SETE NOTAS SOBRE A TRANSMISSÃO DO SABER
“Se eu não for por mim, quem será por mim?
Mas se eu for só por mim, o que sou eu?
E se não agora, quando?”
A Arte Zen de Transmitir Sabedoria
É o Sr. D. T. Suzuki, o pensador zen-budista do século 20, que conta a história.
O
abade de um certo mosteiro quis que fosse pintado um dragão no teto da
sala em que todos meditavam. Um pintor bem conhecido foi convidado a
fazer a pintura. Ele aceitou, mas fez questão de avisar:
“Nunca vi um dragão na vida real – se é que os dragões existem. Ainda não sei como poderei pintá-lo.”
E o abade respondeu:
“Não
dê importância ao fato de ainda não ter visto um dragão. Não siga o
modelo convencional. Transforme-se você mesmo num dragão, primeiro.
Depois pinte o dragão.”[1]
Os
estudantes de teosofia estão convidados a fazer a mesma coisa. Eles não
viram o “dragão”, o animal mitológico do extremo oriente que simboliza o
sábio imortal e a inteligência divina. Eles não viram um grande
sábio, mas podem transformar-se em sábios. Eles conhecem apenas parte da
sabedoria, mas está a seu alcance viver a parcela de sabedoria que já
conhecem.
Assim
a vida de um estudante passa a ser uma expressão da sabedoria – ainda
que imperfeita. Quando o estudante une sua mente a um ideal universal,
ele passa a ser a sabedoria na medida exata da sua compreensão. Ao
passar adiante o que já sabe, ele se capacita para aprender mais.
Deste modo germinam as sementes de estudo e vivência da teosofia original.
O Exemplo e a Gratidão ao Transmitir
Sem o ensino pelo exemplo não seria possível uma transmissão de conhecimento filosófico. Mas o exemplo não basta.
O
teosofista deve também compartilhar a fonte em que sua alma se
alimenta. Deve construir um poço de uso comum onde um número ilimitado
de pessoas poderá beber a água pura da impessoalidade transcendente.
De que modo ele poderá colocar ao alcance de outros a fonte da inspiração e dos ensinamentos que orientam sua vida?
A
percepção da verdade pode ser transmitida assim como uma vela acende
outra vela, que acende outra, e outra, e assim sucessivamente.
O
movimento esotérico autêntico é como um “refúgio”. Ele é um porto
seguro, um ambiente em que a pequena luz da alma imortal de um indivíduo
estimula o fortalecimento da luz na alma de outro, e em mais um, e
assim sucessivamente, de modo que todos ganham energia, sem perder a
energia espiritual que possuem. Eles só irão “perder”, e não sem
sofrimento, as diversas formas de ignorância a que o ser humano se apega
às vezes com intenso fervor.
O
exemplo é a base indispensável da transmissão. Mas não é o suficiente,
porque nenhum edifício é feito apenas de alicerces. O verdadeiro
aprendizado começa depois que o estudante passa a fazer algo pelos
outros, movido por uma intenção que está livre de egocentrismo.
Quando
percebe que uma energia o ilumina desde o seu interior e o faz
compreender verdadeiramente a vida, o estudante é às vezes visitado por
um sentimento de gratidão e devoção. Tal sentimento pode mostrar-se
através do nascimento de uma vontade concreta e profunda de devolver à
Vida aquilo que a Vida lhe deu, construindo um reservatório maior e mais
forte de conhecimento, no qual outros indivíduos também possam
encontrar a paz.
Acelerando o Processo do Autoconhecimento
A ação altruísta limpa as lentes dos óculos com que olhamos para a vida.
O
aprofundamento da caminhada prática acelera o processo do
autoconhecimento. As duas coisas são inseparáveis, e a obra “A Voz do
Silêncio” esclarece:
“Irás
abster-te de agir? Não é assim que tua alma ganhará sua liberdade. Para
alcançar o Nirvana é necessário obter o Autoconhecimento, e o
Autoconhecimento é resultado de ações amáveis.”[2]
Cada
um é seu próprio mestre e seu próprio aluno. Depois que o estudante
toma uma decisão firme sobre o rumo da sua própria vida, ele deve
definir por si mesmo o ritmo e o modo como avançará.
