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segunda-feira, 13 de agosto de 2018

A DIFICULDADE DA 
ATENÇÃO TOTAL


 Primeira Parte

Pergunta: A plena atenção é tão essencial em relação às coisas agradáveis, como em relação às coisas desagradáveis e dolorosas?

Krishnamurti: Vede, desejamos dar continuidade às coisas agradáveis. Volvemos com a memória às alegrias da meninice, a prazeres outrora fruídos, ou nos apegamos àquilo que no momento estamos fruindo; e desejamos pôr fim às coisas não agradáveis. Mas, quando damos nossa atenção total, damo-la tanto ao agradável como ao doloroso. O desejo de continuidade do prazer é o começo do sofrimento. Por que não deve terminar o prazer? Desejais que a dor termine, mas que continue o prazer; e o depender do prazer embota a mente, torna-a insensível, exatamente como o faz a dor. Evitar o que chamamos sofrimento e buscar o prazer — tanto uma como a outra coisa acarretam aquela peculiar desatenção da mente indolente. A mente que conheceu muitos prazeres, que busca o prazer e “vive no prazer”, é uma mente entorpecida, e também o é aquela que evita o sofrimento ou continua a sofrer. Mas, vede, compreender a atenção total não é nada fácil.

Ser atento é entrar numa sala e ver as pessoas, as dimensões da sala, a cor do tapete, os quadros na parede — tudo. Mas não podeis fazê-lo, se dizeis: “não gosto daquele quadro”, “Ali está meu amigo fulano”, “Não gosto da cor do tapete”, “As dimensões da sala não são bem proporcionadas”, etc. etc. Se vossa mente está a “tagarelar”, dividindo-se entre o “de que gosta” e o “de que não gosta”, então não estais atento.

Vede, pode-se considerar uma flor pela perspectiva da botânica ou não. Se a consideramos através da botânica, ainda assim, há uma certa qualidade de atenção. Mas podemos também considerar a flor diferentemente, quer dizer, “sem conhecimento”. Não interpreteis “sem conhecimento” como um estado de ignorância. Ser “sem conhecimento” é possuir a sabedoria; porque o conhecimento tem continuidade, e a sabedoria não tem. “Estar atento” implica um estado de atenção isento de fronteira, limite, linha divisória. Observamos tudo, absorvemos tudo. Mas isso não se pode fazer quando há um motivo a inspirar a vossa atenção, por mais valioso que seja esse motivo. Se dizeis: “Vou estar atento, a fim de pôr fim ao meu sofrer” — nesse caso não ficais atento.

Tentai uma vez, se o desejardes, considerar totalmente uma flor, uma árvore, um ente humano. Considerar sem conhecimento, sem pensamento — o que não significa um estado de amnésia, i.e., ter a mente “em branco”. Vereis que, ao considerardes assim uma coisa, há um extraordinário estado de atenção que não é concentração. Concentração é exclusão. A mente que está atenta pode concentrar-se sem esforço, sem exclusão. Mas a mente que adquiriu a faculdade de concentrar-se por meio de esforço, treino, disciplina — essa mente jamais poderá estar atenta.


Pergunta: Vê-se que a mente só pode estar verdadeiramente tranquila por uns trinta segundos. Que entendeis, pois, por “tranquilidade mental”?

Krishnamurti: Em primeiro lugar, a tranquilidade da mente não é um estado para ser alcançado. A pessoa não tem de dar vários passos para chegar a ele, não pode praticar um sistema a fim de se tornar tranquila, porque essa ação disciplinar só pode tornar a mente embotada. A mente que se ajusta é mente morta. Esta é a primeira coisa que cumpre perceber. A mente que se submete seja aos ditames da sociedade, seja à opinião de um vizinho, aos dogmas da igreja ou outra qualquer estrutura autoritária, nunca pode ser sensível — mas isso não significa que podeis desobedecer ao policial. Estamos tratando de coisa muito diferente. Estamos tratando da submissão no sentido de obedecer à autoridade da tradição, de um livro, um sistema, uma crença. A mente que se submete a um padrão — e isso é uma forma de disciplina — essa mente não é tranquila, porém, apenas, insensível. Esta a primeira coisa que se precisa compreender profundamente. Atrás de nossa submissão, encontra-se o desejo de segurança psicológica. A mente que busca segurança nunca pode ser livre; e é só em liberdade, completa liberdade psicológica, que pode existir a quietude mental.

