É POSSÍVEL MORRER
PARA O PRAZER E A DOR ?
A maioria de nós deseja uma vida que
tenha continuidade, ou seja tempo e espaço. A morte, portanto, é uma
coisa horrorosa, que se deve evitar, e a vida algo que cumpre prolongar
com auxílio de medicamentos, de médicos, etc. Ou, ante a inevitabilidade
da morte, dizemos: "Quero crer em alguma coisa: que eu continuarei
existente e vocês continuarão existentes, sempre no espaço".
(...) E a morte... por que tanto medo da morte? Esse medo existe não só
para os velhos, porém para todos. Por quê? E, sentindo medo, inventamos
teorias agradáveis e confortadoras: reencarnação, karma,
ressurreição, etc. etc. É ao medo que cumpre compreender... mas não
voltemos a questão do medo. Estamos tentando compreender o que significa
morrer.
A maioria de nós deseja continuidade física — lembranças de coisas
passadas, esperanças, satisfações, preenchimentos; vivemos, em geral,
com nossas lembranças, associações, quadros, retratos. E tudo pode
findar, ao perecer o corpo físico. Isto é muito perturbador. Já vivi
tanto — cinquenta ou sessenta anos; tenho lutado para cultivar certas
virtudes, adquirir conhecimentos; e que vale a vida, se tenho de
separar-me de tudo, acabar num dado momento? origina-se assim, o
tempo espaço. Entendem? Tempo, compreendido como espaço e distância. Mas
tudo o que tem continuidade, que não conhece o findar, não pode
renovar-se nunca, ser jovem viçoso, "inocente". Só aquilo que morre tem a
possibilidade de conhecer a criação, de ser novo, fresco. Assim, é
possível morrer em vida, conhecer a vitalidade,
a energia da morte, com todos os sentidos plenamente despertos? Que
significa morte? Não a morte de velhice, doença ou acidente, porém a
morte de uma mente em plena atividade, que provou, que experimentou e
adquiriu conhecimento; quer dizer, a morte do passado? Compreende?
Não sei se já alguma vez experimentaram — ainda que por divertimento —
morrer para todas as coisas que conhecem. Dirão, então: "Se morro para
todas as minhas lembranças, para minha experiência, meu saber, meus
retratos, meus símbolos, meus apegos e ambições, o que resta? Nada. Mas,
para saber o que é a morte, a mente, por certo, deve estar reduzida a nada.
Consideremos uma coisa. Já experimentaram morrer, não só para o
sofrimento, mas também para o prazer? Desejamos morrer para o
sofrimento, para as lembranças desagradáveis; mas morrer também para o
prazer, as alegrias, as coisas que lhes conferem um extraordinário senso
de vitalidade — já experimentaram isso? Se o fizerem, verão que se pode
morrer para o passado. Morrer para todas as coisas, de modo que, ao se
dirigirem para o escritório, para o trabalho, tenham a mente nova — por
certo, isto é amor e não as coisas lembradas.
Assim, a mente foi construída através do tempo; a mente é tempo. Todo o
pensamento molda a mente no tempo. E para não ser moldado pelo tempo, o
pensamento deve cessar completamente. Não um cessar forçado, um cessar
mecânico, não uma interrupção, porém o findar consistente em perceber a
verdade de que ele deve cessar.
Assim, para sabermos o que é a morte, precisamos "viver com a morte". Se
desejam conhecer uma criança, precisam viver com a criança, e não ter
medo dela. Mas, em maioria, nós morremos mil mortes, antes da morte
real. "Viver com a morte" é morrer para o ontem, de modo que o ontem não
produza marca no dia de hoje. Experimente-o. Percebendo-se o que há de
verdadeiro nisso, tem então o viver um significado todo diferente; não
há então separação entre o viver e o morrer e a morte. Mas, nós temos
medo de viver e temos medo de morrer; e não compreendemos nem o viver,
nem a morte. Para "vivermos com uma coisa" temos de amá-la; e amar é
morrer para ontem — porque então se pode viver. Viver não é continuidade da memória, ou voltar ao passado, dizendo: "Como eu era feliz na minha infância!"
Não conhecemos a morte e não conhecemos a vida. Conhecemos as agitações,
as ansiedades, as "culpas", os temores, as terríveis contradições e
conflitos; mas não sabemos o que é viver. E só conhecemos a morte como
coisa aterrorizante, temível; a afastamos do pensamento e evitamos falar
a respeito dela, buscamos refúgio numa dada crença, como sejam discos
voadores, reencarnação ou outra coisa qualquer.
Há, pois, um morrer e, portanto, um viver,
quando o tempo, o espaço e a distância são compreendidos em termos do
"desconhecido". Ora, nossa mente funciona sempre no campo do
"conhecido", e nós nos movemos do conhecido para o conhecido; e nada
mais conhecemos; e quando a morte interrompe esta continuidade "do
conhecido para o conhecido", nos aterrorizamos e nenhum consolo
encontramos. O que desejamos é consolo, não a compreensão de algo que
não conhecemos, não o viver com algo que não conhecemos.
Assim, o conhecido é o "ontem". Eis tudo o que sabemos. Não sabemos o que é o "amanhã". Projetamos o passado, através do presente, no futuro; e daí nasce a esperança e o desespero. Mas, para compreender realmente a coisa chamada "morte", que deve ser algo extraordinário, incognoscível, impensável, inimaginável, precisamos procurar conhecê-la, "viver com ela", precisamos nos chegar a ela, sem conhecimento e sem medo. E eu digo que isso é possível, que uma pessoa pode morrer para todos os dias passados. Afinal de contas, todos os dias passados são constituídos de prazer e de dor. E quando morremos para o passado, a mente está vazia; e, assustando-se com esse vazio, ela de novo começa a se mover de um conhecido para outro. Mas, se se puder morrer para o prazer e a dor — não determinado prazer ou determinada dor — a mente está então fora do tempo e do espaço. E essa mente contém então o tempo e o espaço, sem o conflito do tempo e do espaço, não sei se estão compreendendo. Nossa linguagem é muito limitada. Vejamos se sobre isso podemos conversar.
Assim, o conhecido é o "ontem". Eis tudo o que sabemos. Não sabemos o que é o "amanhã". Projetamos o passado, através do presente, no futuro; e daí nasce a esperança e o desespero. Mas, para compreender realmente a coisa chamada "morte", que deve ser algo extraordinário, incognoscível, impensável, inimaginável, precisamos procurar conhecê-la, "viver com ela", precisamos nos chegar a ela, sem conhecimento e sem medo. E eu digo que isso é possível, que uma pessoa pode morrer para todos os dias passados. Afinal de contas, todos os dias passados são constituídos de prazer e de dor. E quando morremos para o passado, a mente está vazia; e, assustando-se com esse vazio, ela de novo começa a se mover de um conhecido para outro. Mas, se se puder morrer para o prazer e a dor — não determinado prazer ou determinada dor — a mente está então fora do tempo e do espaço. E essa mente contém então o tempo e o espaço, sem o conflito do tempo e do espaço, não sei se estão compreendendo. Nossa linguagem é muito limitada. Vejamos se sobre isso podemos conversar.
Krishnamurti em, O PASSO DECISIVO
Fonte:pensarcompulsivo
"Se você tiver medo da dor permanecerá hipnotizado; ficará velho e morrerá. Perdeu uma oportunidade. Se você quiser estar consciente, então terá de estar consciente da dor e do prazer; eles não são fenômenos separados. E um homem que se torna consciente se torna muito feliz, mas também capaz de profunda infelicidade da qual você não é capaz". (Osho)
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