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terça-feira, 23 de abril de 2019

HÁ FLORES NO CAMINHO


Refletindo com 
Andre Comte-Sponville


Ora, há lição mais clara que esta: a de que toda esperança nunca se realiza? Muitas vezes por não ser satisfeita, e todos conhecem o sabor disso, que é de frustração. Mas também acontece, e não é coisa fácil de se viver, que uma esperança não se realiza por ter sido satisfeita, e temos então de constatar que sua satisfação não consegue nos dar a felicidade que dela esperávamos.
 
 
Assim, nós nunca vivemos”, dizia Pascal, “nós esperamos viver...” E acrescentava: “De modo que, dispondo-nos sempre a ser felizes, é inevitável que nunca sejamos.
 
 

É a grande lição de Buda: toda vida é dor, e dela só podemos nos libertar, como ele também ensina, se primeiro renunciarmos a nossas esperanças. E vamos ao essencial. É o seguinte: a esperança da felicidade nos separa desta (“como eu seria feliz se...”) e nos condena à decepção, ao amargor, ao ressentimento, no que concerne ao passado, bem como à angústia, no que concerne ao futuro. Inversamente, quem renunciasse por completo a ser feliz por isso mesmo o seria, e só ele sem dúvida.
 

A eternidade é o lugar de todos nós, e o único. Mas nossos discursos nos separam dela, bem como nossos desejos, bem como nossas esperanças... No fundo, só estamos separados da eternidade por nós mesmos. Daí essa simplicidade, quando o ego se dissolve: não há mais que tudo, e pouco importa então o nome (“Deus”, “Natureza”, “Ser”...) que alguns quererão lhe dar. Quando não há mais que tudo, para que as palavras, já que o tudo não tem nome? O espírito do Tao sopra aqui, e esta grande loucura do Oriente me importa mais do que nossas pequenas sabedorias... O silêncio e a eternidade andam juntos: nada a dizer, nada a explicar, já que tudo está presente. 
 

É por isso que o real é simples, de uma simplicidade que não é a de uma ideia, mas a de uma singularidade nua e da identidade consigo. É quando tentamos reduzir essa riqueza e essa singularidade do diverso a nossos conceitos que tudo, de fato, se torna complicado: porque o real excede em toda parte o pouco dele que podemos pensar! Mais uma razão para não nos contentarmos com pensar e para aprender a ver, isto é, a se entregar, silenciosamente, à inesgotável simplicidade do devir.
 

Por que só amar nas flores as flores que ainda não existem? Por que procurar nelas o que elas não são, por que sempre comprará-las com outra coisa? Por que querer encerrar o real, a riqueza do real em nossas pobres abstrações? “O objeto”, “o sujeito”, você diz – conversa! Não há “objeto”, não há “sujeito”, não há “cor”, “perfume”, não há nem mesmo “rosa”! Tudo isso não passa de palavras, nossas pobres palavras, modestas ou grandiosas. Sei perfeitamente que não podemos prescindir delas, mas o real não tem o que fazer com elas.
 

Disse Dostoievski "Se Deus não existe, tudo é permitido." Dostoievski se engana: mesmo se Deus não existe, não é verdade que tudo é permitido. Porque - invisível ou não - eu não me permito tudo: tudo não seria digno de mim. Minha moral é essa dignidade, essa exigência.
 

A sabedoria não é um ideal a mais, ainda menos uma religião. A sabedoria é esta vida, tal como é, mas vivida em verdade. A sabedoria é o máximo de felicidade no máximo de lucidez. É menos um absoluto que um processo. Nós nos aproximamos da sabedoria cada vez que somos um pouco mais lúcidos sendo um pouco mais felizes, cada vez que somos um pouco mais felizes sendo um pouco mais lúcidos.


Não façamos da sabedoria uma esperança, um ideal que nos separaria do real. Compreendamos que a sabedoria - isto é, a vida (...) - é um processo, um esforço, como diria Spinoza, e, quando sentimos uma dor atroz, é perfeitamente sábio gritar atrozmente, como é sábio, quando gozamos, gozar divertida, alegremente.


Enquanto você fizer uma diferença entre a sabedoria e sua vida como ela é, você estará separado da sabedoria pela esperança que tem dela. Pare de acreditar nela: é uma maneira de se aproximar dela.
 
 

A sabedoria não é outra vida, em que tudo de repente iria bem em seu casamento, em seu trabalho, na sociedade, mas outra maneira de viver esta vida, como ela é. Não se trata de esperar a sabedoria como outra vida; trata-se de amar esta vida como ela é - inclusive, insisto, dando-nos os meios, no que depende de nós, de transformá-la. O real é para pegar ou largar. A sabedoria está em pegá-lo: o sábio é parte ativa do universo.
 
 
Texto recebdo via e-mail sem identificação da fonte

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