A ATENÇÃO É A ALMA
DO PENSAMENTO E A RAIZ
DA PERCEPÇÃO
(...) Aparentemente esse esforço no sentido de contemplar o pensamento
do Eu é inexequível como tentar agarrar a própria sombra. O pensamento
do Eu é o mínimo irredutível a que podem chegar as indagações de um
homem — estando o ego em repouso. O caráter do pensamento do Eu só pode
ser determinado observando a revelação por ele feita da sua natureza.
Trata-se de uma tarefa que só poderá ser feita a partir da abstração de
todos os demais pensamentos. Talvez a Natureza não permita que uma tal
tentativa seja bem sucedida por mais de um instante, mas esse instante
deve bastar para que se tenha uma rápida visão do eu real, o eu tal como
ele é à sua própria luz.
Se examinarmos com cuidadosa concentração o curso da nossa vida Interior
e observarmos o nascimento de um pensamento, o que de fato poderemos
fazer nos momentos de quietude mental, se nos dissociarmos assim da
inerência no intelecto propriamente dito, descobriremos que aquilo que
dá realidade, vida e valor ao pensamento é uma consciência atenta.
Sem o poder de emprestar atenção a alguma coisa o homem não teria
existência consciente em nenhum mundo: físico, intelectual ou
transcendental. A importância da atenção não pode ser subestimada.
Na verdade, a atenção é a alma do pensamento e a raiz da percepção.
Quando voltada para o exterior, permite-nos tomar consciência do mundo
externo ao mesmo tempo em que ilumina os objetos. Por isso, sem enfocar
no interior a faculdade da atenção, jamais poderemos esperar conhecer o
reino oculto por detrás dos pensamentos — o reino do ser espiritual, o
eu real.
Faz-se necessária uma mudança do campo de observação para que possamos
efetuar essa descoberta. O hábito mantém nossas atenções inteiramente
voltadas para o campo das coisas externas e para o mundo mental
correspondente que delas decorre. As imagens que têm sua origem, direta
ou não, neste campo nos assaltam de forma tão incessante a ponto de
impedir que o eu tome consciência da sua própria natureza. A nossa mente
se encontra perenemente viajando. Mas, se nos recusássemos a permitir
que a nossa atenção corresse sempre para essas imagens mentais,
libertando a mente para estudar-se a si mesma, automaticamente nos
libertaríamos das limitações do intelecto e deparar-nos-íamos com
horizontes mais nobres. O hábito que nos obriga a adotar um ponto de
vista materialista a respeito do universo existe dentro de nós,
observadores que somos, se tal hábito pudesse ser interrompido — e pode —
um universo espiritual poderia então revelar-se à nossa atenção
interiorizada. Enquanto vivermos absorvidos
na multidão dos pensamentos será impossível, ou extremamente difícil,
asseverar aquilo que se acha por detrás do pensamento.
É preciso estudar o funcionamento da mente, reconhecer a sua dependência
final da atenção, e a seguir aproveitar ao máximo esse conhecimento.
Que melhor aproveitamento poderia ser encontrado do que o preenchimento
do vácuo entre os pensamentos e a alma e do que o ganho daquela
maravilhosa compreensão que tal preenchimento nos promete?
O tipo de atenção que torna possível o pensamento precisa ser desviado
do mundo exterior para o interior, pois é o único meio de acesso ao eu
fundamental. Dirigida para o recesso do ser, a atenção nos permite
contemplar nossa própria significação à luz que emana do eu. A atenção é
de fato uma manifestação da essência do homem, daquela alma que
sobrepaira o intelecto, o sentimento e o corpo. Se nos fosse possível
cultivar nossa atenção de maneira a dominá-la completamente, não nos
seria preciso outro recurso para chegarmos às mais elevadas verdades
espirituais e psicológicas, ou para descobrirmos os segredos da vida, do
sono e da morte.
A providência seguinte será, então, isolar esse pensamento do Eu com
toda a força da nossa atenção e conservá-lo cativo durante algum tempo; e
preciso que penetremos no seu segredo e forcemos a obtenção da resposta
a esta pergunta: "Que sou eu?”
Pois a lógica, como quase sempre sugere a experiência no estado
desperto, já não pode fornecer uma solução; chegou a um impasse e não
mais pode avançar. A argumentação só serviu para nos convencer de que o
eu está além de qualquer argumentação, pois está além do intelecto. A nossa busca só termina com a percepção direta do eu.
Assim o leitor foi conduzido, como que por um tênue fio, através do
mundo do intelecto até a fronteira daquele esplendor maravilhoso que
existe no seu âmago. Mostrou-se-lhe algo que até então ele talvez não
houvesse sequer haver suspeitado: que assim como o mundo externo deve
ser alcançado através dos órgãos sensoriais, assim também
o mundo interior da alma deve ser alcançado pela faculdade de uma
consciência atenta, liberta da tirania dos pensamentos aleatórios, dos
sentimentos flutuantes e das sensações externas.
Mas desenredar e encarar o pensamento do Eu não significa pensar no
assunto. Não se chega a tanto fazendo declarações mentais ou inferências
a respeito. Embora a seqüência de auto-observações críticas e
argumentos lógicos tenha sido vital para nos fazer chegar a este ponto,
ela só servirá, caso seja levada ainda mais adiante, para obstar o nosso
progresso.
