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quarta-feira, 6 de novembro de 2019

-  REVENDO ANTIGAS POSTAGENS  -

POR VIVER NO SONO,
O HOMEM NÃO VÊ O MUNDO REAL
 
 
 
 Para compreendermos a diferença entre os estados de consciência, voltemos ao primeiro estado de consciência - o do sono. O homem encontra-se mergulhado em sonhos e não importa se se lembra deles ou não. Ainda que algumas impressões reais cheguem até ele, tais como sons, vozes, calor, frio, a sensação de seu próprio corpo, elas apenas despertam nele imagens subjetivas fantásticas. Em seguida o homem acorda. À primeira vista, trata-se de um estado de consciência bem diferente. Ele pode se mover, pode conversar com outras pessoas, fazer previsões, pode ver o perigo e evitá-lo e assim por diante.
 
É evidente que se encontra numa posição mais vantajosa do que quando estava dormindo. Se nos aprofundarmos, contudo, um pouco mais nas coisas, se dermos uma olhada em seu mundo interior, em seus pensamentos, nas causas de suas ações, constataremos que ele se encontra quase no mesmo estado em que estava dormindo. E é até mesmo pior, porque no sono ele é passivo, isto é, não pode fazer nada. no estado acordado, contudo, ele pode fazer alguma coisa o tempo todo e os resultados de todas as suas ações recairão sobre ele ou sobre aqueles que o rodeiam. Apesar disso, ele não se lembra de si mesmo.

Ele é uma máquina; nele, tudo acontece. Ele não pode deter o fluxo de seus pensamentos, não pode controlar sua imaginação, suas emoções, sua atenção. Vive num mundo subjetivo de 'eu amo', 'eu não amo', 'eu gosto', 'eu não gosto', 'eu quero', 'eu não quero', ou seja, daquilo que ele acha que gosta, daquilo que ele acha que não gosta, daquilo que ele acha que quer, daquilo que ele acha que não quer. Ele não vê o mundo real. O mundo real lhe é ocultado pelo muro da imaginação. Ele vive no sono. Está dormindo. Aquilo que chama de 'consciência límpida' é o sono e um sono muito mais perigoso do que aquele sono noturno, na cama.

Consideremos um evento na vida da humanidade. Por exemplo, a guerra. Neste exato momento, há uma guerra sendo travada. O que isso significa? Significa que alguns milhões de pessoas adormecidas estão tentando destruir outros milhões de pessoas adormecidas. Elas não fariam isso, é claro, se estivessem acordadas. Tudo o que acontece deve-se a esse sono.

Esses dois estados de consciência, o estado de sono e o estado acordado, são igualmente subjetivos. Um homem só estará realmente desperto quando começar a se lembrar de si mesmo. E então toda a vida que o rodeia adquire para ele um aspecto diferente e um significado diferente. Ele vê que é a vida de pessoas adormecidas, uma vida de sono. Tudo o que os homens dizem, tudo o que fazem, dizem e fazem no sono. Isso tudo não pode ter o menor valor. Na realidade, somente o despertar e aquilo conduz ao despertar tem um valor.

Quantas vezes me perguntaram aqui se as guerras podem ser detidas? Certamente que podem. Para tanto bastaria que as pessoas despertassem. parece uma coisa simples. No entanto, não há nada mais difícil que isso, pois esse sono é provocado e sustentado pelo conjunto da vida que nos rodeia, por todas as condições que nos rodeiam.
 
Como podemos despertar? Como podemos escapar desse sono? Essas questões são as mais importantes, as mais vitais com que o homem pode se confrontar. Antes disso, porém, é necessário estar convencido do próprio fato do sono. Mas só é possível convencer-se disso quando se tenta despertar. Quando o homem compreende que não se lembra de si mesmo e que lembrar-se de si mesmo significa, até certo ponto, despertar, e quando ao mesmo tempo ele percebe, através da experiência, como é difícil lembrar-se de si mesmo, compreenderá que não pode despertar simplesmente pelo fato de desejar despertar.

