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terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

 O CLUBE DOS SILENCIOSOS

Depois de oferecer-me um de seus deliciosos cigarros egípcios, o silencioso e taciturno filósofo retomou a palavra e contou-me o seguinte:

– Como todos sabem, tenho a velha mania de viver no silêncio. O criado que me serve é mudo, e o único ruído que posso tolerar, por vezes, é o marulhar suave da água no fundo do meu narguilé. Devo dizer ainda que esta casa, erguida no centro de grande parque, foi construída por um notável arquiteto especializado em “habitações sem ruído”. As paredes, portas, tetos, pisos e vidraças são impermeáveis ao som.

Disponho, além do mais, de um apartamento subterrâneo, mobilado com todo o conforto, onde me recolho nos dias de trovoada ou temporal. Bebo água em copos de papel (o cristal é estridente, insuportável!), só uso talheres com cabo de borracha e minhas refeições são servidas em pratos de galalite. Detesto os pássaros que me perturbam com seus gorjeios, mas admiro as borboletas pequeninas que voam sem ruído!

Foi, pois, com grande satisfação que recebi a notícia de que existia nesta cidade um delicioso centro social denominado “Clube dos Silenciosos”, do qual podiam participar todos aqueles que tivessem aversão ao ruído. Era exatamente o meu caso!

Por intermédio de um amigo, apresentei-me, com boas credenciais, candidato a um lugar de sócio, a fim de poder frequentar livremente a confortável e magnífica sede do Clube.

Não sou vaidoso; mas, dada a minha indiscutível paixão pelo silêncio, estava certo, ou melhor, certíssimo de que seria admitido, por aclamação, no “Clube dos Silenciosos” e convidado, no fim de poucas semanas, para um cargo de prestígio na Diretoria dessa notável agremiação.

Em dia previamente marcado fui solenemente recebido, estando os “Silenciosos” reunidos em Assembleia Geral. Ninguém pode avaliar o silêncio que reinava no Clube. Basta dizer que as salas eram forradas de grossos tapetes de veludo e aos sócios não era permitido pronunciar a menor palavra, tossir, espirrar, ou mesmo respirar com entusiasmo fora do normal.

Na parede principal havia um valioso quadro no qual se admirava uma singular “Paisagem polar”. Procura o talentoso artista reproduzir na tela uma região ideal, situada muitas léguas para além da Groenlândia, onde todos os anos, segundo verificou o Prof. Brethazik, reina um silêncio absoluto durante um período de seis meses! Aquela visão inesperada do País do Eterno Silêncio deixou-me deslumbrado.

Ao chegar ao grande salão – sem ferir o profundo silêncio que dominava – senti-me profundamente constrangido ao notar que todos os sócios olhavam para mim, assombrados, os olhos esbugalhados de espanto. Alguns chegaram a levar as mãos aos ouvidos como se os atormentasse, naquele momento, uma algazarra infernal que eles não podiam suportar!

– Esses homens são loucos – pensei. – Aqui entrei sem causar o menor ruído e ainda não pronunciei uma sílaba sequer! Por que insistirão eles em tapar os ouvidos no meio deste silêncio?

Sobre um alto estrado, forrado de cortiça clara, erguia-se uma grande mesa. A poltrona do centro era ocupada pelo impassível Presidente e, a seu lado, tomava lugar o secretário do clube. Procurando exprimir-me por meio de gestos – pois não queria com o som de minha voz perturbar o delicioso silêncio do recinto – dei a entender ao ilustre Presidente que desejaria ter a honra de ser admitido no Clube dos Silenciosos.

Vi repetir-se, com ligeiras variantes, aquela estranha cena que o imaginoso Padre Blanchet descreve em seus “Apóstolos Orientais”.

O Presidente mostrou-me um copo cheio de água, quase a transbordar, querendo de tão simbólica maneira explicar-me que, estando o Clube com o seu número completo, não podia admitir um novo sócio. Tomei, sem hesitar, de uma pétala de rosa que se achava sobre a mesa, e coloquei-a delicadamente sobre a superfície da água que enchia o copo. Todos compreenderam que eu queria, com tal gesto, explicar que, com boa vontade, haveria ainda um lugar para mim naquele ilustre cenáculo! O Presidente, porém, com um olhar cheio de impaciência que me surpreendeu, despejou (e isso sem fazer o menor ruído) toda a água que enchia o copo, deixando apenas no fundo a pétala que eu havia colocado. Isso feito deitou o copo sobre a mesa. Compreendi, no mesmo instante, o que ele queria significar com tal proceder: “A sua aceitação no quadro social acarretaria a saída de todos os outros sócios, e, consequentemente, a queda e o desaparecimento do nosso Clube!”

