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quinta-feira, 13 de janeiro de 2022

 REVENDO POSTAGENS ANTIGAS

 SÃO FRANCISCO DE ASSIS E O LOBO DE GUBBIO

Certa feita, estando Francisco de Assis em peregrinação pela cidade de Gubbio, ao norte de Assis, soube que a população daquela região estava em desassossego, pois ali morava, nas encostas de determinados penhascos, um lobo feroz, que já tinha devorado muitos animais, e mesmo algumas crianças. O lobo era remanescente de uma alcateia, da qual ficara afastado por doença, fazendo morada de uma caverna que encontrara, alimentando-se de animais que por ali passavam, atacando igualmente seres humanos descuidados.

Tantos foram os prejuízos verificados e o pânico espalhado pela região, que a população foi ao seu encontro, para que ele abençoasse aquele lobo, e rogasse a Deus que o fizesse desaparecer, para que a paz se restabelecesse. As mães aflitas imploravam a Pai Francisco que tivesse piedade e as ajudasse, prometendo-lhe fazer qualquer penitência, desde que se livrassem do perigoso animal. Pai Francisco ouviu, com paciência, o apelo da população e prometeu fazer alguma coisa em benefício de todos. Iria pedir a Deus para que o lobo procurasse outro lugar, que não fosse aglomeração humana.

E Francisco, como de costume, à noite, entrou em meditação e em oração ao Senhor. Nestas horas, os seus ouvidos sempre registravam coisas fora do comum dos homens. E foi o que ocorreu, ao pedir a Deus nestes termos: – Meu Deus!... Meu Senhor!... Permite que Te peça algo, talvez inoportuno, mas que está na alma do povo, por onde estamos passando, e a quem queremos levar o Evangelho do Teu Filho e Nosso Mestre, que nos pede alguma coisa que lhe possa trazer a paz e tranquilidade física. Que afastes, Senhor, o lobo que os ataca, pois bem sabes o que ele anda fazendo, matando animais e ferindo homens, amedrontando a população. Se for do Teu agrado, e se o merecermos, faze com que esse lobo saia desta região e procure outro lugar onde ele possa sentir-se melhor, e os homens viverem em paz. Jesus, ajuda-nos a compreender as necessidades dos nossos semelhantes, e fazer por eles alguma coisa; Maria, Mãe de Jesus, cobre-nos a todos com o teu manto de luz, confortando os nossos corações tribulados, mas que seja
feita a vontade do Senhor e não a nossa.

E no intervalo em que reinava o silêncio, Francisco, à espera de resposta, ouviu no fundo d'alma um cântico a lhe responder o que deveria ser feito, em um tom harmonioso e cheio de ternura: – Francisco, ouve-me!... O lobo tem o direito de ficar onde quer que seja, arriscando também a sua vida. Para onde devemos mandá-lo? Ele tem necessidade de algo que existe entre os homens. Esses não procuram melhoria no bem-estar e no convívio com irmãos da mesma e de outras raças? É, pois, um direito que assiste a quem vive, a qualquer criatura nascida de e por Deus. Como expulsar e sacrificar um animal, somente para satisfazer pessoas, algumas sem piedade até para com os próprios semelhantes? O egoísmo dos homens é que os faz sofrer, não simples animais, que pedem socorro, com os recursos que possuem. Vai, Francisco, conversar com ele, o lobo. Depois de entendê-lo, volta e conversa com os homens, e vê se os entende, o que acho mais difícil. Procura fazer uma aliança entre um e outros, para que o que sobre, não falte a quem tem fome, e que, depois de amansada a fera, não a maltratem, pois quase sempre, depois da paz, surge o abuso. O lobo tem fome, Francisco!...

Francisco despertou do êxtase e sentiu o drama do velho lobo. E partiu para uma das gargantas do Monte Calvo, situado nos Alpeninos. O grande animal, ao ouvir a voz cantante de um homem, saiu do seu esconderijo, talvez em busca de alimento e água, esquelético e meio fraco. Vidrou os olhos no pequeno homem de Deus, e esse lhe falou mansamente: – Irmão Lobo!... Que a paz seja contigo, seja feita a vontade de Deus e não a nossa! Eu sou de paz. Venho pedir-te em nome de Deus e de Jesus, que tenhas paciência, pois nada vai te faltar: água, comida e lugar seguro. Basta que tenhas um pouco de confiança nos homens, porque nem todos são violentos; muitos são bons e gostam de animais. Podes conviver em paz com eles e comer o mesmo que eles. Espero que me ouças. Peço-te para ir comigo até eles e lhes pedirei para te atender nas tuas necessidades. Eu também sou um animal; nada tenho aqui para te dar a não ser o meu carinho, mas prometo que te darei a amizade de todos, naquilo que possam te ofertar. As mães estão chorosas, temendo por seus filhos. Vem comigo, que serás compensado por Deus!