Ele deve saber que duas substâncias centrais do eu superior são altruísmo e discernimento.
Transmitir é Convidar a Pensar
Um leitor escreveu:
“Estudo
teosofia há algum tempo. Tem sido até agora um estudo solitário. Mas me
pergunto como é possível divulgar a teosofia sem parecer que queremos
fazer lavagem cerebral ou evangelizar as pessoas.”
A questão é da maior importância.
No
início, o teosofista não será corretamente compreendido por todos. Mas
mesmo as pessoas que não o compreendem comentarão para alguém que
aquele indivíduo pensa isso e aquilo. Se a pessoa que ouve o comentário
tiver a “chama” acesa em seu interior, ela virá até a fonte. Além disso,
falando, o indivíduo ganha experiência. E devemos lembrar que as
pessoas mudam: quem hoje ouve falar de teosofia e não dá importância ao
assunto, talvez tenha amanhã um despertar interno que hoje não se pode
prever.
O que se pode fazer é “emitir o sinal” de modo claro, incondicionalmente, sem esperar nada em troca a curto e médio prazo.
O
teosofista que não compartilha com ninguém o modo como vê a vida não
poderá ser um sinal de luz para aqueles que aguardam – até sem saber –
por uma compreensão mais ampla das coisas.
A
chamada “evangelização” é um processo pelo qual alguém diz a uma pessoa
que ela deve acreditar e “ter fé” nisso ou naquilo. A teosofia, ao
contrário, convida as pessoas a pensarem sobre a vida e o universo. A
teosofia ensina as pessoas a examinarem profundamente as seguintes
questões, entre outras:
1) Em que sentido posso dizer que sou feliz?
2) Qual é a verdadeira causa do meu sofrimento?
3) De que modo tem funcionado a lei do carma em minha vida e em minha família?
4) Como posso plantar o que gostaria de colher?
5) Qual o caminho para obter uma felicidade de longo prazo, a felicidade da alma imortal?
Fazer
perguntas é uma boa maneira de conhecer as pessoas. Pequenas
oportunidades existem por toda parte; e é fácil criá-las, onde elas não
aparecem por si mesmas.
Tudo Está Interligado
Há
um momento em que distinguimos palidamente o que é correto e verdadeiro
para nós – e isso é bom. Num segundo momento, vemos com nitidez o que é
verdadeiro e correto, e ainda assim, entre ver e viver há uma
diferença.
A
visão de um ideal se caracteriza pela percepção daquilo que está a uma
certa distância de nós, mas para o qual podemos caminhar.
A
distância entre o sonho e a prática, entre a meta do estudante e o
ponto em que ele está, se relaciona com o processo probatório da
caminhada. A distância deve ser vista como um motivo para ir adiante. A
diferença entre sonho e realidade implica que há um sonho nobre a ser
buscado.
Como dar o passo que vai desde a nítida percepção do que é correto, até a vivência direta?
Ninguém
é uma ilha cármica. Tudo e todos se inter-relacionam. Se não emitirmos
nossa energia, ela não será confirmada. Robert Crosbie escreveu:
“Uma
vez que as ideias corretas estejam estabelecidas em nossas mentes, nós
poderemos ajudar o mundo falando sobre elas e exemplificando-as. Isso é
algo que nós podemos fazer, por mais egoísta que seja o modo do mundo se
movimentar.” [3]
Quando
compreendemos algo profundamente, o próximo passo é irradiar a
compreensão em direção ao mundo e assim confirmá-la. Assim “emitimos o
mantra”.
Isto
tem um momento próprio e adequado para ocorrer. Quando o discípulo está
pronto, ele percebe que a Inspiração Superior estava lá o tempo todo.
