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sexta-feira, 20 de abril de 2018

A SABEDORIA ECOLÓGICA 
DOS INDÍGENAS
 
 
Parte II
 
 
Certo dia o indigenista brasileiro Orlando Villas Bôas ficou surpreso ao conversar com um pajé do rio Xingu, o mais versado, ali, nos conhecimentos que vão além do saber comum. Ele conta o fato em seu livro A Arte dos Pajés [3]. Um pajé de meia-idade, Arru, chegou do mato cansado de caminhar e sentou-se ao lado de Orlando.

“Lá é o céu”, diz Arru, apontando para o alto.

“Sei”, responde Orlando.

“Lá é a aldeia dos que morrem.”

“Sei”, diz Orlando, conhecedor da cultura indígena.

Depois de um momento em silêncio, olhando bem para o alto, Arru acrescenta:

“Lá no céu do céu… ela está lá.”

Orlando pensa que quem está lá no céu do céu deve ser um deus antropomórfico.

“Quem está lá? Um índio velho que sabe tudo?”

A resposta de Arru é enfática:

“Não, apenas uma sabedoria.”

O pajé do Xingu surpreendeu Orlando mostrando que acreditava na existência de uma lei ou sabedoria universal, e que estava livre da superstição de um deus em forma humana, de quem se pode obter favores pessoais fazendo-lhe homenagens como a um rei todo-poderoso.

O diálogo entre Villas Bôas e Arru tem outros aspectos interessantes. A “aldeia dos que morrem”, que existe no céu dos índios xinguanos, é um conceito equivalente, de certo modo, ao kama loka da tradição esotérica. Para o kama loka vão os níveis intermediários da consciência de um ser humano fisicamente morto. Ali, os níveis médios de consciência passam por uma purificação que dará lugar ao devachan ou bem-aventurança, um longo período de descanso antes de um novo renascimento. O devachan equivale à “terra sem males” dos tupis brasileiros, local mítico e não-espacial. Ali ninguém morre ou adoece, a lavoura se trabalha sozinha e a colheita ocorre sem que seja necessário fazer esforço.

Do ponto de vista esotérico, não conheço referências muito complexas ou exatas ao processo pós-morte na tradição indígena das Américas. Porém, na sua simplicidade, os povos indígenas reconhecem a existência de um mundo sutil ou astral em que são registrados os nossos atos e no qual vivem seres invisíveis, ao lado das forças arquetípicas da natureza e dos seres que se foram do mundo físico.

“Há na cultura indígena uma total dependência da criatura com o mundo sobrenatural”, escreveu Villas Bôas. Se trocarmos a palavra “sobrenatural” por “astral”, a frase fica correta do ponto de vista esotérico e se aplica não só aos indígenas, mas a todos os povos e seres do mundo em todos os tempos. O mundo físico inteiro é reflexo do mundo astral e, por isso, depende dele. Todas as relações de causa e efeito operam no mundo astral, que é perfeitamente natural, porém invisível ao olhar físico, e que, em seus níveis superiores, leva à vida especificamente imortal e espiritual em que se localiza o devachan e se alcança o nirvana.

As culturas indígenas populares tinham acesso a uma versão simplificada da sabedoria espiritual dos descendentes de Atlântida. Depois da destruição daquele continente, o conhecimento iniciático e esotérico foi inteiramente reorganizado. Então, da Índia e do Egito antigos surgiu uma nova série de civilizações que dura até hoje. Esotericamente, considera-se que os indígenas americanos são descendentes da tradição espiritual Atlântida, que corresponde à quarta raça-raiz, segundo Helena Blavatsky. A nossa quinta raça-raiz, mais racional, perdeu a antiga intuição humana. Mas já começa a recuperá-la em um nível superior, combinando o método científico experimental com a antiga capacidade de comunhão com a natureza e o respeito por todos os seres, habilidades que as sabedorias indígenas, sobreviventes da tradição atlântida, ainda mantêm intactas.

As tradições do extremo oriente são outras tantas ramificações da quarta raça-raiz e têm ensinado lições de grande valor ao nosso confuso ocidente através da medicina tradicional, da meditação zen, das artes marciais de fundo espiritual, do taoismo, e do feng-shui, para citar alguns poucos exemplos. Helena Blavatsky afirma em seu livro clássico “A Doutrina Secreta” que desde o século 19 surgem, aqui e ali, os primeiros cidadãos da sexta raça-raiz. Eles não podem ser identificados por qualquer característica física, mas sim por uma percepção intuitiva dos princípios da sabedoria e da fraternidade universal que guiarão a humanidade, de modo consciente, no futuro. Para a ciência esotérica, a fraternidade universal da humanidade é uma lei, e a diversidade racial é indispensável à evolução.

Neste momento, é essencial que saibamos repensar nosso processo civilizatório. Que possamos parar a destruição dos ambientes naturais que permanecem vivos; que respeitemos os povos que preservam o conhecimento de como viver em intimidade com a natureza. É essencial que possamos proteger nossas crianças, símbolos do nosso futuro, e que possamos aprender aquela sabedoria universal que permeia a história de todos os povos, independentemente das características físicas, hábitos culturais ou níveis de desenvolvimento tecnológico dos seus cidadãos.

Devemos ter a humildade necessária para reconhecer que os povos mais desenvolvidos tecnologicamente nem sempre foram os mais sábios, e que hoje somos um notável exemplo disso. Devemos ser capazes de lembrar que, segundo o manifesto atribuído ao chefe Seattle, “os cumes rochosos, os sulcos úmidos do campo, o calor do corpo do potro e o homem, todos pertencem à mesma família”. 
 
 
NOTAS:
 
[1] “Preservação do Meio Ambiente – Manifesto do chefe Seattle ao Presidente dos EUA”, Editora Interação/Fundação SOS Mata Atlântica, SP, 1989.
 
[2] “Pés Nus Sobre a Terra Sagrada”, Compilador: T.C. McLuhan, Ed. L&PM, Porto Alegre, 1994, ver pp. 13-14.
 
[3] “A Arte dos Pajés”, de Orlando Villas Bôas, Editora Globo, 2000, ver pp. 89-90.
 
 
Carlos Cardoso Aveline 
http://www.filosofiaesoterica.com 
 

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