O lobo, essa altura, já estava deitado aos pés de Francisco, roçando seu longo pescoço nas pernas do seu protetor, submetendo-se com confiança. Este ajoelhou-se, pôs-lhe as mãos sobre a atormentada cabeça e agradeceu a Deus pela nova amizade. O futuro nos promete que a cobra viverá em paz com o batráquio, o rato com o gato, o cão com o felino, o cordeiro com o lobo, e que os homens viverão em paz com os próprios homens. Francisco olhou para o lobo e disse com piedade: – Vamos, meu irmão; desçamos juntos, para junto dos homens, pois somos todos  filhos de Deus!

Francisco seguiu na frente e o lobo o acompanhou com passadas lentas, mas sem perder o seu guia. Ao chegar ao lugarejo, o povo saiu às portas assombrado com o fenômeno. Muitos já conheciam o feroz animal, que naquele momento tornou-se um companheiro manso e obediente, na sombra do santo. Esse assentou-se em um cepo, ao lado de uma casa, e o lobo aproximou-se de seu companheiro, que passava levemente a mão sobre o seu corpo descarnado, falando-lhe com serenidade: – Irmão lobo, este lugar é também teu. Considera-te filho deste abençoado rebanho de ovelhas humanas que irão te tratar como se fosses filho. Nada vai te faltar, nem água, nem comida, nem o carinho de todos os irmãos em Cristo que aqui residem, e para tanto, vamos de casa em casa confirmar o que desejamos. Se, porventura, tivesse de morder alguém aqui, faze isso comigo agora; não deves trair o que combinamos, eu te peço. Jesus Cristo gosta muito de animais, tanto que preferiu nascer em uma estrebaria, a nascer em palácio. Ele poderia escolher o lugar que quisesse, e buscou os animais; isto é uma prova de Amor por eles.

As mãos do Poverello corriam no lombo do animal, inundadas de luz que só o amor pode fornecer, e os olhos do animal deram um sinal que somente os humanos podem dar, o sinal das lágrimas, porque é mais fácil chorar do que sorrir. Francisco levantou-se, tornou a chamar seu companheiro e foi de porta em porta, em nome de Deus e de Cristo, pedindo aos moradores para que não faltassem água e alimento para o lobo, e todos, vendo a mansidão do animal junto a Francisco, concordavam. O filho de Assis ficou alguns dias na região, até o povo acostumar-se com a convivência do animal, e o lobo ficava de porta em porta, comendo e bebendo. Engordou, tomando outras feições, mas, conservou-se sempre manso. Uivava nas madrugadas, sentindo saudades do Santo de Assis. No fim da sua vida, já suportava até pancadas por parte dos transeuntes, ao tentar acompanhar algumas pessoas.

Era mordido por cães agitados que percorriam a cidade, e muitos deles tomavam a sua comida, sem que ele se revoltasse com o fato. Nunca brigava com seus adversários e, por fim, já doente, não tinha forças para andar de casa em casa em busca de alimento. Acomodou-se em uma velha casa, onde mãos caridosas fizeram-lhe uma cama de palha, que foi o seu leito de morte. Muitos moradores levavam para ele o que comer e beber, e, em uma madrugada, escutou-se o lobo uivar, por ver na sua retina um frade a convidá-lo para um passeio. Quando fez força para levantar-se, o fez, não com o corpo físico: levantou-se no outro mundo, em seu duplo etérico, e acompanhou o frade, mostrando pela cauda, a alegria que estava sentindo no coração. E desapareceram no infinito os dois filhos de Deus.


Texto extraído do Livro FRANCISCO DE ASSIS, de João Nunes Maia, pelo espírito de Miramez.


De quando em quando leio esse texto e sempre, sempre me emociono, chego às lágrimas, pois cada vez que me envolvo com a energia de Francisco algo forte e suave, ao mesmo tempo, flui em mim levando-me a descoberta de Verdades maravilhosas sobre a vida. Espero que você consiga extrair coisas extraordinárias desse conto. KyraKally

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