Translate

sábado, 30 de novembro de 2019

AMOR DOLOROSO

 
 
Por que motivo é o amor tão doloroso?
 
O amor é doloroso porque abre caminho à bem-aventurança. O amor é doloroso porque transforma; o amor é mutação. Cada transformação será dolorosa porque o hábito tem de dar lugar ao novo; O hábito é familiar, seguro, fiável, o novo é absolutamente desconhecido. Irá navegar sem mapas num oceano. Você não pode usar a sua mente com o novo; com o habitual a mente é habilidosa. A mente pode funcionar somente com o habitual; com o novo a mente é totalmente inútil. 
 
Assim, o medo cresce. Ao deixar o mundo habitual, confortável e seguro - o mundo das conveniências - a dor cresce. É a mesma dor que a criança sente quando sai do interior do ventre materno. É a mesma dor que o pássaro sente quando sai de dentro do ovo. É a mesma dor que o pássaro irá sentir quando tentar, pela primeira vez, usar as asas. O medo do desconhecido, a segurança do conhecido, a insegurança do desconhecido, a imprevisibilidade do desconhecido, torna-nos muito inquietos.
 
E porque a transformação será do eu para um estado de ausência do eu, a agonia será profunda. Mas não poderá alcançar o êxtase sem passar pela agonia. Para purificar o ouro, este tem de passar pelo fogo.
 
O amor é fogo.
 
Mas é por causa da dor do amor que milhões de pessoas vivem uma vida sem amor. Sofrem, e o seu sofrimento é fútil. Sofrer com amor não é sofrer em vão. Sofrer com amor é criativo; eleva-o a níveis mais altos de consciência. Sofrer sem amor é um desperdício completo; não leva a lado nenhum, mantém você no mesmo círculo vicioso.
 
O homem que está sem amor é narcisista, está fechado. Ele só se conhece a si mesmo. E, se não conhece o outro, o que pode conhecer de si? Porque só o outro pode funcionar como espelho. Nunca se conhecerá a si mesmo sem conhecer o outro. O amor é, igualmente, fundamental para o autoconhecimento. Aquele que não conhece o outro num amor profundo, em paixão intensa, em êxtase completo, não será capaz de conhecer quem ele é, pois não terá um espelho para ver o seu próprio reflexo.
 
A relação é um espelho e, quanto mais puro for o amor, quanto mais elevado for o amor, melhor será o espelho, mais límpido será o espelho. Mas o amor elevado precisa que você esteja disponível. O amor elevado precisa que você seja vulnerável. Tem de deixar cair a sua armadura; isso é doloroso. Não precisa de estar constantemente na defesa. Tem de viver perigosamente. O outro pode magoá-lo; esse é o medo de ser vulnerável. O outro pode rejeitá-lo; esse é o medo de estar apaixonado.
 
O reflexo de si mesmo que poderá ver no outro pode ser feio - isso é ansiedade; evite o espelho! Mas evitando o espelho não ficará mais bonito. Mas evitando a situação também não irá crescer. O desafio tem de ser aceite.Devemos ir até ao amor. Esse é o primeiro passo para Deus, e não pode ser ultrapassado. Os que tentam ultrapassar esse passo para o amor nunca atingirão Deus. Isto é absolutamente necessário, porque só quando foi provocado pela presença do outro é que você se torna consciente da sua totalidade, quando a sua presença foi engrandecida pela presença do outro, quando saiu do seu mundo narcisista e fechado sob o céu aberto.
 
O amor é um céu aberto. Estar apaixonado é voar nele. Mas, certamente, um céu sem limites, sem fronteiras, cria medo.
 
E perder o ego é muito doloroso porque lhe incutiram que cultivasse o ego. Pensamos que o ego é o nosso único tesouro. Temo-lo protegido, temo-lo decorado, temo-lo polido continuamente. E quando o amor bate à porta, tudo o que é necessário para se apaixonar é pôr o ego de lado. É, certamente, doloroso. É o trabalho de toda uma vida, é tudo o que você criou - este ego feio, esta ideia "Eu sou desligado da existência". 
 
Esta ideia é feia porque é falsa.
 
Esta ideia é ilusória, mas a nossa sociedade existe, baseia-se na ideia de que cada pessoa é uma pessoa, não uma presença.
 
A verdade é que não existe nenhuma pessoa no mundo; há somente presenças. Você não é - não como ego, separado do todo. Você é parte do todo. O todo penetra em si, o todo respira em si, pulsa em si, o todo é a sua vida.
 
O amor dá-lhe a primeira experiência de sintonia com algo que não é o seu ego. O amor dá-lhe a primeira lição de que pode conseguir deixar-se levar pela harmonia com alguém que nunca fez parte do seu ego. Se pode estar em harmonia com uma mulher, se pode estar em harmonia com um amigo, com um homem, se pode estar em harmonia com o seu filho ou com a sua mulher, porque não pode estar em harmonia com todos os seres humanos? E se estar em harmonia com uma só pessoa lhe dá tanta alegria, qual poderá ser o resultado se estiver em harmonia com todos os seres humanos? E se conseguir a harmonia com todos os seres humanos, por que não estar em harmonia com animais, pássaros e árvores? Então um degrau leva a outro.
 
