A DIFICULDADE DA
ATENÇÃO TOTAL
Última Parte
Pergunta:
Se vemos as coisas como são, com atenção total, com percebimento sem
escolha, que acontece em relação às várias formas de arte,
principalmente aquelas que se relacionam com a palavra?
Krishnamurti:
A beleza é coisa construída pelo homem? A beleza é questão de
capacidade ou gosto pessoal? Ou é a beleza algo que transcende o
pensamento e o sentimento, algo que nada tem que ver com capacidade,
inclinação, simpatia e antipatia pessoal?
E que
necessidade há de expressão? Podeis expressar uma dada coisa em
palavras, na forma de uma poesia; podeis expressá-la na tela ou no
mármore; podeis expressá-la na cozinha, ou no segurar a mão de outra
pessoa. Mas, que necessidade há de expressão? Não estou dizendo que não
deveis expressar-vos. Podeis expressar uma coisa qualquer, pô-la em
palavras; mas a palavra não é a coisa. O símbolo nunca é o real. Mas vós
expressastes a coisa e, porque sois dotado de capacidade ou talento,
essa expressão se torna significativa; tem um valor, proporciona lucro,
aplausos, popularidade.
Ora, como
dizia, na atenção total há uma criação que não se pode exprimir em
palavras, símbolos, ideias. Ela é energia total. Eu posso ter o dom de
escrever poesias; mas, como posso definir essa energia total, essa coisa
extraordinária chamada criação? Se não gostais da palavra “criação”,
escolhei outro nome: “Deus”, “cachorro”, qualquer nome serve. Uma pessoa
sente, talvez, que existe essa coisa — um movimento de criação, uma
imensidade, uma atemporalidade. Entretanto, como expressar em palavras o
imensurável? E, mesmo, quando o expressamos, a expressão não é a
própria coisa. Assim, que valor, que importância, que significação tem a
poesia para o homem ou a mulher que compreendeu essa atenção completa?
Tem essa poesia necessidade de sair de casa para contemplar obras de
arte, visitar museus, assistir a concertos? Entendeis? Quem bebeu na
fonte da criação, de que mais necessita?
Mas, para a
maioria de nós a arte, a poesia, ou a música se tornou muito
importante. Somos como os assistentes de uma partida de futebol a
observar os jogadores. Poucos estão jogando, e milhares assistindo.
Porém, depois de vos desembaraçardes completamente da estrutura
psicológica da sociedade, que importância tem a palavra, a forma, o som,
o símbolo?
Receio que
estejais escutando o orador na esperança de que ele vos ponha
milagrosamente naquele estado ou a ele vos conduza. Mas tal não é
possível. Para isso tendes de trabalhar intensamente. Requer-se uma
energia imensa para ouvir corretamente. Impõe-se toda a vossa atenção,
para destruir a vossa desatenção, e não há, então, distração de espécie
alguma. Não existe distração, em tempo algum, para o homem atento. Já
para o homem concentrado há sempre distração.
A arte, é
claro, tem seu lugar próprio; mas a coisa não acaba aí. Só quando sois
capaz de ultrapassar a arte, de superar a beleza criada pelo homem, só
então conhecereis diretamente aquela beleza inexprimível. E, estando
presente essa beleza, nada mais necessitais buscar.
Krishnamurti - O homem e seus desejos em conflito
http://pensarcompulsivo.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário