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domingo, 1 de abril de 2018

AUTO-HARMONIA: A MAIS ELEVADA FORMA DE ESPIRITUALIDADE


A mais alta consecução da espiritualidade é o viver em harmonia no presente. O viver em harmonia é um contínuo ajuste, um contínuo julgar equilibrado, entre o caminho certo e o caminho errado, entre o essencial e o não essencial. O viver em harmonia é sensitividade, isto é, tornar-se sensível às reações de outras pessoas sobre nós mesmos; e isto exige tato e também esse contínuo apercebimento das coisas que ocorrem ao vosso redor nas quais se acha implícita a manifestação da vida. Esse instinto expresso sob a forma de gostos e desgostos, o qual existe em cada um de nós, deveria ser um último turno amoldado à razão e deveria funcionar de acordo com os seus ditames. É esta a mais elevada forma de inteligência

A inteligência é a consumação da experiência e, se mantiverdes essa inteligência altamente desperta, plenamente ativa, então dela decorrerá a intuição a qual é razão. Este, para mim, é o viver harmonioso que é a mais elevada forma de espiritualidade, pois que é auto-harmonia, perfeito equilíbrio da razão e do amor. Se de contínuo não estiverdes fazendo isto, incessantemente e intensamente, a vida virá ensinar-vos pela tristeza. Se a tristeza não for compreendida e o propósito da tristeza não for entendido, continuareis a sofre e, portanto, a viver na morte. Dado que vos encontrais lutando, ainda que sejam colhidos pela tristeza, se não tiverdes a compreensão dela, haverá discórdia. E a discórdia é o processo contínuo mediante o qual o equilíbrio é atingido.

Se não entenderdes à finalidade dessa luta entre a razão e o instinto, a luta torna-se meramente um movimento de pêndulo sem propósito determinado e quando esse movimento pendular começar a desenrolar-se, estareis vivendo na morte. Isto é o que acontece à maioria das pessoas que se encontram prisioneiras da tristeza. É tão mortificante isto, tão cansativo que elas perdem o propósito, o entendimento da tristeza. Pouquíssimos, são felizes na luta, pois que não compreendem seu propósito, o qual é o de atingir o equilíbrio, o qual é ainda auto-harmonia. Portanto, necessitais, em primeiro lugar, de compreender o objetivo da luta. Na luta, em si mesma considerada, não há muito valor, porém, há valor naquilo que é produzido por meio da luta. Assim como um jardineiro coloca sementes na terra para produzir flores e frutos que hão de vir a dar alimento, assim também no terreno da luta tendes que produzir o equilíbrio e a auto-harmonia. Ninguém pode executar isto para vós, tendes que ser vós mesmos.

A moral vigente é a admissão do medo para a vida. Se vos amedrontardes da vida e, portanto, da luta, naturalmente inventareis uma moral inflexível e direis, “isto é certo” e “isto é errado”; “isto é o céu, isto é o inferno”. Nessa estreita limitação da moral haveis de seguir cegamente, sem entendimento, pois que vos amedrontareis de lutar e de assim, produzir a harmonia e o equilíbrio. Uma lagoa nos bosques, pelo fato de ser tranquila, acumula à superfície espuma verde e por isso não reflete a pureza dos céus, as folhas movediças, as brilhantes estrelas; ao passo que a lagoa que é continuamente encrespada pelos ventos, pode, quando tranquila, refletir a verdade. Assim acontece à vida. A partir do momento que, por causa do medo, encerreis a vida na moral inflexível, vem a estagnação, dar-se-á essa luta surda e interna que não produz clareza de pensamento nem equilíbrio e daí, o “eu” no homem, não poderá refletir a pureza do propósito da vida. Se, entretanto, expulsardes essa moral que cega, que sufoca, sabereis da tranquilidade que não é estagnação nem putrefação.

Assim acontece com o Karma. Karma é o restabelecimento do equilíbrio. Isto é, pela luta contínua; produz-se um equilíbrio entre o essencial e o não essencial; pelo discernimento contínuo, pelo ajuste, pelo julgar e contrabalançar as coisas, criais cada vez menos Karma. Explicarei o que pretendo dizer. Todos admitem que somos o resultado do passado. Porém, o passado não tem valor. Isso é coisa encerrada. Se criardes barreiras, embaraços entre vós e o vosso presente, tereis a tendência a criar Karma, pelo fato de estrades destruindo o equilíbrio. Não importa o que haveis sido ontem, importa o que sois no momento presente; e o momento presente somente pode ser vital, ativo, de pleno entendimento, se alcançardes o significado da vida do futuro no presente e viverdes essa vida na atualidade. Isto significa um equilíbrio constante do presente com o futuro, um contínuo ajuste, um insistente e incessante apercebimento, achando-vos, por assim dizer, suspensos entre o futuro e o presente.

