A LIBERDADE DO INTELECTO
Última Parte
Se
queremos nos aproximar de Cristo, devemos primeiro arrastar-nos
forçosamente na direção do bem, mesmo que nosso coração não o deseje. "O
reino dos céus é submetido à violência, e os violentos tomam- no pela
força", disse o Senhor (Mat. 11:12). E Ele também disse: "Esforce-se para entrar pelo portão estreito". (Luc. 13:24)
Devemos,
então, forçar-nos mesmo contra a nossa vontade na direção da virtude,
do amor quando nos faltar amor, da gentileza quando estivermos
precisando dela, na direção da simpatia do coração e da compaixão, da
paciência diante do insulto e do desprezo e da firmeza diante da
zombaria, se ainda não adquirimos o hábito dessas coisas e na direção da
oração se ainda não atingimos a oração espiritual.
Se
Deus nos vê lutando dessa maneira e nos arrastando à força para o bem
mesmo quando nosso coração parece opor-se a isso. Ele nos concederá a
verdadeira oração, nos dará compaixão, paciência, tolerância e, em
geral, nos encherá de todos os frutos do Espírito.
De
fato, se uma pessoa que não possui as outras virtudes se obriga a dizer,
simplesmente, a oração, de modo que ele possua a graça da oração, mas
ao mesmo tempo não é apático ou indiferente em relação à gentileza, à
humildade, ao amor e a todas as demais virtudes que enobrecem nossa
alma, incluindo a firmeza da fé e a confiança em Cristo, então, às vezes
o Espírito Santo lhe dá, pelo menos em parte, a graça da oração pela
qual ele tem pedido e o enche de alegria e repouso.
Mas
ele ainda está desprovido de todas as outras virtudes, porque ele não se
forçou a adquiri-las, nem pediu a Cristo por elas. Além disso, devemos
nos forçar, mesmo que involuntariamente, não só na direção das virtudes
mencionadas, pedindo para recebê-las de Deus, mas também na direção do
poder de julgar palavras inúteis e inteiramente sem valor, indignas de
serem faladas; pois devemos meditar assiduamente sobre as palavras de
Deus tanto quando falamos quanto em nosso coração.
E também devemos nos forçar a não ficar irritados ou a gritar: "Se desviem de toda amargura, raiva e grito", diz o apóstolo (Efé. 4:31); não difamar ou julgar ninguém, não se tornar pomposo.
Quando
o Senhor nos vê colocando pressão em nós mesmos e nos arrastando à
força, Ele certamente nos dá a força para fazer, de forma indolor e
fácil, o que antes era impossível fazermos, e , mesmo à força, por causa
do mal que habita dentro de nós. E então, toda a prática das virtudes
torna-se como parte de nossa natureza, pois, dali por diante, o Senhor,
como Ele prometeu, vem e habita em nós, da mesma forma que nós também
habitamos Nele; e Nele cumprimos os mandamentos com grande facilidade.
Quando
alguém se força apenas para a oração, enquanto ele não exerce ou se
força em relação à humildade, ao amor, à gentileza e a todas as outras
virtudes interdependentes, o resultado muito provável é como se segue.
Às
vezes, em resposta a sua súplica, a graça divina o visita, porque Deus
em Sua bondade e amor responde às petições daqueles que o invocam; mas
porque ele não se habituou e se treinou na prática das outras virtudes,
ou ele perde a graça que recebeu, caindo por causa da auto-presunção, ou
então ele não se dedica a essa graça e não cresce nela.
A
morada e o lugar de descanso do Espírito Santo são a humildade, o amor, a
gentileza e os outros mandamentos sagrados de Cristo. Se, portanto, uma
pessoa deseja crescer e alcançar a perfeição ao adquirir todas essas
virtudes, ela deve se forçar a adquirir e deve estabelecer-se
primeiramente na oração, lutando e esforçando-se com seu coração para
torná-lo receptivo e obediente a Deus.
Se
ele primeiro se forçar dessa maneira, subjugando completamente a
resistência de sua alma, através de um bom hábito tornando-a obediente,
de modo que ela se junte a ele em sua oração e súplica, então a graça da
oração que ele foi dada pelo Espírito cresce e floresce, repousando
sobre ele junto com a humildade, o amor e a gentileza abençoada que ele
também procurou adquirir.
Assim,
então, o Espírito também lhe concede essas virtudes, ensinando-lhe a
verdadeira humildade, o amor genuíno e a gentileza que ele se impeliu a
pedir. Assim, ele cresce e é tornado perfeito no Senhor, e é considerado
digno do reino dos céus. Pois o homem humilde nunca cai: de onde, de
fato, ele pode cair se ele se considera abaixo de tudo? Enquanto a
arrogância mental leva a uma grande humilhação, a humildade ao contrário
é uma grande glória e é altamente exaltada.
Aqueles
que verdadeiramente amam a Deus não o servem para obter o Reino, como
se estivessem envolvidos no comércio, pensando em ganho, nem para evitar
o castigo que está reservado aos pecadores. Eles o amam porque Ele é o
seu único Deus e Criador, pois eles conhecem a hierarquia apropriada das
coisas e sabem que é dever dos servos agradar seu Senhor e o Criador; e
eles se submetem a Ele com grande compreensão diante de todas as
aflições que lhes acometem. Muitos são os obstáculos que se encontram no
caminho para agradar a Deus. Pois não apenas pobreza e obscuridade são
provações para a alma, mas também riquezas e honras.
Na
verdade, em certa medida até mesmo o consolo e a facilidade que a graça
confere à alma podem facilmente se tornar uma tentação e um obstáculo se
a alma não estiver devidamente consciente desses efeitos de graça e não
os desfrutar com grande circunspecção e compreensão: porque
o espírito do mal tenta persuadir a alma a relaxar agora que ela possui
a graça, e assim consegue implantar nele letargia e apatia. Assim,
mesmo a participação na graça requer cautela e discrição da parte da
alma, para que a alma demonstre o devido respeito pela graça e produza
frutos dignos dela.
Existe,
portanto, o perigo de que não só a aflição, mas também o relaxamento
possa provar ser uma tentação para a alma, já que, através de ambos ela é
testada pelo Criador, de modo a deixar bem claro que ela O ama não por
causa de algum ganho mas por Ele próprio, Ele que é verdadeiramente
digno de amor e honra.
Para
os desatentos, que são deficientes na fé e imaturos mentalmente, existem
muitos obstáculos para a vida eterna - não só coisas angustiantes e
dolorosas, como doença, pobreza e obscuridade, mas também os seus
opostos, como riquezas, honra e louvores dos outros, bem como a guerra
invisível do diabo.
Para
aqueles com fé, compreensão e coragem, por outro lado, tais coisas
ajudam e favorecem o progresso em direção ao reino de Deus: como diz São
Paulo: "Todas as coisas trabalham juntas para o bem para os que amam a
Deus" (Rom. 8:28).
O homem devoto, portanto, atravessando, superando e transcendendo as
coisas consideradas pelo mundo como obstáculos, abre caminho para o amor
divino apenas. "As cordas dos pecadores me enredaram", escreve o
salmista, "mas não esqueci a Tua lei" (Salmo 119: 61. LXX).
Philokalia - São Makario do Egito
http://ricardo-yoga.blogspot.com.br
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