Translate

sábado, 4 de maio de 2019

LIBERTAÇÃO É O RESULTADO DA
VIDA EM PLENA MATURAÇÃO


Pergunta: Frequentemente, ao falardes, detendes-vos repentinamente, como se nos não quisésseis ofender. Será porque sintais, realmente, que, posto que aqui venhamos com um propósito sério, não estamos prontos a fazer frente ao que for necessário no caminho do sofrimento?

Krishnamurti: Às vezes hesito, porque, pessoalmente, acabei já com toda a transigência e, em meu ardor, desejo que outros o façam. Não os posso, porém, forçar a isso.

Pergunta: Que entendeis por libertação?

Krishnamurti: Voltamos a começar de novo! A libertação não é negativa. A libertação, do meu ponto de vista, é o resultado da vida em plena maturação. A libertação é a consumação de toda a vida altamente evoluída, altamente culta, altamente desenvolvida. A libertação é o produto da cessação de todos os desejos. Esta liberdade é o resultado natural que o desejo está sempre buscando, o despedaçar dessas barreiras que são colocadas pelo eu sobre o eu, em virtude da experiência. Vós me perguntais o que é a libertação. Eu somente vos posso dizer que é vida, que é mil e uma coisas, que vem à existência após haverdes passado através do processo de completa eliminação e estardes libertos por completo da ilusão.

Pergunta: Se qualquer de nós a atingisse agora, como mudaria ela para nós o mundo externo?

Krishnamurti: Tratai de atingi-la e depois poderemos falar a respeito. Vós me pedis que coloque algo que é infinito naquilo que é finito, traduzi-lo por meio de palavras para uma mente que é limitada. Se não possuírdes a experiência de certa coisa, eu não vos posso proporcionar o sabor dela por meio de minhas palavras por muito que eu lute, por muito que escreva, por mais que faça conferências e palestras a respeito. Uma experiência desta natureza é a resultante natural da evolução humana, da luta humana, da humana dor e prazer. É a consumação da vida individual, tanto como da vida universal. É impossível descrever a uma pessoa cuja mente é finita, algo que é infinito e que não pode ser descrito. E, se pudesse ser descrita, perderia a sua beleza. Se a pudésseis descreve não mais seria aquilo que estáveis descrevendo.

Pergunta: Dizeis que a vida é livre, porém, no geral, reconhecemos que a natureza tem certas leis. E a ciência moderna diz que talvez as leis do universo não sejam, realmente, as leis de todo o cosmos. Talvez as leis do nosso universo estejam mudando. Assim, eu quero saber se essa vida universal está, ao mesmo tempo, dando e experimentando com as leis da natureza.

Krishnamurti: Isto é certo. Eu encaro isto assim. Existe a manifestação e, na manifestação deve haver lei, porém, não há para aquilo que se manifesta. Para a vida é preciso que haja uma expressão e, na expressão é preciso que exista lei, porém, para essa vida que a si mesma se expressa, não pode haver lei. Eu sustento que para aquilo que é a vida em liberdade, que é espiritualidade em consumação não pode existir lei alguma, porque, se estiver sob o regime da lei, estará em limitação.

Pergunta: Vosso ponto de vista concorda perfeitamente com o que diz a ciência moderna. As leis que outrora tínhamos como universais são somente relativas; é um plano cheio de vida livre.

Krishnamurti: É certo. Por isto é que não podeis ter leis que vos conduzam à espiritualidade; um sistema, uma meditação estabelecida, para vos conduzir à espiritualização, à liberdade da vida. Aquilo que é livre, não podeis ir levando as mãos atadas. E, como esta vida está dentro de vós — esta vasta imensidade de vida está dentro dessa outra vida que está em limitação dentro de vós — para a esta chegardes precisais lutar para a vós mesmos libertardes da escravidão de todas as coisas. Se estatuirdes uma lei, um dogma, um conjunto de regras para a meditação, isto não vos levará a essa liberdade. Não que eu seja contra a meditação; ao contrário, eu não perderia um único momento de contemplação. Deveríeis estar em contemplação durante o dia inteiro, meditar durante todo o dia e não estabelecer apenas uma hora para meditação e depois esquece-la durante o resto do dia. Contemplai durante todo o dia. Porém, não podeis estatuir uma lei para a contemplação. Não podeis fazer leis para a espiritualidade. Trata-se de uma experiência interna que não pode ser traduzida por coisas finitas, para uma mente limitada. É uma experiência tão vasta, é uma vida tão imensa que, a não ser que a experimenteis, por vós próprios, permanecerá um mistério, uma coisa secreta, oculta, e não podereis discuti-la ou coloca-la em dúvida. Por isso é que tanto me preocupo com ela. Não para que investigueis aquilo que estou sentindo, ou o que é a libertação, mas para que desenvolvais vossa própria percepção, afim de internamente vos harmonizardes perfeitamente, e ficardes inteiramente livres, isentos de toda a ilusão. Isto é o que importa; e não o efeito que virá a ter sobre a vossa consciência, ou aquilo que hei de fazer quando houverdes atingido. Deveis vos preocupar de como atingir, de como ansiardes por tal e de como a buscardes.
 
Pergunta: Se a libertação depende somente da realização interior e o ambiente é apenas um assunto secundário, estaremos perdendo tempo ao acentuarmos a necessidade de ambiente, tanto para as crianças como para os adultos?

Krishnamurti: Na individualidade existe potencialmente a realidade. Isto é, em vós, como indivíduos, existe a semente da realidade. A vida está dentro da limitação, e a vossa tarefa é realizar essa potencialidade que, depois, se tornará a totalidade. Portanto, a pura ação, o puro ser, ali está sempre, oculto, supresso, não conhecido; e lançar uma ponte sobre o abismo que separa a reação da ação pura, que existe entre o começo e o fim, é que é o propósito do homem. O começo e o fim estão no indivíduo. Essa totalidade, essa vida que tudo abraça está também em vós mesmos como indivíduos. Vós é que não estais conscientes disso e o vosso propósito é ganhardes consciência disso. Assim, pois, não é por um processo de evolução contínua que haveis de atingir, porém sim, rasgando o véu da separação, por meio do esforço incessante, por meio da concentração, por meio da inspeção continuada. Como antes já disse, esforçai-vos por compreender o significado das palavras. Estou utilizando-me de termos vulgares, porém reservo um significado especial para essas palavras, estou me esforçando por lhes dar uma acepção especial. Evolução, para mim, é o engrandecimento do “eu sou” no tempo — que é expansão. Ela é o ser; como é a descoberta da realidade em todas as coisas, o que destrói esta barreira da separação.

Libertação, portanto, não é um processo de evolução, porém, sim, a realização de conjunto da vida, em que não mais existe sujeito e objeto, em que não mais existe o sentimento de separação. É essa felicidade pura da existência duradoura em que, vós, como indivíduos, tendes que tornar-vos a totalidade que todas as coisas contém. 
 
Krishnamurti
http://pensarcompulsivo.blogspot.com 
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário