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domingo, 3 de julho de 2016

O AMOR ALÉM DA ILUSÃO

O Afeto Verdadeiro Não
Depende de Recompensas
 
Parte I
 
 
O amor verdadeiro é tão difícil de encontrar como a própria sabedoria. Talvez, afinal de contas, este seja o objetivo da sabedoria, e talvez o amor seja algo que só pode ser obtido através da sabedoria?
 
Pelo menos, embora seja tema de conversas por todo lado e seja buscado por jovens e velhos, o amor evita os seus buscadores  mais ardentes e parece favorecer os seus candidatos mais improváveis. No entanto, todos os que sabem o que é um amor verdadeiro e durável têm certas qualidades em comum. Idade, sexo, características sociais e raciais, educação e condições econômicas não alteram o fato central de que aqueles que amam profundamente têm naturezas fortes e generosas, e se caracterizam por grande integridade, honestidade, sinceridade e altruísmo.

Pode ser o amor entre os pais e a criança, entre o homem e a esposa, ou entre o irmão e a irmã. E pode ser o amor de uma amizade duradoura ou a relação entre o mestre e o discípulo. Aqueles que amam podem viver na mesma casa ou no outro lado do globo terrestre; ou o amor pode ser dirigido a alguém muito distante no tempo, que é reconhecido apenas através da corrente que flui pela palavra escrita. O contato pode ser estreito e frequente, raro e imprevisível, ou completamente intangível. O amor, quando é a energia dominante, não pode ser limitado por condição alguma: ele domina o tempo, o espaço, a mente e a matéria.

É comum associar o amor com as emoções, e de vez em quando com a mente, algumas vezes com a alma - embora esta última seja descrita de forma vaga. A emoção do amor foi completamente examinada pelos especialistas em psicologia de vários séculos, e cada geração a investiga novamente. Na verdade, o investigador individual pode repetir muitas vezes na mesma encarnação a sua rendição impulsiva ao “amor”, aparentemente sem determinar de modo satisfatório para si mesmo qual é a sua verdadeira natureza. O sonho de uma emoção vitoriosa de amor é o ingrediente principal de muitas novelas, contos e romances populares e, indiretamente, o leitor continua a buscar pelo prêmio que ainda fascina mas nunca é alcançado.

A História e a experiência estão longe de haver demonstrado que o êxtase emocional é um começo inteligente para a exigente relação do casamento. Além disso, tem havido exemplos surpreendentes de casamentos felizes que não ocorreram através de preferências pessoais, mas para satisfazer necessidades muito diferentes.  No entanto, a ideia de recomendar que o casamento tenha como razões primordiais o dever e a responsabilidade seria pouco aplaudida entre os povos ocidentais. Os norte-americanos, especialmente, parecem sentir que a busca da felicidade (seu direito inalienável e, ao mesmo tempo, o seu esforço  mais desesperado)  consiste - principalmente, se não exclusivamente - em “assumir os riscos da loteria, já que há muito mais alvos do que prêmios”, como H. P. Blavatsky assinalou certa vez.  Hoje, quando uma estimativa calcula que setenta e cinco por cento dos casamentos norte-americanos terminam em divórcio, só podemos ficar surpresos com a força de uma superstição que é mantida por resultados tão pouco favoráveis.

Que outro tipo de amor existe?


Devemos considerar as intensidades ilusórias da paixão, que às vezes escondem o desejo puramente egoísta de conquista e posse?   Neste caso o “amor” não é garantia de que não haverá ódio e crueldade em relação ao objeto de tais “afetos”.


Devemos incluir os casos de simples paixões tolas e de fantasias capazes de apagar todas as considerações racionais? Com que base, já que emoções primariamente irracionais não podem beneficiar intencionalmente nem os seus sujeitos,  nem os seus objetos? A filosofia, propriamente falando, lida apenas com as atitudes da mente; com questões sujeitas ao pensamento e que se supõe que serão melhoradas por um tipo diferente de pensamento, por uma outra atitude mental. O mistério do amor é dificilmente percebido por aqueles que não se perguntam sobre a sua origem, não examinam o seu poder, e não tentam através da imaginação e da vontade erguer o seu amor até a potência mais elevada.


Exceto no caso das suas expressões mais elevadas, talvez o amor seja como o “Grande Enganador” descrito figurativamente em “A Voz do Silêncio”[1].
 
Três Salões devem ser percorridos, segundo aquela obra, antes que a “grande e terrível heresia da Separatividade” seja superada por completo. Primeiro, o Salão da Ignorância, que é atravessado em segurança quando a mente já não confunde “os fogos da luxúria que ardem ali com a luz do sol da vida”. Depois há o Salão do Aprendizado. Nele o neófito encontra as flores da vida, “mas sob cada flor haverá uma serpente enroscada”, e ele é aconselhado:
 
“Os SÁBIOS não se demoram nas regiões prazenteiras dos sentidos. Os SÁBIOS não dão atenção às vozes encantadoras da ilusão.  Busca por aquele que te fará nascer no Salão da Sabedoria, o Salão que está mais além. Nele todas as sombras são desconhecidas, e a luz da verdade brilha com uma glória que jamais perde sua força.”
 
O Salão do Aprendizado é o lugar da provação da alma. É o perigoso reino de Mara, no qual existe a luz enganosa do conhecimento parcial. Nele deve ser enfrentada e vencida “a fascinação que o vício exerce sobre certas naturezas”.   A radiação ilusória lança sobre a tela mental a escuridão de imagens incertas e os demônios zombeteiros do pensamento inseguro. “Ela domina os sentidos, cega a mente, e deixa o imprudente abandonado e destruído.”  A saída está no caminho que leva à integridade da mente e ao conhecimento da alma.
 
Só a alma, a força interior, pode suportar a guerra sutil de atrito que é promovida por Mara. As ilusões aparecem e desaparecem, assim como falsas crenças se desintegram e aparentes verdades explodem.  A mente tem necessidade de verdades que pertencem a um plano situado acima da ilusão, que crescem desde a origem do Ser e não dependem de condições ou bases pessoais. Por acaso não é um fato que certas verdades entram diretamente na consciência, e transmitem uma experiência interior tão clara que elas parecem ter sido conhecidas desde sempre? Por exemplo, existe a impressão de que a ideia de ser deixado sozinho,  sem a companhia de pelo menos um outro ser humano, é fundamentalmente rejeitada no nível mais profundo do coração humano. Isso não deve ser superficialmente rotulado como medo da solidão, como um medo de si mesmo, ou como o resultado de uma consciência culpada.  Na verdade, esta é a esmagadora compreensão de que o princípio da fraternidade é natural para a alma - por mais precária que seja a forma externa pela qual o ser humano vive este princípio.
 
 
 Theosophy
 
 
NOTAS:
 
[1] No seu Fragmento I, ou primeira parte, “A Voz do Silêncio”, de Helena Blavatsky, se refere ao “Grande Enganador” ou “Mara”. (N. do Trad.)
 

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