POR QUE VIVEMOS CRIANDO INIMIZADES ENTRE NÓS ?
Uma das causas fundamentais das guerras — dizem — ser de ordem
econômica. Mas, muito mais do que isso, a causa fundamental é "a crença
em alguma coisa". Quando eu creio numa coisa, quero lhes converter às
minhas ideias, e se não concordam comigo, os liquido. Vocês possuem uma
panaceia, um sistema, possuem a Bíblia ou um livro de Marx, cheio de
"verdades", de dogmas transcendentais, de disciplinas; e se eu não
estiver de acordo com o modo de pensar de vocês, se não creio em Deus da
mesma maneira que acreditam, vocês me destroem. É isso o que precisamos
compreender: por que vivemos criando inimizade entre nós?
Isso que chamam religião não é uma das causas da inimizade? Tenham a
bondade de refletir sobre isso. Não desprezem esta questão. Você se
acreditam hinduístas; eu, desde a a infância, ouço dizer que sou
muçulmano. Pratico certos rituais que vocês não praticam. Por
conseguinte, a crença, os ritos, estão nos dividindo, não é verdade?
Vocês são brâmanes; eu não sou. Acreditam num único Salvador — Marx,
Jesus, Buda. Se discordo de vocês, me colocarão á margem, darão cabo de
mim.
Como veem, fundamentalmente, um dos fatores da inimizade entre os homens é a "crença",
e a crença cria "projeções". Desejo alguma espécie de segurança, na
vida; tenho dinheiro, tenho posição; quero, porém, uma segurança maior.
Por conseguinte, "projeto" da minha mente o desejo, a ânsia que me
impele a buscar a segurança numa "super-ideia", num "super-homem", em
"super-visões" ou em "super-conclusões". Crio, pois, em virtude do meu
próprio desejo, a ideia de segurança, a ideia da existência ou
não-existência de Deus; e minha mente se apega a essa ideia. É, pois, a
minha crença que me proporciona o sentimento de segurança, de certeza;
digo que ela é minha inspiração; chamo-a "minha", porque estão separados
de mim pela crença de vocês. Gradualmente, em consequência de tudo
isso, surge a discórdia, o antagonismo; vocês são ingleses e eu sou
negro; são capitalistas, eu, comunista. Por conseguinte, a crença, o
desejo da mente de se sentir segura, numa conclusão, numa convicção, é
uma das causas da inimizade.
O amor não é coisa da mente. Vocês amam seus filhos? Duvido muito disso;
porque, se assim fosse, não haveria guerras. Se os amassem, nunca
criariam na mente a divisão entre hinduísta e muçulmano; se os amassem
não haveria distinção de subordinados e superiores, etc. etc. Se amassem
seus filhos, os ajudariam a se tornarem um ente humano inteligente,
livre de condicionamento, e capaz de penetrar, com sua inteligência,
todos os condicionamentos da vida.
A causa da guerra, portanto, não se acha fora de nós, mas em nós.
Pregamos a não violência; temos ideias de fraternidade; empregamos
muitas palavras inteiramente vazias de significação. O idealista é o
pior dos empreiteiros de guerras[...] O homem que prega a fraternidade
não é fraternal; por isso mesmo prega a fraternidade. O homem que é
fraterno não fala de fraternidade. Quando o home tem o ideal da
fraternidade, isso significa que ele ainda não é fraternal, mais o será,
futuramente. Criamos uma filosofia de adiamento e um ideal; e, é bem
evidente, o homem que prega um ideal, ainda não é o que ele acha que
deveria ser. Só ao compreendermos o que somos, de fato, não teoricamente, mas realmente, só ao nos compreendermos haverá a possibilidade de nos libertarmos da inimizade.
Temos de reconhecer a verdade de que a humanidade está se dividindo por
causa de suas teorias, dogmas, princípios e crenças; de que cada um quer
realizar algo, tornar-se alguém, neste mundo; e de que esta é a
verdadeira causa da guerra, da destruição, da degeneração. Não queremos,
porém, olhar de frente esse fato; desejamos segurança econômica;
queremos ver alteradas as condições externas, sem operarmos,
radicalmente, fundamentalmente, uma transformação em nosso pensar, nos
nossos sentimentos. Só quando percebermos esta verdade, haverá a
possibilidade de colocarmos uma paradeiro às guerras e de impedirmos que
as invenções que se possam tornar pavorosos meios de destruição,
produzam mais devastações e mais sofrimentos para a humanidade.
Krishnamurti, Autoconhecimento-Base da Sabedoria
http://pensarcompulsivo.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário