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segunda-feira, 19 de agosto de 2019

O QUE SOU EU ?


Muitos tentam encontrar um caminho espiritual 
no qual não precisem olhar para si mesmos

 
De onde vem o medo? Vem de uma perplexidade primordial. De onde vem a perplexidade primordial? Vem de nossa incapacidade de harmonizar ou sincronizar mente e corpo. 
 
Na prática da meditação sentada se você estiver mal posicionado na almofada, não será capaz de sincronizar a mente e o corpo. Você não terá uma boa percepção do seu lugar ou da sua postura. Isso se aplica ao resto da vida também. Quando você não sente uma boa base ou não está acomodado adequadamente em seu mundo, não consegue relacionar-se com sua experiência de vida nem com o resto do mundo. 
 
Assim, o problema começa de modo bem simples. Quando mente e corpo estão dessincronizados, você se sente como uma caricatura de si mesmo, quase como um idiota primordial ou um palhaço. Nessa situação, é muito difícil relacionar-se com o resto do mundo. Essa é uma versão simplificada do que é conhecido como mentalidade do sol-ponente: ter perdido completamente a noção da harmonia básica do ser humano. 
 
A ideia do sol poente é a de que o sol já está se pondo no seu mundo, e você não consegue sair da escuridão. Você sente que só há infelicidade, penumbra, a masmorra, uma vida na sarjeta. Para compensar isso, talvez você entre em uma masmorra sombria muito mal iluminada, onde fica bêbado. Esse lugar se chama boate. Você dança como um macaco bêbado que esqueceu as bananas e o lar na selva há muito tempo. Assim, o macaco se enche de cerveja barata enquanto balança o rabo. 
 
Não há nada de mal na dança em si, mas nesse caso é uma forma de fugir do medo ou de evitá-lo. É muito triste. Isso é o sol poente. É um beco sem saída, um verdadeiro beco sem saída. Em oposição a isso, o Sol do Grande Leste é o sol que surge pleno em sua vida. É o sol do despertar, o sol da dignidade humana. É Grande porque representa a elevação e as qualidades de franqueza e amabilidade. Você tem uma percepção elevada da posição ou lugar em seu mundo, o que pode ser considerado uma situação superior. 
 
É no Leste porque há um sorriso em seu rosto. O leste é a ideia de aurora. Ao olhar para fora de manhã bem cedo, você vê a luz vindo do leste, mesmo antes do sol nascer. Por isso, o leste é o sorriso que você dá ao acordar. O sol está para nascer. O ar fresco vem com a aurora. Assim, o sol está no Leste e é Grande. Aqui, o Sol está pleno, o sol que você vê no céu por volta de dez da manhã. 
 
É o contrário da imagem do macaco bêbado dançando à meia-noite na penumbra da boate. O contraste é impressionante, extraordinário! A visão do Sol do Grande Leste é elevada e desperta, límpida e nítida. Podemos entrar em mais detalhes depois, mas primeiro devemos abordar o entendimento básico de medo e coragem. Um dos maiores obstáculos à coragem são os padrões habituais que nos levam ao engano. 
 
Normalmente, não nos permitimos uma vivência plena de nós mesmos. Em outras palavras, temos medo de olhar para nós mesmos. Vivenciar a parte mais íntima da própria existência é constrangedor para muitas pessoas. Muitos tentam encontrar um caminho espiritual no qual não precisem olhar para si mesmos, mas onde possam, no entanto, libertarem-se — na verdade, uma autolibertação de si mesmos. Isso é de fato impossível. Não podemos fazer uma coisa dessas. Temos que ser honestos conosco. Temos que ver nossas entranhas, nossa merda mesmo, nossas partes mais indesejáveis. 
 
Temos que ver isso. Essa é a base da condição de guerreiro e o ponto de partida para se dominar o medo. Temos que encarar nosso medo; temos que observá-lo, estudá-lo, interagir e praticar a meditação com ele.

Chögyam Trungpa – “Sorria para o medo: O despertar do autêntico coração da coragem” 
https://tudopositivo.wordpress.com 
 
Perguntaram a Chögyam Trungpa: Às vezes sinto que tenho bloqueios espirituais… O que você sugere que eu faça? Há algumas períodos em que sinto que não estou fazendo nenhum progresso espiritual.

Chogyam Trungipa: Parece que há um problema em pensar que supostamente você deveria estar avançando no caminho o tempo todo. Você não tem que estar constantemente na estrada, necessariamente. Em outras palavras, se você tem um pneu furado, isso também é parte da jornada. Você está chegando perto do seu objetivo. Então eu suponho que é uma certa ambição que faz com que você sinta que não está fazendo nada. Parece existir uma qualidade hipnótica na ambição e na velocidade, de modo que você se sente parado só porque você quer ir muito rápido.
 
... Temos que querer ser pessoas completamente ordinárias, o que significa nos aceitar como somos sem tentar nos tornar maiores, mais puros, mais espirituais, mais visionários. Se pudermos aceitar nossas imperfeições como elas são, bem ordinárias, então podemos usá-las como parte do caminho. Mas se tentarmos nos livrar de nossas imperfeições, então elas serão inimigas, obstáculos no caminho para nosso “auto-aperfeiçoamento”. E a mesma coisa é verdade para a respiração. Se pudermos vê-la como é, sem tentar usá-la para nos melhorarmos, então ela se torna uma parte do caminho porque não estamos mais usando-a como ferramenta para nossa ambição pessoal.

Chögyam Trungpa Rinpoche, em “The Myth of Freedom” (pg.216)
 https://dharmalog.com


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