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segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

A CANÇÃO DO CORAÇÃO



O Grande Caminho não é difícil
Para aqueles que não têm preferências.

Quando o amor e o ódio estão ambos ausentes
Tudo se torna claro e sincero.

Fazendo-se a menor distinção entretanto
O céu e a terra são colocados
Infinitamente distantes.

Se queres ver a verdade,
Então não tenha opiniões
A favor ou contra coisa alguma.

Quando o profundo significado das coisas
Não é compreendido
A essencial paz da mente
É perturbada inutilmente.

O Caminho é perfeito como o vasto espaço
Onde nada falta e nada está em excesso.
Na verdade, é devido à nossa opção
Em aceitar ou rejeitar
Que não vemos a verdadeira natureza das coisas.
Não vivas enredado pelas coisas externas,
Nem preso às sensações interiores de vazio.
Seja sereno na unidade de todas as coisas
E tais ideias errôneas
Irão desaparecer por si mesmas.

Quando tentas parar a atividade
Para alcançar a passividade,
O teu próprio esforço irá te devolver à atividade.
Enquanto permaneceres num extremo ou no outro
Nunca conhecerás a Unidade.

Aqueles que não vivem no Caminho Único
Falham tanto na atividade quanto na passividade,
Tanto na afirmação quanto na negação.
Negar a realidade das coisas
É perder sua realidade.

Afirmar o vazio das coisas é perder sua realidade.
Quanto mais falares e pensares sobre isso,
Mais te desviarás para longe da verdade.

Pare de falar e de pensar,
E nada haverá que não possas conhecer.
Retornar à raiz é encontrar o significado,
Mas perseguir as aparências é perder a fonte.

No momento da iluminação interior
Há um caminho além da aparência e do vazio.
As mudanças que parecem ocorrer no mundo vazio
Chamamos de reais somente
Porque somos ignorantes.

Não busques a verdade;
Apenas deixe de acalentar opiniões.
Não permaneças no estado dualístico;
Evite cuidadosamente tais investidas.
Se houver, mesmo que seja um traço,
Disto ou daquilo, do certo e do errado,
A essência da Mente se perderá na confusão.

Muito embora todas as dualidades venham do Um,
Não fiques apegado a este Um.
Quando a mente existe impertubável no caminho,
Nada no mundo pode ofender,
E quando uma coisa não pode mais ofender,
Ela cessa de existir no velho modo.

Quando pensamentos discriminatórios não surgem mais,
A velha mente cessa de existir.
Quando os objetos do pensamento desaparecem,
O motivo do pensamento desaparece;
Assim, quando a mente desaparece, os objetos desaparecem
As coisas são objetos devido ao sujeito (mente):
A mente (sujeito) é assim devido às coisas (objeto).
Compreenda a relatividade de ambos
E a realidade básica: a unidade do Vazio.
Neste Vazio os dois são indistinguíveis
E cada um contém em si mesmo todo o mundo.
Se não discriminares o áspero do fino
Não serás tentado ao preconceito e à opinião.

Viver no Grande Caminho não é fácil nem difícil,
Mas aqueles com visões limitadas são temerosos e irresolutos;
Quanto mais se apressam, mais devagar eles vão,
E o apego não pode ser limitado;
Mesmo o apego à ideia de iluminação é andar sem rumo.
Deixe que as coisas sigam o seu próprio caminho
E não haverá mais o vir ou o ir.
Obedeça à natureza das coisas (tua própria natureza),
E caminharás livremente sem seres perturbado.

Quando o pensamento está escravizado, a verdade está oculta,
Pois tudo é indistinto e nada está claro
E a cansativa prática de julgar traz aborrecimento e cansaço.
Que benefício pode nos trazer a distinção e a separação?
Se queres te movimentar no Caminho Único
Não desgostes nem mesmo do mundo dos sentidos e das ideias.
Na verdade, aceitá-lo plenamente
É identificar-se com a verdadeira Iluminação.

O homem sábio não se esforça para alcançar qualquer meta,
Mas o homem tolo é escravo e ele mesmo se escraviza.
Há somente um darma, uma verdade, uma lei e não muitas.
As distinções surgem das aferradas necessidades do ignorante.
Buscar a Mente com a mente que discrimina é o maior de todos os erros.

O repouso e a intranquilidade derivam da ilusão;
Com a Iluminação não há o gostar e o desgostar.
Todas as dualidades surgem da dedução ignorante.
Elas são como sonhos ou flores no ar,
É tolice tentar capturá-las
O ganho e a perda, o certo e o errado:
Tais pensamentos têm que ser completamente abolidos.

Se o olho nunca dorme,
Todos os sonhos naturalmente cessarão.
Se a mente não fizer qualquer discriminação,
As dez mil coisas são o que elas são, uma única essência.
Compreender o mistério desta Única Essência
É ser liberado de todas as malhas a que estamos presos.

Quando todas as coisas são vistas igualmente
Alcançamos a atemporal Auto-essência.
Não são mais possíveis comparações ou analogias
Neste estado em que não há nem causas nem relações.
Considere o movimento estacionário
E o estacionário em movimento
E ambos, o movimento e o repouso, desaparecerão.
Quando tais dualidades deixam de existir
A Unidade em si mesma não pode existir.
A esta finalidade última,
Nenhuma lei ou descrição pode ser aplicada.

Para a mente unificada de acordo com o Caminho
Cessam todos os esforços autocentrados.
As dúvidas e irresoluções desaparecem
E a vida na verdadeira fé é possível.
Com um simples golpe estamos livres da escravidão;
Nada nos prende e nós não nos prendemos à nada.
Tudo é vazio, claro, auto-iluminante,
Sem qualquer esforço do poder da mente.
Aqui o pensamento, o sentimento, o conhecimento
E a imaginação Não têm qualquer valor.

Neste mundo da Essencialidade
Não há nem ser nem outra coisa que seja o não-ser.
Para entrar diretamente em harmonia com esta realidade
Diga simplesmente quando a dúvida surgir: “ não dois”.
Neste “ não dois” nada é separado, nada é excluído.
Não importa quando ou onde,
A Iluminação significa entrar nesta verdade.
E esta verdade está além do aumento
Ou diminuição no tempo e no espaço;
Num simples pensamento estão dez mil anos.
O Vazio aqui, o Vazio lá,

Mas o universo infinito
Permanece sempre diante dos teus olhos.
Infinitamente grande e infinitamente pequeno;
Sem diferença, pois a definições desaparecem
E nenhum limite é visto.
Isso também ocorre com o Ser e o não-Ser.
Não perca tempo com dúvidas e argumentos
Que nada têm que ver com isso.
Uma coisa, todas as coisas;
Movem-se e se mesclam sem distinção.

Viver nesta realização
É não ter ansiedade acerca da não-perfeição
Viver nesta fé é a estrada para a não-dualidade,
Porque o não-dual é uno com a mente confiante.

Palavras!
O Caminho está além da linguagem,
Pois nele não há nem o ontem,
Nem o amanhã, nem o hoje.


Jianzhi Sengcan (Kanchi Sôsan Daioshô)
3º ancestral da linhagem chinesa

– Tradução para o inglês de Richard B. Clarke
– Tradução para o português de Murillo Nunes de Azevedo 
 
Extraído do site "Águas da Compaixão"
 
 

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