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quinta-feira, 23 de agosto de 2018

NÃO MATES 
AS TUAS SAUDADES


 Escreveste-me que estavas com saudades de mim – e me escreves para matar saudades. Por favor, querida, não mates as tuas saudades. Deixa viver as tuas saudades. E, se morreres de saudades, é esta a mais bela das mortes. Essa morte te fará viver na vida eterna – porque saudade é amor na ausência. E será amor de presença eterna. Quem morre de saudades morre de fome – e é mil vezes melhor morrer de fome do que viver com fastio. Por vezes, o amor nos causa fastio – mas as saudades sempre nos deixam com fome. Quem bebe da água das saudades terá sede outra vez. Se o amor humano fosse amor integral, seria amor na presença – assim como saudade é amor na ausência. Seria amor fascinante, sem fastio – assim como saudade é amor sempre faminto. Mas o amor humano é suicida – mata-se a si mesmo. É suicida, por falta de transcendência – e excesso de imanência. Só se pode amar deliciosamente o que sempre se possui – e sempre se procura. O que é tão longínquo como a ausência – e tão propínquo como a presença. Se Deus fosse apenas presença, e não também ausência – seria eu o rei dos ateus, ateu por fastio de Deus. Mas, como Deus é longínqua ausência e propínqua presença – eu vivo de saudades do Deus sempre presente e sempre ausente.
 
É esta a minha vida eterna. A vida num Deus sempre possuído – e sempre procurado. É esse o estranho paradoxo da felicidade: procurar o que se possui – e possuir o que se procura. Quanto mais o homem possui a Deus, tanto mais o procura. A vida eterna é um incessante ser e um interminável devir, um estado – e um processo, um ter – e um eterno querer. Porque todo finito em demanda do Infinito está sempre a uma distância infinita. A vida eterna é uma sinfonia inacabada.
 
Se a vida eterna fosse uma chegada estática, e não uma jornada dinâmica... Preferiria eu a vida terrestre à vida celeste. Não me interessa uma parada acabada – interessa-me somente uma jornada inacabada. Alguém me disse que a vida eterna é um incessante jornadear – rumo ao Infinito. Um jornadear em linha reta – longe de todos os ziguezagues. E esse Alguém é a “voz silenciosa”, que me fala, quando eu me calo. A “voz silenciosa” não é o meu ruidoso ego humano – é o meu silente Eu divino. É a alma do Universo, que pensa em mim – porque eu e o Universo somos um. É o Deus do mundo no mundo de Deus. É a invisível Realidade no meio de todas as facticidades visíveis. É a voz do Além que me fala em todas as coisas do Aquém. Essa “voz silenciosa” me disse que sou um eterno viajor – um feliz possuidor e um feliz buscador. Feliz por estar na linha reta rumo ao Infinito – e feliz porque o meu finito está sempre a uma distância infinita do Infinito. Que farias tu, minha alma, se tivesse chegado a uma meta final? Repousarias nessa eterna aposentadoria celeste? E não seria essa vida eterna uma morte eterna? Uma mortífera passividade? Mas eu sei que minha vida eterna é eterna atividade. Por isto sou feliz, por demandar o Infinito – numa jornada sem fim. Minha vida eterna é uma eterna sinfonia.
 
Uma sinfonia inacabada. É o que me diz a “voz silenciosa” que eu escuto com os ouvidos da alma, quando todos os ruídos se calam. E essa sinfonia não começa após a morte – ele canta em plena vida terrestre, aqui e agora. Morrer não é um fim nem um começo – é uma simples continuação da mesma vida de hoje, em uma das muitas moradas que há em casa do Pai celeste. Quem ainda tem medo da morte não começou ainda a viver realmente. A sinfonia da vida é uma sinfonia eternamente inacabada...
 
 
Huberto Rohden - De Alma Para Alma
https://pt.slideshare.net 

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