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quarta-feira, 25 de abril de 2018

POR QUE SOMOS COMO 
UMA FLOR SEM PERFUME ?


"Uma vida sem amor é como 
uma árvore sem flores e sem frutos. 
E um amor sem beleza é como 
flores sem perfume. 
Vida, amor, beleza:
 eis a minha trindade".
(khalil Gibran) 


O que acontece quando um homem se esforça para se tornar virtuoso, quando se disciplina para ser bondoso, eficiente, considerado, atencioso, quando procura não magoar os outros, quando consome suas energias tentando estabelecer a ordem, lutando para ser bom? Seus esforços só o levam à respeitabilidade, causadora da mediocridade mental; esse homem, por conseguinte, não é virtuoso. Você já olhou atentamente uma flor? Como é admiravelmente simétrica, com todas as suas pétalas; há nela, também, singular delicadeza, perfume, encanto. Ora, quando um homem tenta ser ordenado, sua vida poderá ser muito precisa, muito regular, mas perdeu aquele predicado de delicadeza que só pode nascer quando, como na flor, não há esforço algum. Nosso problema, pois, é sermos precisos, claros e sem limitações.

Veja, o esforço para ser ordeiro, cuidadoso, tem forte influência limitante. Se procuro deliberadamente colocar em ordem o meu quarto, se tenho a preocupação de colocar cada coisa em seu lugar, se estou sempre prestando atenção a mim mesmo, onde ponho o pé, etc., o que acontece? Torno-me “insuportável” para mim próprio e para os outros. É, com efeito, uma pessoa cansativa aquela que está sempre procurando ser alguma coisa, cujos pensamentos são metodicamente “arrumados”, que escolhe um pensamento em preferência a outro. Essa pessoa poderá ser muito ordeira, muito clara, poderá empregar as palavras com precisão, ser muito atenta e atenciosa, mas perdeu a criadora alegria de viver.

Qual é, pois, o problema? Como ter essa criadora alegria de viver, ser sem limitações no sentir, amplo no pensar, e ao mesmo tempo preciso, claro, ordenado no viver? Creio que a maioria de nós não é assim, porque nunca sentimos nada intensamente, nunca aplicamos completamente a coisa alguma nosso coração e nossa mente. Lembro-me de ter certa vez observado dois esquilos vermelhos, de caudas longas e bastas, e graciosas, perseguirem-se para cima e para baixo de uma alta árvore, durante dez minutos, sem pararem um só instante — pela simples alegria de viver! Mas você e eu nunca conheceremos essa alegria, se não sentirmos as coisas profundamente, se não houver paixão em nossa vida — paixão, não para nos tornarmos “beneméritos” ou realizarmos uma certa reforma, mas paixão no sentido de sentirmos as coisas com toda a força; e só teremos essa paixão vital quando houver uma revolução total em nosso pensar, em todo o nosso ser.

Você já notou como somos poucos os que temos profundo sentimento a respeito de alguma coisa? Alguma vez você se rebela contra seus mestres, contra seus pais, não apenas por não gostar de alguma coisa, mas por ter um profundo e ardente sentimento de que não deseja fazer certas coisas? Se você sente, profunda e ardentemente, em relação alguma coisa, verá que esse próprio sentimento, de maneira singular, traz uma nova ordem à sua vida.

Ordem, afinamento, clareza no pensar, não são em si muito importantes, mas tornam-se importantes para o homem que é sensível, que sente profundamente, que se acha num estado de perpétua revolução interior. Se você sente intensamente a sorte do infeliz, do mendigo que recebe a poeira no rosto quando passa o carro do milionário, se você é altamente receptivo, sensível a todas as coisas, então essa própria sensibilidade traz ordem, virtude; e considero muito importante que tanto o educador como o estudante compreendam isso.

Neste país, infelizmente, como no resto do mundo, somos tão indiferentes que não temos sentimento profundo por coisa alguma. Os mais de nós somos intelectuais — intelectuais, no sentido superficial de sermos muito hábeis, cheios de palavras e de teorias sobre o que é correto e o que é incorreto, sobre como se deve pensar, o que se deve fazer. Mentalmente, somos altamente desenvolvidos, mas, interiormente, há muito pouca substância ou valia: e é essa substância interior que produz a ação correta, que não é ação segundo uma ideia.

Eis porque você deve ter sentimentos muito fortes — sentimentos de paixão, de cólera — para os observar, para “brincar” com eles, e descobrir a verdade que encerram. Porque, se você se limitar a reprimi-los, se disser: “Não devo me encolerizar, não devo me apaixonar, porque é errôneo — verá que sua mente irá se fechando gradualmente numa ideia e, consequentemente, se tornará muito superficial. Você pode ser imensamente talentoso, possuir um saber enciclopédico, mas, se não houver a vitalidade do sentimento intenso e profundo, sua inteligência será como flor sem perfume.

É muito importante que você compreenda todas essas coisas enquanto é jovem, porque, assim, quando crescer, será verdadeiro revolucionário — revolucionário, não de acordo com uma certa ideologia, teoria ou livro, porém, revolucionário no sentido total da palavra, de ponta a ponta, como entes humanos completos, tão completos que não restará um só ponto contaminado pelo “velho”. Sua mente será então fresca, “inocente” e, portanto, altamente capaz de criação. Se você não alcançar a significação de tudo isso, sua vida se tornará muito sem sal, porque você será esmagado pela sociedade, por sua mulher ou marido, por teorias, por organizações religiosas ou políticas. Por isso é que é tão importante que você seja educado corretamente — o que significa que deve ter mestres capazes de lhe ajudar a romper a crosta da chamada civilização, para que você não seja um mero autômato, porém, um indivíduo com uma canção dentro de si mesmo e, por conseguinte, um ente humano feliz e criador.
 
 
Krishnamurti — A cultura e o problema humano 
http://pensarcompulsivo.blogspot.com.br

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