Retirei-me nessa tarde do Clube sem saber como explicar o meu fracasso, pois seis horas antes eu fora informado de que havia duas vagas entre os associados. A alegação feita inicialmente de que o quadro do Clube estava completo não passava de uma desculpa atenciosa de que a Diretoria havia lançado mão para recusar-me. Havia, portanto, em relação ao meu caso, algum outro motivo muito grave que, por delicadeza, o Presidente se abstivera de declarar na presença dos sócios.

Mas que motivo seria esse, afinal?

Resolvido a esclarecer aquele intrincado mistério, escrevi, nesse mesmo dia, ao Presidente, pedindo, em termos enérgicos, uma explicação, insinuando que para a minha recusa não podia existir pretexto ou desculpa que fosse aceitável. Desafiei que houvesse no Clube, apesar da severidade de seus estatutos, um “silencioso” que fosse mais apaixonado e mais intolerante do que eu na nobre campanha contra o ruído que avassala o mundo.

O meu criado mudo (com sapatos de sola de seda) levou a carta, escrita, aliás, com uma pena de fabricação especial, que desliza sobre o papel liso ou áspero sem fazer o menor ruído.

Uma semana depois, recebi do Secretário do “Clube dos Silenciosos” uma resposta, redigida em termos cheios de cativante gentileza, cuja leitura fez desmoronar todas as ilusões da minha vida de silencioso. Dizia o ilustre missivista que eu não podia ser aceito no “Clube dos Silenciosos” por ter provado, perante todos os sócios, ser um apaixonado apreciador do detestável ruído e que, portanto, nessas condições, jamais seria um apologista do silêncio ideal. “Pois o senhor – acrescentava o digno Secretário dos Silenciosos – teve a coragem de vir à sede de nosso Clube trazendo, no bolso, um desses barulhentos e infernais relógios europeus!”…

Só então compreendi tudo. Lembrei-me dos gestos desagradáveis de espanto e de horror com que os “silenciosos” haviam acolhido a minha chegada ao salão de honra.

É que entrara comigo, sem que eu pudesse perceber, o ruído, a barulhada – a tortura enfim!

Sim, meu amigo, é espantoso!

Para aqueles homens habituados ao silêncio absoluto, o tique-taque do meu minúsculo relógio de algibeira era um barulho ensurdecedor.
 
Malba Tahan
https://www.filosofiaesoterica.com 
 
 
Aprenda o silêncio. E, pelo menos com os seus amigos, com seu amado, com sua família, com seus companheiros de viagem, sente-se em silêncio, às vezes. Não vá fofocar, não continue a falar. Pare de falar e não só do lado de fora – pare o diálogo interno. Seja um intervalo. Basta sentar-se, fazendo nada, apenas sendo presença para o outro. E, em breve, você vai começar a encontrar uma nova maneira de se comunicar. E esse é o caminho certo.

Às vezes, comece a se comunicar através de silêncio. Segurando a mão de seu amigo, sente-se em silêncio. Basta olhar para a lua, sentir a lua, e ambos se sentem em silêncio. E veja então uma comunhão acontecendo – não só comunicação, mas uma comunhão. Seus corações começam a bater no mesmo ritmo. Você começa a sentir o mesmo espaço. Você começa a sentir a mesma alegria. Você começa a sincronizar um com o outro. Isso é comunhão. Você disse sem dizer nada, e não haverá nenhum mal-entendido.
 
