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terça-feira, 27 de agosto de 2019

NÓS, OS ATIVOS SERES SUPERFICIAIS


Parte I

Falarei hoje sobre a qualidade da mente meditativa. Esta pode ser um tanto complexa e abstrata, porém, se a examinarmos atentamente, não tanto em suas minúcias, mas com o propósito de descobrir sua natureza, sua índole, sua essência, então talvez valha bem a pena fazê-lo. Então, talvez, com esforço consciente e propósito deliberado, estaremos aptos a ultrapassar a mente superficial, que tão vazias torna as nossas vidas — tão sem profundeza que é, tão senhoreada pelos hábitos.

Antes de tudo, valeria a pena reconhecermos por nós mesmos o quanto somos superficiais. A mim me parece que quanto mais superficiais, tanto mais ativos e mais “coletivos” nos tornamos, e tanto mais nos entregamos às atividades de reforma social. Colecionamos obras de arte, tagarelamos interminavelmente, dedicamo-nos a atividades sociais, frequentamos concertos, bibliotecas, galerias de arte, e submergimos na interminável rotina do emprego e dos negócios. Estas coisas tornam-nos embotados; e quando percebemos esse embotamento, procuramos fazer-nos mais penetrantes, por meio de palavras, do intelecto, das coisas da mente. E, reconhecendo-nos superficiais, tentamos fugir a esse vazio, entregando-nos a práticas religiosas, às orações, à contemplação, à busca de saber; tornamo-nos idealistas, adornamos de quadros as paredes etc. Acho que estamos suficientemente apercebidos de sermos muito superficiais, bem apercebidos de que a mente que segue um hábito ou pratica uma disciplina a fim de “vir a ser algo” torna-se cada vez mais embotada e estúpida, perdendo toda penetração e sensibilidade. É dificílimo a uma mente superficial despedaçar sua própria estreiteza, suas próprias limitações, sua própria insignificância. Não sei se já pensastes nisso alguma vez.
 
O assunto de que vou tratar nesta tarde requer, não só certa atividade mental, intelectual, mas também uma clara compreensão da palavra e de suas limitações. E, se pudermos entrar em comunhão uns com os outros, não apenas verbalmente, porém ultrapassando o símbolo que a palavra evoca na mente e, também, prosseguindo juntos e cautelosamente o nosso caminho, então, sem dúvida, começaremos a descobrir, por nós mesmos, o que é meditar e qual é a qualidade da mente capaz de meditação.

Parece-me que, se não compreendemos a extraordinária beleza da meditação, por mais que pareçamos inteligentes, prendados, competentes, penetrantes, nossa vida tem de ser muito superficial e mui pouco significativa. E, reconhecendo quão pouco significativa é nossa vida, tratamos de buscar uma “finalidade da vida”; e quanto mais grandiosa a “finalidade” que nos oferecem, tanto mais nobres julgamos serem os nossos esforços. Penso que a busca de “finalidade” é procedimento absolutamente errôneo. Não há finalidade; o que há é o viver sem limitações. E para se descobrir esse estado isento de limitações, requer-se uma mente muito perspicaz, muito clara, penetrante e precisa, e não uma mente embotada pelo hábito.

Evidentemente, nossas vidas são vazias, superficiais. E a mente superficial facilmente se satisfaz. Ao ver-se descontente, põe-se a seguir uma estreita rotina, fixa um ideal, sai atrás do que deveria ser. E essa mente, não importa o que faça — quer estejamos sentados de pernas cruzadas, a contemplar meditativamente o umbigo, quer meditemos a respeito do Supremo — permanecerá sempre vazia, porque sua mesma essência é sem profundeza. Uma mente estúpida nunca se tornará uma mente superior. O que ela pode fazer é compreender sua própria estupidez; e, no momento em que perceber, por si mesma, o que ela própria é, sem imaginar o que deveria ser, “quebra-se” então a estupidez. Com esta compreensão, toda busca termina — mas isto não significa que a mente se torna “estagnada”, adormecida. Pelo contrário, está enfrentando o que é, em sua realidade; e isso não é processo de busca, porém de compreensão.

Afinal, a maioria das pessoas está em busca de Deus, da Verdade, do eterno amor, de uma eterna morada celestial, um amor permanente. E a mim me parece que a mente que busca é muito superficial. Acho que devemos compreender mais ou menos este ponto, investigá-lo, ver quanto são absurdas a mente superficial e suas atividades, pois não poderemos penetrar fundo, em nossas investigação desta tarde, se continuarmos a pensar em termos de busca, de esforço para descobrir. Ao contrário, necessitamos de uma mente sobremodo penetrante, quieta, tranquila. A mente sem profundeza, que se esforça para tornar-se silenciosa, continua a ser apenas qual uma poça d’água, sem profundidade. A mente limitada, sempre tão sabedora, tão sagaz, tão empolgada da ambição de achar Deus, a Verdade, ou um santo qualquer, porque seu desejo é chegar a alguma parte — essa mente continua superficial, porquanto todo esforço é superficial, produto da mente limitada, estreita. Jamais pode ser sensível essa mente; e parece-me necessário encararmos esta verdade. O esforço para ser, “vir a ser”, rejeitar, resistir, cultivar a virtude, reprimir, sublimar — tudo isso, em essência, constitui a natureza da mente superficial. Provavelmente a maioria não concordará com isso, mas não importa. A mim me parece um óbvio fato psicológico.

Ora, quando uma pessoa percebe isso, se torna apercebida disso, percebe a sua verdade, realmente e não verbal nem intelectualmente — e não deixa a mente fazer perguntas sem conta sobre como modificar este fato, como libertar-se desta superficialidade — sendo que tudo isso envolve esforço — reconhece então a mente que nada pode fazer contra esse estado. O que pode fazer é apenas perceber, ver as coisas cruamente, tais como são, sem deformação, sem invocar opiniões a respeito do fato; quer dizer, observar simplesmente. E é dificílimo observar pura e simplesmente, porque nossa mente foi exercitada para condenar, comparar, competir, justificar ou identificar-se com o que vê. Por esta razão, nunca vê as coisas tais como são. “Viver com um sentimento” tal qual ele é — seja ciúme, inveja, ambição, ou seja o que for — “viver com ele” sem o deformar, sem emitir opinião ou julgamento a seu respeito, isso requer uma mente dotada de energia para seguir todos os movimentos do fato. Um fato nunca é estático; ele se movimenta, vive. Mas nós o queremos estático, aprisionando-o com uma opinião, um juízo.

Assim, a mente que está vigilante, que é sensível, percebe a futilidade de todo esforço. Mesmo na educação, a criança, o estudante que forceja para aprender, nunca aprende realmente. Poderá adquirir conhecimento, tirar um diploma; mas aprender é coisa que transcende o esforço. Talvez possamos nesta tarde aprender juntos, sem esforço, em lugar de ficarmos presos na esfera do conhecimento.


Krishnamurti 

http://pensarcompulsivo.blogspot.com

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