Mais uma vez vos digo que a saúde moral e emocional dependem do equilíbrio. Assim como uma pessoa, fisicamente doente se acha desarmonizada, dependendo continuamente dos outros, assim também uma pessoa que esteja moral e emocionalmente doente necessita de médicos espirituais. É um estado não-natural o haver um mundo de pessoas não saudáveis que para seu bem estar dependem de médicos. O que é mais importante: produzir uma condição que capacite as pessoas a serem saudáveis, íntegras, bastando-se a si mesmas, ou que meramente tenham por missão cuidar das não saudáveis? Para mim, é muito mais importante o prevenir a falta de saúde, pois que então as pessoas podem viver uma vida natural, equilibrada, sã e harmoniosa. Talvez seja este um ideal irrealizável, porém um ideal facilmente realizável, torna-se em cinzas na boca. Um ideal que seja apenas um estímulo, não possui valor por si mesmo; porém, um ideal que seja belo, intrinsecamente reto e valioso em si mesmo, não é apenas um estímulo. A coisa essencial, portanto, é impedir os homens de se tornarem insanos, de dependerem psicologicamente dos outros, de médicos espirituais, e torna-los psicologicamente autossuficientes, confiantes em si próprios, constantemente apercebidos, afim de a si mesmos se ajustarem de contínuo, de se equilibrarem entre as formas externas, sejam as do vício, sejam as da virtude.

Para serdes saudáveis no presente, necessitais de continuamente encontrar o equilíbrio entre o futuro preenchimento do eu e o presente; e isto exige apercebimento, exige exame contínuo da espécie correta, não a introspecção que, por fim, destrói o ser. Se examinardes o ser sem propósito definido em vista, sem riqueza de entendimento, somente estareis amesquinhando esse ser. Sem a compreensão do propósito da vida, tornai-vos meramente introspectivos e por essa maneira continuamente diminuis o ser e, por esse modo, viveis na morte. Se, porém, compreenderdes o propósito da vida, e à luz desse propósito examinardes o ser, enriquecê-lo-eis. Tornar-vos-eis um ser humano perfeito, consumado na finalidade da vida, o que para mim é coisa muito maior do que tornar-se um deus.

Um outro ponto que quisera trazer ao vosso conhecimento, é este: a vida não se acha laborando na produção de uma padronização; a vida não está criando imagens esculpidas. A Vida pretende ser inteiramente diferente de um para outro ser, na diversidade, é que deve ter lugar vosso preenchimento e não na produção de uma padronização. Contemplai o que está acontecendo no presente. Vós adorais os muitos no uno, adorais o conjunto da vida personificada em um ser. Isto é cultuar a um padrão, a uma imagem de escultura, e por essa maneira vos tornais de um só padrão, vos tornais uma imagem; esta imagem é uma limitação e daí advém a tristeza. Ao passo que, se adorardes o uno nos muitos, não vos tornareis em um padrão. Isto não é, em absoluto, ideia filosófica ou metafísica. O homem por ter medo de ser amável, afetuoso para com os muitos, proporciona todo o seu respeito, os seus cultos, suas preces ao uno — isto é, cria uma imagem. A vida, porém, não cria padrões, ela nada tem que ver com imagens. O adorar o uno nos muitos, exige constante apercebimento de pensar, constante apreensão do que é impessoal, constante ajuste do ponto de vista do indivíduo ao dos muitos, que é vida. Se criardes um padrão e meramente ajustardes o equilíbrio entre vós e esse padrão, não será isto verdadeiro ajuste e sim um intuito meramente pessoal. Ao passo que, se procederdes a um ajuste entre vós e o uno nos muitos, então já não estareis criando uma imagem nem um padrão, porém, ao contrário disso, ireis sendo modelados pela própria vida.


Jiddu Krishnamurti
http://pensarcompulsivo.blogspot.com.br
 

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