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terça-feira, 23 de abril de 2019

O ENCONTRO DE TOLSTÓI 
COM JESUS


Nem sempre tive as ideias religiosas ... Durante 35 anos de minha vida fui , na plena acepção da palavra, um niilista – não um socialista revolucionário, mas um homem que em nada acreditava. Há cinco anos a fé chegou a mim; acreditei na doutrina de Jesus e toda a minha vida sofreu uma transformação súbita. O que antigamente desejava, não desejo mais e comecei a desejar o que nunca tinha desejado antes. O que antigamente me parecia certo agora se tornou errado e o erro do passado comecei a ver como acerto. Minha situação era como a de um homem que parte para se desincumbir de uma tarefa e, depois de percorrer uma parte da estrada, chega à conclusão de que o assunto não tem mais importância e volta. O que inicialmente estava em sua mão direita está agora na esquerda, e o que estava na sua mão esquerda está agora na direita; em vez de sair de sua residência, ele deseja voltar a ela o mais rápido possível. Minha vida e meus desejos mudaram completamente; bem e mal intercambiaram significados. Por que isso? Porque entendi a doutrina de Jesus de um modo diferente daquele que tinha entendido antes.

Não é meu propósito expor aqui a doutrina de Jesus; só desejo contar como foi que cheguei a compreender o que essa doutrina tem de simples, claro, evidente, indiscutível; como entendi aquela parte que toca todos os homens e como esse entendimento refrescou minha alma e me deu felicidade e paz.

Não é minha intenção comentar a doutrina de Jesus; tudo quanto desejo é que todos os comentários sejam postos de lado para sempre. As seitas cristãs sempre afirmaram que todos os homens, por mais desiguais que sejam em educação e inteligência, são iguais perante Deus; que a verdade divina é acessível a qualquer um. Jesus chegou até a declarar ser a vontade de Deus que seja revelado aos simples aquilo que está escondido dos sábios. Nem todos são capazes de compreender os mistérios da dogmática, da eloquência sagrada, das liturgias, da hermenêutica, da apologética; mas qualquer um é capaz de compreender – e compreende – o que Jesus Cristo disse a milhões de pessoas simples e ignorantes que viviam em seu tempo e que vivem hoje no nosso. Ora, as coisas que Jesus disse a pessoas simples que não podiam se valer dos comentários de Paulo, de Clemente, de João Crisóstomo e de outros, são justamente aqueles que eu não compreendia e que, agora que cheguei a compreendê-las, desejo tornar claras para todos.

O ladrão na cruz acreditou em Cristo e foi salvo. Se, em vez de morrer na cruz, o ladrão tivesse descido dela e espalhado aos quatro ventos a sua crença no Cristo, não teria sido um grande bem? Assim como o ladrão na cruz, creio na doutrina de Jesus e esta fez de mim um homem inteiro. Esta não é uma comparação vazia, e sim uma expressão verdadeira da minha situação espiritual; minha alma, antigamente cheia de desespero diante da vida e de medo diante da morte, agora está cheia de felicidade e paz.

Assim como o ladrão, eu sabia que minha vida passada e presente era indigna; eu via que a maioria dos homens ao meu redor tinha uma vida indigna. Eu sabia, como o ladrão, que era desprezível e estava sofrendo, que todos ao meu redor sofriam e eram desprezíveis; e via que só a morte me tiraria dessa situação. Como o ladrão pregado na cruz, também eu havia sido pregado a uma vida de sofrimento e mal por um poder incompreensível. E como depois dos sofrimentos de uma vida sem sentido, o ladrão viu à sua frente as horríveis sombras da morte, também eu as vi se acumulando diante de mim.

Em tudo isso me senti como o ladrão. Mas havia uma diferença entre a situação dele e a minha: ele estava prestes a morrer e eu – eu ainda estava bem vivo. O ladrão prestes a morrer pensava que talvez encontraria a salvação além do túmulo, enquanto eu tinha à minha frente a vida e seu ministério deste lado de cá. Eu nada compreendia desta vida; ela me parecia uma coisa assustadora e então – então compreendi as palavras de Jesus, e vida e morte deixaram de ser um mal; em vez do desespero, senti uma alegria e uma felicidade que nem a morte me poderia tirar.


Trecho de Minha religião, de Liev Tolstói
http://www.rennovario.org
  

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