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sábado, 3 de fevereiro de 2018

O QUE FAZER COM A DOR 
DA SOLIDÃO


Não é muito estranho que num mundo como este com tantas distrações e entretenimentos, quase todos sejam só espectadores e muito poucos os atuantes? Sempre que temos algum tempo livre, buscamos alguma espécie de distração. Apanhamos um livro sério, um romance, uma revista. Se estamos na América, ligamos o rádio ou a televisão, ou nos comprazemos em intermináveis conversas. Há o constante desejo de nos divertirmos, nos entretermos, fugirmos de nós mesmos. Temos medo de estar sós, desacompanhados, provados de distrações. Pouquíssimos dentre nós saímos a passear no campo ou na floresta — não conversando nem cantando cantigas, porém, andando tranquilamente e observando as coisas ao redor e dentro de nós. Quase nunca fazemos isso, porque quase todos vivemos sumamente entediados; vemo-nos colhidos numa estúpida rotina de aprender e ensinar, de deveres domésticos e profissionais e, por isso, em nossas horas de folga queremos distrair-nos, fútil ou seriamente. Tratamos de ler alguma coisa, de ir ao cinema; ou, o que é a mesma coisa, recorremos a uma religião. A religião se tornou também uma forma de distração, uma espécie de fuga “séria”, ao tédio, à rotina.


Não sei se você já notou estas coisas. A maioria das pessoas está constantemente ocupada com alguma coisa — rituais, recitação de certas palavras, preocupações a respeito disto ou daquilo — porque todos têm medo de estar a sós consigo mesmos. Experimente estar só, sem distração alguma, para ver como logo deseja fugir de si mesmo e esquecer o que você é. Eis a razão por que essa enorme estrutura de diversão comercializada, de distração automatizada, se tornou parte tão relevante dessa coisa que chamamos civilização. Se você observar, verá que no mundo inteiro as pessoas estão se tornando cada vez mais distraídas, cada vez mais afetadas e mundanas. A multiplicidade de prazeres, os inumeráveis livros que se vão publicando, as páginas de jornais cheias de notícias esportivas — não há dúvida que tudo isso indica que estamos constantemente necessitados de distrações. Porque interiormente somos vazios, embotados, medíocres, nos servimos de nossas relações e de nossas reformas sociais como meio de fugirmos de nós mesmos. Não sei se você já notou a grande solidão em que vive a maioria das pessoas. E, fugindo da solidão, corremos para os templos, as igrejas, as mesquitas, nos vestimos a rigor para assistir a solenidades sociais, vemos televisão, ouvimos rádio, lemos, etc. etc.

Você sabe o que significa solidão? Esta palavra poderá ser pouco familiar para você, mas você conhece muito bem o sentimento. Experimente sair sozinho para passear, ou estar sem um livro, sem alguém com quem conversar, para ver com que rapidez você fica entediado. Você conhece suficientemente esse sentimento, mas não sabe por que se entedia, pois nunca investigou isso. Se você investigar um pouco o sentimento de tédio, descobrirá que sua causa é a solidão. É para fugir da solidão que procuramos andar juntos, que desejamos entretimentos, distrações de todos os gêneros: gurus, cerimônias religiosas, orações, ou novos romances. Vendo-nos interiormente sós, tornamo-nos na vida meros espectadores; e só seremos “os atuantes” quando compreendermos a solidão e a transcendermos.

Afinal de contas a maioria das pessoas se cansa e procura outras relações sociais porque não sabe viver só. Não estou dizendo que se deva viver só; mas, se uma pessoa se casa porque deseja ser amada — ou, sentindo-se entediada, se serve do trabalho como meio de esquecimento próprio — verá como sua vida inteira nada mais é do que uma interminável busca de distrações. São muito poucos os que transcendem esse extraordinário medo da solidão; mas é preciso transcendê-lo, porque é além que se encontra o verdadeiro tesouro.

Você deve saber que há uma vasta diferença entre solidão e “estar só”. Alguns dos alunos mais novos ainda devem desconhecer a solidão, mas os mais velhos a conhecem: o sentimento de completo isolamento, de medo súbito sem causa aparente. A mente conhece esse medo quando, em dado momento, compreende que em nada pode confiar, que nenhuma espécie de distração poderá tirar-lhe aquele sentimento de vazio e de enclausuramento em si própria. Isso é solidão. Mas “estar só” é coisa totalmente diferente; é um estado de liberdade, que surge depois de termos passado pela solidão e a termos compreendido. Nesse “estar só”, de ninguém dependemos psicologicamente, porque já não buscamos o prazer, o conforto, a satisfação. É só então que a mente está completamente só, e só essa mente é criadora.

Tudo isso faz parte da educação: enfrentar a dor da solidão, aquele extraordinário sentimento de vazio que todos conhecemos e, quando ele se apresenta, não ter medo, não ligar o rádio, não correr para o cinema, porém, enfrenta-lo, penetrá-lo, compreendê-lo. Não há ente humano que não tenha sentido ou não venha a sentir essa tremenda ansiedade. É porque, toda vez que essa ansiedade se apresenta, tratamos de fugir por meio de distrações e satisfações de todos os gêneros — sexo, Deus, trabalho, bebida, escrever poesias ou recitar certos mantras aprendidos de cor — que nunca chegamos a compreendê-los.

Assim, quando a dor da solidão lhe assaltar, enfrente-a, olhe-a, sem nenhuma ideia de fuga. Se fugir, jamais a compreenderá e ela estará sempre à sua espera, em cada volta do caminho. Mas, se você puder compreender e transcender a solidão, verá que não haverá nenhuma necessidade de fugir, nenhuma ânsia de satisfação ou entretenimento, porque sua mente conhecerá então uma riqueza incorruptível e indestrutível.

Tudo isso faz parte da educação. Se na escola você só estuda certas matérias para passar nos exames então, o próprio estudo se torna um meio de fuga à solidão. Reflita um pouco sobre isso e verá. Converse sobre o assunto com os seus educadores, e logo verá o quanto você está só, e o quanto eles também estão sós. Mas, os que estão interiormente sós, aqueles cuja mente e cujo coração estão livres da dor da solidão — esses é que são indivíduos reais, porque são capazes de descobrir por si próprios o que é a Realidade, e de receber o Atemporal.


 
Krishnamurti – A cultura e o problema humano
http://pensarcompulsivo.blogspot.com.br




Arthur Schopenhauer afirmou acertadamente que "Cada um fugirá, suportará ou amará a solidão na proporção exata do valor da sua personalidade. Pois, na solidão, o indivíduo mesquinho sente toda a sua mesquinhez, o grande espírito, toda a sua grandeza; numa palavra: cada um sente o que é". Admiro Clarisse Lispector quando diz: "... Que a solidão me sirva de companhia. Que eu tenha a coragem de me enfrentar. Que eu saiba ficar com o nada e, mesmo assim, me sentir como se estivesse plena de tudo". Creio que temos medo da plenitude, preferimos viver na mesquinhez. Mas não importa quanto tempo, quantas vidas haveremos de viver para chegarmos a plenitude; um dia a encontraremos; ela faz parte do caminho. Mas para isso teremos que compreender a solidão.



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