Como vemos, não há passos para dar a fim de se alcançar a mente tranquila. De mais a mais, não sabeis realmente o que é “tranquilidade da mente”. O que vos interessa é, tão só, experimentar esse estado e retê-lo; daí, dizerdes que ele não dura mais de trinta segundos. Por que durar! Vede, o importante para vós não é a coisa em si, porém o que ela vos dá. Por isso, desejais saber como alcançá-la e se ela é durável, introduzindo assim o elemento tempo: ela deve ter continuidade, durar mais de trinta segundos. O silêncio que tem continuidade não é silêncio. Se o alcançais por meio do tempo, não se trata de serenidade mental.

E temos, em seguida, a questão do “observador e coisa observada”. Se há um experimentador do silêncio, não há silêncio. No momento em que dizeis: “Encontro-me num extraordinário estado de humildade”, acabou-se a humildade. Para vós, o silêncio é um estado que vós experimentais, assim como se experimenta a fome, e desejais reter essa experiência, desejais que ela continue. Por isso, há dualidade: vós e a coisa que desejais experimentar. Se examinardes isso profundamente, descobrireis que o silêncio que tendes experimentado e desejais continue, é meramente o reconhecimento de uma coisa já acabada; portanto, já não é silêncio.

Isto é talvez um pouco complicado, e requer atenção de vossa parte. O que estou dizendo é: o silêncio não pode ser “experimentado”. “Experimentar o silêncio” é uma coisa terrível. Que sugere essa experiência? Reconhecimento da coisa que experimentastes como silêncio e que é reação de vossa memória. O pensamento reconhece o silêncio. E no momento em que o pensamento reconhece o silêncio, isso já não é silêncio; é algo pertencente ao passado, a que destes no presente o nome de “silêncio”.

Assim, para compreenderdes o que é o silêncio, deveis estar livre da submissão e da limitação, livre da autoridade, livre das experiências de ontem, que acumulastes. Porque todas as experiências que acumulastes são condicionadas e ao mesmo tempo condicionantes; elas pertencem ao passado e fortalecem o passado. Também, é necessária a terminação do pensador e do pensamento como duas entidades separadas, porque esta divisão faz surgir o conflito da dualidade. Então, se não estais a buscar o silêncio, se nenhuma experiência estais a exigir, porque compreendestes o inteiro significado da experiência — então, talvez, sem o perceberdes, o silêncio poderá vir. Só a mente “inocente” é silenciosa. Alcançado esse estado, há, então, nesse silêncio, um movimento extraordinário, sem nenhum observador a observar o movimento; há só movimento, não há experimentador e, por conseguinte, não há experimentar. O tempo se tornou inexistente.

Para a maioria de nós, isso é apenas informação e, portanto, sem valor. O que tem valor é perceber o fato de que a autoridade, de qualquer espécie que seja, é destrutiva, seja autoridade da tradição, seja a do Salvador, do Mestre ou deste orador. Nós buscamos a autoridade porque desejamos certeza, não desejamos errar, queremos fazer o que é correto, seguro, respeitável. E uma mente respeitável não é apenas uma mente “burguesa”, medíocre, mas também uma mente insensível e incapaz de estar de todo atenta. Quando há atenção completa, há virtude — não uma imitação de virtude, conforme a pratica a sociedade respeitável. A virtude é então algo novo, que se encontra todos os dias, ao virar de cada esquina. Vereis que há então um silêncio e, nesse silêncio, imensurável criação.
 
 
Krishnamurti - O homem e seus desejos em conflito
http://pensarcompulsivo.blogspot.com 
 

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