor e culpa — é o que nos mantém presos ao sofrimento do samsara.

Mas, e o sofrimento? Por que celebraríamos o sofrimento? Isso não parece masoquismo? Entretanto, nosso sofrimento baseia-se, em grande parte, no medo da impermanência. Nossa dor está firmemente enraizada em uma visão unilateral e desequilibrada da realidade. Quem teve a ideia de que é possível ter prazer sem dor? Essa noção é amplamente divulgada no mundo e nós lhe damos crédito. Entretanto, prazer e dor certamente andam juntos — são inseparáveis. Eles podem ser celebrados. São normais. O nascimento é doloroso e maravilhoso. A morte é dolorosa e maravilhosa. Tudo que acaba é também o início de algo novo. A dor não é uma punição, o prazer não é uma recompensa. O entusiasmo e o desânimo são inseparáveis. Sempre queremos nos livrar da infelicidade, em lugar de perceber que ela atua juntamente com a alegria. O sentido não está em cultivar um dos lados, em oposição ao outro, mas em relacionar-se adequadamente com o estado em que estamos. O entusiasmo e o desânimo se complementam. Ficamos arrogantes, quando temos somente entusiasmo. Perdemos a capacidade de idealizar, quando temos somente desânimo. Sentir entusiasmo nos anima e nos faz perceber o quanto o mundo é vasto e maravilhoso. Sentir desânimo nos abate. A glória de nosso entusiasmo nos conecta com o sagrado no mundo. Mas, quando viram a mesa e nos sentimos desanimados, somos suavizados. Nosso coração amadurece.
 
 
Pema Chodron
 
https://tudopositivo.wordpress.com
 
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário