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segunda-feira, 27 de agosto de 2018

MATURIDADE 
É ESTAR LIVRE DO PASSADO

 
... precisamos saber o que se entende por “aprender”, “madureza” e “autoconhecimento”. Essas não são meras palavras, simples conceitos, cujo significado pode ser facilmente apreendido. Penetrar as palavras e perceber-lhes o real significado requer grande dose de compreensão. Por “compreensão” entendo aquele estado sem esforço, no qual a mente está consciente, livre de obstáculos, livre de tendências, sem nenhuma luta para compreender os dizeres do orador. O que o orador está dizendo tem, por si só, pouca significação. Verdadeiramente importante é que a mente esteja tão perceptiva, e sem esforço algum, que se encontre constantemente num “estado de compreensão”. Se não compreendemos e apenas nos limitamos a ouvir palavras, ao sairmos daqui levamos conosco, invariavelmente, uma série de conceitos ou ideias, com a qual estabelecemos um padrão a que tentaremos ajustar-nos em nossa vida diária ou nossa “chamada” vida espiritual.

... Desejo que estejamos, desde o começo, nesse estado de percebimento livre de esforço, de modo que juntos possamos penetrar a fundo no sentimento, no significado fundamental das palavras. Não há o “movimento do aprender” quando há aquisição de conhecimentos; as duas coisas são incompatíveis, contraditórias. O “movimento do aprender” implica um estado em que a mente não tem, guardada como conhecimento, nenhuma experiência. O conhecimento se adquire, ao passo que o aprender é um movimento constante, que não é mecanismo “aditivo” ou aquisitivo; por conseguinte, o “movimento do aprender” implica um estado em que a mente não segue nenhuma autoridade. Todo conhecimento supõe alguma autoridade, e a mente que se fortificou na autoridade do conhecimento, de modo nenhum pode aprender. A mente só pode aprender quando cessou de todo o mecanismo “aditivo”.

Em regra, é um tanto difícil diferenciar entre aprender e adquirir conhecimento. Pelo experimentar, pelo ler, pelo escutar, a mente acumula conhecimentos; esse é um mecanismo aquisitivo, um mecanismo de adicionar sempre mais alguma coisa ao que já se sabe, e baseados nesses conhecimentos, nós atuamos. Ora, o que geralmente chamamos “aprender” é exatamente esse mesmo mecanismo de adquirir novas informações e acrescentá-las ao “estoque” de conhecimentos que já possuímos. Uma pessoa, por exemplo, aprende uma língua a pouco e pouco, formando gradualmente o seu conhecimento da sintaxe, dos idiotismos, etc. — e é isso provavelmente o que a maioria de vós faz agora. Quando escutais um orador, aprendeis no sentido de adquirir conhecimento. Mas eu estou falando sobre algo totalmente diferente. Por “aprender” não entendo acrescentar ao que já se sabe. Só se pode aprender quando não há nenhum apego ao passado, como conhecimento, isto é, quando vedes uma coisa nova e não a traduzis em termos do “conhecido”.

Trataremos disso posteriormente, se não o tiverdes compreendido, pois considero importante diferenciar entre aprender e adquirir conhecimento. A mente que está aprendendo é uma mente “inocente”, ao passo que a mente que está apenas adquirindo conhecimentos é velha, estagnada, corrompida pelo passado. A mente “inocente” percebe instantaneamente, aprende a todas as horas, sem acumular, e só ela é amadurecida.

Mas, em geral, consideramos a madureza um mecanismo de amadurecimento em experiência, em conhecimento — é isso o que chamamos “madureza”. Uma pessoa amadurecida, dizemos, é aquela que teve uma grande quantidade de experiência, que se tornou sábia com os anos, que sabe ajustar-se às circunstâncias imprevistas, etc. Movendo-se no tempo, essa pessoa alcançou gradualmente um estado de plena maturidade. Pensamos que, com o tempo, a mente amadurece, libertando-se da ignorância — sendo ignorância a falta de conhecimento das coisas mundanas, a falta de experiência e de capacidade. Uma pessoa jovem, dizemos, necessita de tempo para “amadurecer”. Por volta dos sessenta anos ela terá sofrido; terá, através das premências, das tensões, das atribuições da vida, acumulado experiência, conhecimentos e, então, talvez, estará “amadurecida”.

Mas, para mim, a madureza é algo completamente diferente. Acho possível tornarmo-nos amadurecidos sem passar por todas as pressões e tribulações do tempo. Estar completamente amadurecido, qualquer que seja a idade do indivíduo, significa ser capaz de enfrentar e resolver imediatamente qualquer problema que se apresenta, e não “transportá-lo” para o dia seguinte. O “transportar” um problema de um dia para o outro é, essencialmente, falta de madureza. É a mente sem madureza que continua a existir com seus problemas de dia para dia. A mente amadurecida pode resolver de pronto os problemas, sempre que surgem; ela não concede aos problemas nenhum solo para lançarem raízes, e essa mente se acha num estado de “inocência”.