Osho, This Very Body the Buddha
https://www.osho.com

 
Meditação é a ação do silêncio. Nós agimos com base em opinião, conclusão, conhecimento, ou com fins especulativos. Daí resulta inevitavelmente, na ação, a contradição entre o que é e o que "deveria ser" ou "foi". Tal ação, baseada no passado, no conhecimento, é mecânica; pode ser susceptível de ajustamento ou modificação, mas suas raízes estão no passado. E, assim, sobre o presente paira sempre a sombra do passado. Nas relações, essa ação provém da imagem, do símbolo, da conclusão; as relações são, consequentemente, um produto do passado, são memória, e não uma coisa viva. Do meio desse barulho, dessa desordem e confusão, procedem atividades que se fragmentam em padrões de cultura, comunidades, instituições sociais e dogmas religiosos.

A revolução que institui uma nova ordem social pode-se dar a aparência de uma coisa verdadeiramente nova, mas, uma vez que vai do conhecido para o conhecido, tal revolução não representa uma verdadeira mudança. Só se torna possível a mudança com a negação do conhecido; a ação não obedece então a nenhum padrão, já que se origina de uma inteligência que constantemente se renova.

Inteligência não é discernimento e julgamento ou avaliação crítica. Inteligência é ver o que é. O que é está constantemente a mudar e, se o ver está ancorado no passado, cessa a inteligência do "ver". É então o peso morto da memória que dita a ação, e não a inteligência da percepção. Meditação é ver tudo isso num relance. E, para ver, é necessário silêncio. Desse silêncio procede uma ação completamente diferente das atividades do pensamento.
 
A mente humana está fortemente condicionada pela cultura em que vive - suas tradições, suas condições econômicas, e principalmente sua propaganda religiosa. Essa mente, que com tanta energia se recusa a tornar-se escrava de um ditador ou da tirania do Estado, sujeita-se à tirania da Igreja ou da Mesquita, ou de dogmas psiquiátricos, os mais novos e mais em moda. Com muito engenho — vendo por este mundo tantos males irremediáveis - inventa um novo Espírito Santo ou um novo Atman, que logo se torna a imagem destinada a ser adorada.

A mente, que tantas devastações já causou pelo mundo, tem, no fundo, medo de si própria. Percebendo claramente o caráter materialista da ciência, suas conquistas e seu crescente domínio do espírito, trata de criar uma nova filosofia; as filosofias de ontem cedem o terreno a novas teorias, mas os problemas básicos do homem continuam sem solução.

Em meio à enorme confusão causada pela guerra, a discórdia, o extremo egoísmo, avulta o momentoso problema da morte. As religiões, tanto as mais velhas como as mais novas, condicionaram o homem a certos dogmas, esperanças e crenças que lhe oferecem uma "solução pronta" desse problema; mas a morte não é um problema solucionável pelo pensamento, pelo intelecto; ela é um fato — um fato incontornável.

E necessário morrer, para se descobrir o que é a morte, e disso o homem parece incapaz, porque teme morrer para tudo o que conhece, para suas mais íntimas e arraigadas esperanças e visões.

Não existe realmente amanhã, mas há muitos amanhãs entre o presente da vida e o futuro da morte. Nesse intervalo vive o homem, medroso e ansioso, mas sempre com os olhos postos naquilo que é inevitável. Não deseja, sequer, falar a seu respeito e adorna o túmulo com as coisas que conhece.

Largar tudo o que se sabe - não apenas determinadas formas de conhecimento, mas todo o saber — é morrer. Chamar o futuro — a morte — para estendê-lo sobre o dia de hoje, é o morrer total; já não há, então, intervalo entre a vida e a morte. Então a morte é o viver, e o viver é morte.

Ninguém se mostra disposto a tanto. Todavia, o homem está sempre a buscar o novo — segurando numa das mãos o velho e com a outra a tatear no desconhecido, em busca do novo. Por isso se torna inevitável o conflito da dualidade — "eu" e "não-eu", observador e coisa observada, o fato e o que "deveria ser".

Cessa de todo essa confusão no momento em que termina o conhecido. Esse terminar é morte. A morte não é uma ideia, um símbolo, porém urna realidade terrível, e não podemos evitá-la agarrando-nos às coisas de hoje, que são coisas de ontem, nem adorando o símbolo da esperança.

Temos de morrer para a morte; só então nasce a inocência, só então surge o eterno novo. O amor é sempre novo, e a lembrança do amor é a morte do amor."

J.Krishnamurti, em A Outra Margem do Caminho
http://ventosdepaz.blogspot.com

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