Assim que o filhote de pássaro amadurece, ele faz as devidas
considerações sobre o novo estágio do seu aprendizado. Em seguida, ele
se atira para fora do Ninho da Rotina e testa na prática os seus
conhecimentos sobre a arte de voar. Deste modo ele passa a conhecer a
sua própria força.
Construindo o Movimento Teosófico
Sendo
um processo vivo, o movimento teosófico reúne em seu corpo físico
células que nascem, células que morrem, e células que se renovam. A
expansão da vida é um processo que pode ser compreendido, e Helena
Blavatsky escreveu:
“Para
a expansão do movimento teosófico – um canal útil para a irrigação dos
campos ressequidos do pensamento contemporâneo com as águas da vida –
Lojas são necessárias em todo lugar. Não meramente grupos de
simpatizantes passivos, assim como os exércitos adormecidos de
frequentadores de igrejas, cujos olhos estão fechados enquanto o
‘demônio’ varre o chão; não, isso não. São necessárias Lojas ativas,
profundamente despertas, dedicadas, inegoístas, cujos membros não
estarão revelando constantemente o seu próprio egoísmo ao perguntar: ‘o
que é que nós ganhamos ao aderir à sociedade teosófica, e em que isso
pode nos prejudicar?’; mas estarão examinando a seguinte questão: ‘será
que nós podemos ajudar substancialmente a humanidade ao trabalhar por
esta boa causa com todos nossos corações, nossas mentes, e nossas
forças?’.”[4]
A
ação nem sempre será fácil. O trabalhador voluntário será testado pela
pressa ou pela rotina, pelo excesso de confiança ou pela falta de
confiança; pela cobiça ou pelo desânimo.
Em
relação ao surgimento de dificuldades, William Judge alertou: “Não
fique desencorajado. Não há motivo para isso. Nada que é feito com
facilidade é realmente muito bom, ou durável. Deve haver aborrecimentos e
tensões de vez em quando.” [5]
Todo processo vivo inclui tensões criativas. A função dos obstáculos é fortalecer a vontade espiritual.
Como Ajudar na Prática
A
Loja Independente de Teosofistas leva em consideração o fato de que,
desde a fundação do movimento teosófico em 1875, uma lei básica tem
operado constantemente:
“É fazendo que se aprende”.
O
estudante não deve enganar a si mesmo alimentando a ideia de que a
aprendizagem é apenas intelectual. A aprendizagem só começa quando o
intelecto é colocado a serviço do coração. Sem a prática solidária, o
aprendiz fica limitado ao plano do “ouvir dizer”.
A ação deve combinar independência, discernimento e solidariedade.
Como
então é possível ajudar com equilíbrio e discernimento o esforço que
está sendo posto em movimento através da Loja Independente de
Teosofistas e dos seus websites e e-grupos associados?
Há
muitas pequenas frentes de ação e esforço. Elas vêm sendo criadas a
partir dos talentos e das circunstâncias que cada estudante já possui.
Carlos Cardoso Aveline
NOTAS:
[1] “Zen Buddhism and Psychoanalysis”, D.T. Suzuki, E. Fromm, and R. De Martino, Evergreen-Harper, 1960, 180 pp., ver p. 13.
[2]
“A Voz do Silêncio”, Helena Blavatsky, primeira metade do Fragmento II,
aforismo 136, edição online em nossos websites associados. Na edição
original em inglês, “The Voice of the Silence”, HPB, Theosophy Co., Los
Angeles, pp. 33-34.
[3]
“A Book of Quotations”, Robert Crosbie, Theosophy Co., Mumbai, Índia,
108 pp., ver p. 52. A obra está publicada em nossos websites
associados.
[4]
“Lodges of Magic”, artigo publicado em “Theosophical Articles”, H. P.
Blavatsky, coletânea em três volumes, Theosophy Co., Los Angeles, volume
I, ver p. 290.
[5] “Letters That Have Helped Me”, William Q. Judge, Theosophy Co., Los Angeles, 1946, 300 pp., p.168.
https://www.filosofiaesoterica.com
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