Assim, ser “amadurecido” é aprender e não “adquirir conhecimento”. A aquisição de conhecimento é essencial num certo nível. Uma pessoa precisa ter conhecimentos quando lida com coisas mecânicas, como, por exemplo, ao aprender a conduzir um carro. Adquire-se conhecimento no aprendizado de uma língua, no estudo de engenharia elétrica, etc. Mas achar-se no estado de madureza a que me refiro significa a pessoa ver-se tal como é realmente, de instante em instante, sem acumular conhecimentos a respeito de si própria; porque essa madureza implica rompimento com o passado, e o passado é, no fundo, um “acúmulo” de conhecimentos.

Que é o “eu”? Se uma pessoa observa realmente a si própria, percebe que o “eu” é uma massa de experiências acumuladas, de mágoas, de prazeres, ideias, conceitos, palavras. É o que somos: um feixe de lembranças.

Estamos examinando um assunto um tanto complexo, mas, se o aprofundarmos um pouco mais, talvez ele se torne claro para cada um de nós.

Todos nós somos, psicologicamente, o resultado de nosso ambiente educativo e social. A sociedade, com seus códigos de moralidade, suas crenças e dogmas, suas contradições, seus conflitos, suas ambições, sua avidez, sua inveja, suas guerras — é o que nós somos. Dizemos que, em essência, somos espírito, alma, uma parte de Deus, mas isso são meras ideias que nos foram inculcadas pela propaganda da igreja ou de alguma sociedade religiosa; ou recolhemo-las de livros, ou de nossos pais, que refletem o condicionamento de uma dada cultura. Dessa forma, o que realmente somos é um feixe de lembranças, um feixe de palavras.

Memória identificada com a propriedade, a família, o nome — eis o que cada um de nós é, mas não gostamos de descobrir por nós mesmos esse fato, pois nos é sumamente desagradável. Preferimos pensar acerca de nós próprios como seres extraordinariamente inteligentes; mas não somos nada disso. Podemos ter uma certa capacidade para escrever poesias ou pintar quadros; podemos ser bastante sagazes nos negócios, ou sutis no interpretar determinada teologia; mas em verdade somos um feixe de coisas lembradas — as mágoas, as dores, as vaidades, os preenchimentos e frustrações do passado. Apenas isso. Poderemos perceber superficialmente que somos esse resíduo do passado, mas dele não estamos profundamente inteirados, e agora o olhamos, — mas isso não significa aquisição de conhecimentos a nosso respeito. Notai, por favor, a diferença.

Desde que adquiris conhecimentos sobre vós, estais-vos consolidando no resíduo do passado. Perceber os fatos verdadeiros sobre nós mesmos, de momento em momento, e esse é o “movimento do aprender” — é estardes livre de qualquer conhecimento acerca de vossa pessoa. Não sei se me estou explicando claramente.

Quando digo que tenho conhecimento acerca de mim próprio, que significa isso? Suponhamos que fui insultado ou lisonjeado. Essa experiência permanece em minha mente como memória. Com a memória dessa mágoa ou prazer, olho-me a mim mesmo, e interpreto o que vejo em função daquelas passadas reações. Interpretar a si próprio em termos do passado é simplesmente pôr-se num estado de pressão ou de exultação, e nesse estado não há possibilidade de aprender, porque não há o frescor e a espontaneidade da percepção. Mas, se a pessoa se vê realmente tal como é e não interpreta isso conforme o passado, se simplesmente observa o fato, ou seja o que é a cada minuto, tem então a possibilidade de aprender a respeito de si própria, sem acumulação.

Não é realmente muito difícil nos vermos como somos, simples e claramente, sem resistência. Se um homem é mentiroso, se é luxurioso, ávido, invejoso, ser-lhe-á relativamente fácil descobrir isso. Mas nós, em geral, quando descobrimos o que somos, tratamos imediatamente de interpretá-lo em relação com o que pensamos que deveríamos ser, e por essa razão nada aprendemos sobre o que somos. Estará claro?

Quando julgamos ou interpretamos o que em nós descobrimos, estamos adicionando isto ao que já sabemos, e dessa maneira fortalecemos o fundo “memorial”. Esse mecanismo de modo nenhum traz a liberdade — e só se pode aprender em liberdade. É-nos grato pensar que a essência do “eu” é o “não eu”, mas tal essência ou centro espiritual não existe; só há a memória das coisas pretéritas; e esse fundo de memória está sempre interpretando, julgando, condenando aquilo que realmente é. O estar livre desse fundo é o estado de imediata madureza, e estar “amadurecido” é esvaziar a mente de todo temor.


Krishnamurti, O homem e seus desejos em conflito
http://pensarcompulsivo.blogspot.com

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