A atividade mental precisa agora ceder diante da quietude mental. Tão
logo nos entregamos a tal processo somos de novo desviados do caminho e
atirados de volta na sempre presente seqüência de pensamentos e idéias
que nos mantém afogados em sensações múltiplas e nos impede de chegar ao
eu.
A única maneira de penetrar e captar o pensamento do Eu a esta altura é abandonar todo o raciocínio divagador a
respeito. O que se requer é apenas uma atenção total, restrita ao campo
da autoconsciência e mantida sempre sobre si mesma, sobre o Eu nela
mesma.
Mostrou-se que a atenção é a alma inerente ao pensamento, e está por
isso um degrau acima do pensamento. Em conseqüência, apenas uma atenção
redobrada e concentrada pode contemplar o pensamento do Eu.
Na prática, o pensamento não pode contemplar-se a si mesmo a menos que
se coloque num posto de observação mais alto. Mas tão logo o consiga é
preciso que modifique a sua natureza e se transforme em atenção pura.
Qual o significado de todas estas declarações? Qual a momentosa
implicação anterior a estas observações do processo do pensamento, elas
próprias o resultado de um exame atento por parte de antigos videntes e
sábios?
Eis a resposta: o ato de pensar consuma-se em seu grau mais elevado como
atividade quando chega ao ponto de considerar o pensamento do eu,
atendo-se firmemente ao eu, mas deixando de lado o processo normal de
logicidade de raciocínio. Mas a capacidade de controlar o fluxo dos pensamentos precisa ser conquistada antes que nos possamos aproximar do sentido do eu e percebê-lo sem disfarces sob o complexo das ondas mentais.
O destino certo do pensamento é atingido quando para aqui, quando se
enquadra na compreensão de que precisa ser agora subjugado e dar lugar à
faculdade mais sutil da atenção pura, diretamente ligada ao ego e
apenas a ele; dar lugar a uma consciência fixa que não salta de ideia
para ideia, mas se prende de forma irresistível ao pensamento primordial
do homem.
Por isso, todos os pensamentos aleatórios precisam também desaparecer
antes que possamos avançar ainda mais no sentido da natureza do eu. Aí
então temos o direito de esperar que o eu oculto se mostre
espontaneamente. E não precisamos supor esse eu como uma invenção da
imaginação metafísica. Pelo contrário, uma vez que ele é o centro mais
recôndito que vibra antes e durante o raciocínio, o sentimento e a ação,
deve ser também a mais alta intensidade da nossa vida individual.
A própria busca da compreensão dessa fonte misteriosa em que se origina o
pensamento ajuda a preparar a única condição dentro da qual a
compreensão é possível — a condição de uma atenta observação voltada
para o interior que permite à consciência, ainda que por breve espaço de
tempo, deixar de entregar-se à sua costumeira atividade de pensar.
É preciso que tornemos a nossa atividade cerebral afiada como uma navalha e para tanto necessitamos acalmá-la. Quando
todos os pensamentos se aquietam e a mente chega à tranquilidade total,
então esta pode contemplar o seu próprio eu com plena consciência, mas não antes disso.
Assim o nosso pensamento se voltou no sentido de si mesmo. Tal não teria
sido possível já no princípio da nossa busca. Primeiramente foi preciso
separar o pensamento do corpo e fazer com que ele encarasse sua vida
corporal como algo externo a si. A seguir foi necessário que o
pensamento examinasse a natureza emocional e constatasse que também esta
é estranha a si. Por fim o pensamento examinou-se a si mesmo e aprendeu
a encarar as miríades de pensamentos como alguma coisa objetiva. O
segredo da penetração no eu mais profundo envolve assim a drenagem da
atenção do mundo externo para o mundo interior. Para dizer a verdade,
esse eu não poderia viver atrás de nós, mas sim dentro de nós.
Não há o receio de sermos conduzidos a uma região de pura fantasia,
desde que a nossa orientação seja adequada, pois nada pode estar mais
perto, ser mais íntimo e mais real do que o nosso próprio eu. Quando Ali, parente de Maomé, perguntou-lhe: "Que devo fazer para não
perder o meu tempo”, o profeta árabe lhe respondeu: "Aprende a
conhecer-te a ti mesmo!" Um conselho inestimável. Por quê? Que o próprio
Maomé responda através das suas palavras inseridas no Corão: "Aquele
que compreende a si próprio compreende o seu Deus”.
Acontece que a asserção bíblica de que o homem foi feito à imagem de
Deus é verdadeira, mas tal imagem está dentro do homem. Não se trata de
nenhum absurdo. Deus está sempre dentro do homem, da mesma forma pela
qual o homem está dentro de Deus. Aceitar esta afirmação com enfadada
resignação, como fazem aqueles que não conseguem compreender as suas
implicações, é uma coisa; senti-la como uma realidade viva, uma força
divina, é outra.
Paul Brunton no livro "A BUSCA DO EU SUPERIOR", Editora pensamento páginas 87 a 90
Fonte: pensarcompulsivo
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