Mais precisamente ainda, pode-se afirmar que o homem não pode despertar por si mesmo. Mas se, digamos, vinte pessoas fazem um acordo de que aquela que despertar primeiro acordará as demais, então elas já teriam alguma chance. Até mesmo isso, contudo, é insuficiente, uma vez que todas as vinte podem adormecer ao mesmo tempo e sonhar que estão acordadas. Portanto, algo mais é necessário. Elas devem ser cuidadas por um homem que não esteja adormecido ou que não se deixe adormecer tão facilmente quanto elas, ou que adormeça conscientemente quando isso for possível, quando não trouxer nenhum dano a ele próprio ou aos demais. Elas devem encontrar esse homem e contratá-lo para acordá-las e não deixá-las adormecer de novo. Sem isso, é impossível despertar. Isso precisa ser entendido.

É possível pensar durante mil anos; é possível escrever livros que preencham várias bibliotecas, criar teorias aos milhões, e tudo isso no sono, sem qualquer possibilidade de despertar. Ao contrário, esses livros e essas teorias, escritos e criados no sono, simplesmente levarão outras pessoas ao sono e assim por diante.

Não há nenhuma novidade na ideia de sono. Praticamente, desde a criação do mundo, as pessoas têm sido informadas de que estão dormindo e que devem despertar. Quantas vezes isso não é dito, por exemplo, nos Evangelhos? 'Despertai', 'vigiai', 'não durmais'. Até mesmo os discípulos de Cristo dormiram enquanto ele orava, pela última vez, no Jardim Getsêmani. Está tudo ali. Mas os homens compreendem? Os homens interpretam isso apenas como um modo de falar, uma expressão, uma metáfora. De modo algum conseguem compreender que isso deve ser entendido literalmente. E é de novo fácil entender o porquê.

A fim de entender isso literalmente, é necessário despertar um pouco ou, pelo menos, tentar despertar. Confesso-lhes que várias vezes me perguntaram por que nada disso é dito acerca do sono nos Evangelhos. E em quase todas as páginas dos Evangelhos fala-se sobre o sono. Isso simplesmente demonstra que as pessoas leem os Evangelhos no sono. Enquanto um homem dorme profundamente e está totalmente mergulhado em sonhos, ele nem mesmo pode pensar a respeito do fato de que está dormindo. Se chegasse a pensar que estava dormindo, ele acordaria. E assim prosseguem as coisas. E os homens não fazem a menor ideia do que estão perdendo por causa desse sono. Como já disse, o homem pode, tal como é constituído, isto é, tal como a natureza o criou, tornar-se um ser autoconsciente. Desse modo ele é criado e desse modo ele nasce. Mas nasce entre pessoas adormecidas e, naturalmente, adormece no meio delas no exato momento em que teria começado a tornar-se consciente de si mesmo.

Tudo contribui para isso: a imitação involuntária, por parte da criança, das pessoas mais velhas, a sugestão voluntária e involuntária e o que chamamos 'educação'. Qualquer tentativa, por parte da criança, de despertar é imediatamente detida. Isso é inevitável. E muitos esforços e muita ajuda são necessários para se despertar mais tarde, quando se acumularam milhares de hábitos que compele o indivíduo ao sono. E isso muito raramente ocorre. Na maioria dos casos, o homem quando ainda criança, já perde a possibilidade de despertar; ele vive a vida toda no sono e morre no sono. Além disso, muitas pessoas morrem muito antes de sua morte física. Mas falaremos desse caso mais adiante.


Gurdjieff em, In Search of the Miraculous, de P.D. Ouspensky
http://pensarcompulsivo.blogspot.com


 
É muito sério esse sonambulismo no qual nos movimentamos e nem nos apercebemos. Já está tudo pronto, mastigado, prestes para consumir, apto para usar; basta somente comprar e pagar. Então repetimos para nós mesmos: "Não sou estúpido para proceder como uma pequena maioria faz, ao retirar-se da comodidade que o mundo moderno oferece e viver na 'idade da pedra', somente com os recursos que a Natureza oferece". Prosseguimos dormindo até nos defrontar com uma catástrofe, que exerce um grande choque no indivíduo e, quem sabe se o objetivo divino não é o de 'acordar os dorminhocos'. Suponho que só vamos compreender o que está acontecendo conosco quando o suprimento, de um modo geral, escassear-se. E se  toda essa 'comodidade' e esse 'modernismo' faltar? Nada dura para sempre. Temos nos afastado da criação divina, temos nos distanciado de Deus. Por esta razão é tão doloroso acordar. Mas um dia teremos que despertar. Que tal agora? 

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