O amor é uma escada. Começa com um indivíduo, termina na totalidade. O amor é o início, Deus é o fim. Recear o amor, recear as dores crescentes do amor é permanecer encerrado numa cela escura. O homem moderno vive numa cela escura. É narcisista - o narcisismo é a maior obsessão da mente moderna. E então surgem problemas sem significado. Há problemas que são criativos, porque conduzem-no a uma consciência mais elevada. Há problemas que não o levam a parte nenhuma; simplesmente mantêm-no constrangido, mantêm-no nos embaraços do costume. O amor cria problemas. Você não pode evitar esses problemas por evitar o amor - mas estes são problemas essenciais! Têm de ser enfrentados, encontrados; têm de ser vividos, ultrapassados e deixados para trás. E, para os deixar para trás, o caminho faz-se através deles. O amor é a única coisa que vale realmente a pena. Tudo o resto é secundário. Se favorece o amor, é bom. Tudo o resto é um meio, o amor, um fim. Assim, independentemente da dor, avance no amor.
 
Se não mergulhar no amor como muita gente decidiu, assim fica preso a si mesmo. Então a sua vida não é uma peregrinação, então a sua vida não é um rio em direção a um oceano; a sua vida é um charco estagnado, sujo, e, rapidamente, nada haverá senão sujidade e lama. Para o manter limpo, precisamos de nos manter a fluir. Um rio mantém-se limpo porque continua a fluir. Fluir é o processo de se manter continuamente virgem.
 
Um amante permanece virgem - todos os amantes são virgens. Todos os que não amam não podem permanecer virgens; adormecem, estagnam;começam a empestar mais cedo ou mais tarde - e será mais cedo que mais tarde - porque não têm para onde ir. A sua vida está morta.
 
É onde o homem moderno se encontra a si mesmo e, devido a isto, todo o tipo de neuroses, todo o tipo de demências cresceram. As doenças do foro psicológico tomaram proporções epidêmicas. Não se trata só de alguns indivíduos psicologicamente doentes; na realidade, toda a terra se tornou um manicômio. Toda a humanidade sofre de um tipo de neurose e essa neurose provém do narcisismo estagnado. Todos estão presos à sua ilusão de um eu independente; então as pessoas enlouquecem. E esta loucura não tem sentido, é estéril, sem criatividade. Ou então as pessoas começam a suicidar-se. Estes suicídios são igualmente estéreis, não são criativos.
 
Você poderá não se suicidar por tomar veneno ou saltar de um precipício ou por disparar sobre si mesmo, mas pode suicidar-se por um processo mais lento e isso é o que, normalmente, acontece. Muito poucas pessoas se suicidam repentinamente. Outros decidem-se por um suicídio lento; gradual, lentamente, morrem. Mas a tendência para se ser suicida tornou-se quase universal.
 
O que não constitui uma forma de viver. E a razão, o motivo fundamental é que esquecemos a linguagem do amor. Não temos coragem suficiente para embarcar na aventura chamada amor.
 
Por isso as pessoas estão interessadas em sexo, porque o sexo não é arriscado. É momentâneo, não precisa de envolvimento. O amor é envolvimento; é compromisso. Não é momentâneo: mal ganhe raízes pode ser para sempre. Pode ser um compromisso para a vida. O amor precisa de intimidade, e só quando tiver intimidade é que o outro se torna espelho. Quando conhece sexualmente uma mulher ou um homem, simplesmente não os conheceu; de facto, você evitou a alma da outra pessoa. Só usou o corpo e escapou, e o outro usou o corpo e escapou. Não chegou a haver intimidade suficiente para revelar a face original de cada um.
 
É doloroso, mas não o evite. Se o evitar, terá evitado a maior oportunidade de crescer. Vá até ele, sofra de amor, porque através do sofrimento vem um grande êxtase. Sim, há agonia, mas da agonia nasce o êxtase. Sim, terá de morrer enquanto ego, mas, se morrer enquanto ego, terá nascido como um Deus, como um buda.
 
O amor dar-lhe-á o primeiro sabor do Taoísmo6, do Sufismo7, do Zen. O amor dar-lhe-á a primeira prova de que a vida não é desprovida de sentido. Aqueles que dizem que a vida não tem sentido são aqueles que ainda não conheceram o amor. Tudo o que dizem é que a sua vida perdeu o amor.

Deixe que haja dor, deixe que haja sofrimento. Vá pela noite escura e alcançará um belo pôr-do-sol. É só no ventre da escuridão noturna que o Sol se desenvolve. É só após a escuridão noturna que a manhã vem.
 
Toda a minha abordagem é a do amor. Ensino o amor, só o amor e nada mais que o amor. Pode esquecer Deus; esta é somente uma palavra oca. Pode esquecer as preces, porque são rituais que lhe são impostos pelos outros. O amor é a prece natural que não é imposta por ninguém. Nasceu com ela. O amor é o verdadeiro Deus - não o Deus dos teólogos, mas o Deus de Buda, Jesus, Maomé, o Deus dos sufis. O amor é um mecanismo, um método para o matar, enquanto indivíduo, e ajuda-o a tornar-se infinito. Desapareça enquanto gota e torne-se um oceano - mas terá de passar pela porta do amor.
 
E, certamente, quando alguém começa a dissolver-se como uma gota e quando se viveu muito tempo como uma gota, dói, porque se pensa: "Eu sou isto, e isto está a ir-se. Estou a morrer." Você não está a morrer, mas a ter a Amor, Liberdade e Solidão31ilusão de que está a morrer. Identifica-se com a ilusão, realmente, mas a ilusão é ainda uma ilusão. E, somente quando a ilusão se vai, você será capaz de ver quem é. E esta revelação traz consigo um pico de alegria, contentamento, celebração.
 
Osho, em Amor, Liberdade e Solidão

Nenhum comentário:

Postar um comentário