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quinta-feira, 11 de julho de 2019

COMO QUEBRAR O MECANISMO 
DA DEPENDÊNCIA ?


PERGUNTA: Quando pela primeira vez vos ouvi falar e me entrevistei convosco, senti-me profundamente perturbado. Comecei então a observar os meus pensamentos, sem condenar ou comparar, etc., e, em certa medida, cheguei a apreender o sentido do silêncio. Algumas semanas após, tive nova entrevista convosco e recebi novo choque, pois me fizestes ver claramente que minha mente de modo nenhum estava desperta, e perceber que eu me tornara um tanto vaidoso com os resultados conseguidos. Porque é que a mente tende a estabilizar-se depois de cada choque, e como quebrar esse mecanismo?

KRISHNAMURTI: Social, religiosa e pessoalmente, nosso empenho constante é de evitar qualquer espécie de mudança, não é verdade? Desejamos que as coisas continuem como estão, pois a mente não gosta de ser perturbada. Logo que alcança uma coisa, aí se estabiliza. Mas a vida é um mecanismo de “provocação” e reação, e se não soubermos responder à provocação de maneira adequada, haverá conflito. Para evitarmos esse conflito, estabilizamo-nos em confortáveis rotinas, onde nos deixamos deteriorar. Isto é um fato psicológico.

Isto é, a vida é “provocação”, desafio, tudo na vida está a exigir reação, mas, porque tendes vossas limitações, vossas preocupações, vosso condicionamento, vossas crenças, vossos ideais, que vos ditam o que deveis e o que não deveis fazer, sois incapazes de responder adequadamente ao desafio da vida; por esta razão, existe conflito. Para evitar ou dominar este conflito, vos deixais estabilizar, fazendo algo que vos dá conforto. A mente busca sem cessar um estado totalmente livre de perturbações, a que chama Paz, Deus, ou outro nome qualquer; mas, em essência, o seu desejo é não ser perturbada. O estado de não-perturbação, que chamamos Paz, é, realmente, morte. Mas se, por outro lado, compreenderdes que a mente precisa achar-se, de contínuo, num estado de reação e portanto sem desejo de conforto, de segurança, de amarras, de ancoradouro, de refúgio na crença, nas ideias, nas posses etc., vereis então que não necessitais de choque algum. Não existe mais esse mecanismo de sermos despertados por um choque, só para novamente nos deitarmos a dormir.

Vemos aqui surgir uma questão importantíssima. Pensamos ter necessidade de instrutores, de gurus, de guias, para sermos ajudados a conservar-nos despertos. E esta é provavelmente a razão da presença, aqui, da maioria de vós: Desejais que um outro vos ajude a manter-vos despertos. Se alguém pode ajudar-vos a ficar desperto, ficais na dependência dessa pessoa, que se torna vosso instrutor, vosso guia, vosso líder. Ela poderá estar desperta — não sei — mas se estais dependendo dela, estais dormindo. (Risos) Por favor, não riais, porque o caso é sério; pois é isso mesmo o que todos nós fazemos na vida. Se não estamos dependendo de um guia, dependemos de um grupo, dos nossos filhos, dum livro, ou dum disco de gramofone.

Assim sendo, há possibilidade de nos mantermos despertos, livres de toda dependência, — dependência de drogas, de gurus, de disciplinas, de imagens, de qualquer coisa, enfim? Quando experimentais isso, podeis cometer algum erro, mas dizeis “Não importa, quero continuar desperto”. Entretanto, isso é dificílimo, já que dependemos tanto dos outros! Precisamos de ser estimulados por um amigo, um livro, música, ritos, pelo frequentar com regularidade certas reuniões; e tal estímulo poderá manter-vos desperto, temporariamente. Mas, tanto vale tomar um copo de bebida. Quanto mais uma pessoa depende de estímulos, tanto mais embotada se torna a sua mente, e a mente que está embotada precisa de ser guiada, precisa seguir, precisa de uma autoridade, porque do contrário ficará desorientada. Se percebemos esse extraordinário fenômeno psicoló­gico, não será possível ficarmos livres, interiormente, de qualquer espécie de dependência, de qualquer estímulo a nos mantermos despertos? Por outras palavras, a mente não será capaz de nunca se escravizar a um hábito? Isso, com efeito, significa, abandonar tudo o que temos compreendido, tudo o que temos aprendido, abandonar todas as coisas que acumulamos de ontem para hoje, para que a mente possa, mais uma vez, ser fresca, nova. A mente não é nova, se não morrer para todas as coisas de ontem, todas as experiências, invejas, ressentimentos, amores, paixões, pois só assim ela poderá de novo ser fresca, ardorosa, desperta e, portanto, capaz de atenção. Não há dúvida de que, só quando está livre de todo sentimento de dependência interior, a mente poderá encontrar-se com o Imensurável.

Krishnamurti
http://pensarcompulsivo.blogspot.com
 

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