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quarta-feira, 26 de outubro de 2016

FAZER GRANDEMENTE
 AS COISAS PEQUENAS
 
 
Desde que de mim me recordo,
Nos remotos horizontes da vida,
Tive imenso desejo de fazer algo de grande,
Algo que saísse da rotina geral
Da cômoda mediocridade,
Algo que lançasse uma esteira de luz
Através das noites da humanidade,
Algo que valorizasse a minha passagem pela terra
E desse uma razão-de-ser à minha vida.
Só Deus sabe quanto hei suspirado
Por essa grande alvorada,
Em que eu pudesse fazer algo de grande.
Mas a minha vida era feita toda de coisas pequenas,
Pequeninas como ordinários seixinhos,
Brancos, cinzentos e pretos,
Na poeirenta estrada do meu monótono viver,
Por onde transitava o tropel das banalidades anônimas...
E eu fazia com pequenez
Essas coisas pequenas
Da minha rotina cotidiana,
Fastidiosa e incolor...
E continuava a suspirar pelo grande acontecimento
Que valorizasse com sua grandeza
A pequenez da minha vida,
Mesquinhamente vivida...
Um dia, aconteceu algo de grande,
Algo como uma celeste epifania,
Como uma epopéia Divina,
Cruzou os caminhos cinzentos da minha vida –
Mas eu nada vi dessa grandeza,
Porque estava envolto na minha pequenez...
Ninguém pode ver coisas maiores
Do que ele mesmo é...
E continuei a esperar, a esperar
Pelo grande acontecimento da minha vida
Que me redimisse da irredenção
Das minhas mesquinharias...
E esse acontecimento não vinha,
E minha vida cinzenta e monótona continuava
No meio de coisas pequenas,
Pequeninas...
Pequeníssimas...
Só mais tarde, muito mais tarde,
Depois de passar o deserto fastidioso,
E as águas sanguíneas do Mar Vermelho,
Depois de ouvir o clangor terrífico
Das trombetas do Sinai,
E ver os relâmpagos de Deus sobre mim
E dentro de mim –
Só então é que entrei na terra de Canaan
Das coisas grandes da minha vida...
Embora essas coisas continuavam a ser todas pequenas,
Medíocres, corriqueiras, triviais,
Como os seixinhos na poeirenta estrada,
Brancos, cinzentos e pretos,
Como punhados de areia anônima
Com que as crianças se divertem...
Eu, porém, aprendera a fazer grandemente
As coisas pequenas...
A revestir de amor e benevolência
Os pequenos nadas de cada dia,
A cingir de um halo de suave sorridência
As nulidades da vivência comum,
A colher um punhado de florzinhas humildes
E colocá-las à cabeceira de um doente,
A dizer umas palavras amigas
A um aniversariante esquecido...
Projetei a leveza e luminosidade
Do meu Ser divino
Para dentro de todas as coisas humanas.
E eis que as coisas tristes falavam de alegria!
E as coisas amargas sabiam a doçura,
E as coisas incolores resplandeciam multicores...
Convalesci, finalmente, da velha doença crônica
De querer receber e ser servido.
Convalesci para a nova e vigorosa sanidade
De querer dar e servir
Dar do que tinha,
E dar o que era,
Dar do meu,
E dar o próprio Eu...
Desde esse dia, nunca mais vi coisa pequena
Ao redor de mim,
Porque não havia mais coisa pequena
Dentro de mim.
Desisti de me fazer à imagem e semelhança
Dos objetos mundanos,
E fiz todos os objetos à imagem e semelhança
Do meu Eu Divino.
E tudo era grande,
Divinamente grande... 
 
 
 
Huberto Rohden, A Voz do Silêncio - Poemas de auto realização para iniciandos e iniciados
 
 

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