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sábado, 1 de outubro de 2016

ENTRE DOIS MUNDOS
 
 

Estendera o Eterno, de um a outro extremo, a sua potência criadora – desde os puros espíritos até a matéria bruta.
Desde a mais alta vida intelectual – até à mais profunda negação do intelecto.
Entretanto, não atingira ainda o Eterno o extremo limite de sua divina audácia…
Restava-lhe ainda o mais temerário e paradoxal de todos os atos – a união do espírito e da matéria.
Seria possível fundir em um único ser a luz dos puros espíritos – e a noite da matéria inerte?…
Reduzir a uma síntese essas duas antíteses?
“E disse o Senhor: Façamos o homem – e fez Deus, da substância da terra, um corpo e inspirou-lhe na face o espírito vivente”…
E ergueu-se, no meio da natureza virgem, esse paradoxo ambulante, esse enigma anônimo, essa indefinível esfinge, semi-animal e semi-anjo – o homem…
Quando os espíritos celestes viram o homem, exultaram sobre a sua grandeza e choraram sobre a sua miséria…
Cristalizaram-se, na alma humana, essas centelhas de júbilo e essas lágrimas de dor – e formaram um mar imenso de doce amargura e inextinguível nostalgia…
Principiou, então, neste mundo visível, a luta entre a luz e as trevas – entre o bem e o mal…
A história da humanidade…
Têm os puros espíritos sua pátria – lá em cima…
Tem a matéria bruta sua sede – cá embaixo…
Mas onde está a pátria do espírito-matéria?…
Na terra? – protesta o espírito!
No céu? – protesta a matéria!
Entre o céu e a terra? – mas lá se erguem os braços duma cruz!
É por isso mesmo que o mais humano e mais divino dos homens expirou entre o céu e a terra – na sua pátria cruciforme…
“Não havia lugar para ele” – em outra parte…
E é por isso mesmo que os melhores dentre os homens são sempre crucificados…
Não os compreende a terra – nem os acolheu ainda o céu…
E assim, entre o céu e a terra, vive o homem esta vida dilacerada de angústias e paradoxos.
Sem pátria certa…
Em perene exílio…
Oscilando entre a matéria e o espírito…
Lutando…
Sofrendo…
Amando…
Até que a matéria volte à matéria…
E o espírito ao Espírito…
Sintetizando dois mundos…
Em Deus…



 Huberto Rohden

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