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quinta-feira, 23 de março de 2017

O CÂNTICO QUE NÃO CANTEI



Quisera cantar-te um cântico, meu eterno Anônimo,
Terrífico e suave como a noite estrelada –
Um cântico que te revelasse
Toda a plenitude do meu silêncio,
Desse silêncio, sempre em gestação
De algo que não nasce...
Quisera cantar-te um hino que te dissesse
Tudo que sei e tudo que sou,
Tudo que sou em ti,
Tudo que tu és em mim...
Mas, quando iniciei o meu cântico,
A ti, meu eterno Anônimo,
Morreu-me nos lábios o primeiro hálito
Da audaciosa aventura...
Profanidade e profanação seria
Toda palavra que eu te dissesse...
Por isto, convidei o mais profundo abismo do meu Ser
Para cantar-te a sacra liturgia do meu silêncio,
Meu eterno Anônimo...
Terrífico e suave como a noite estrelada...
Assim, se não digo o que tu és,
Não digo ao menos o que não és...
Ouve, pois, a sacralidade do meu silêncio,
Que nasceu no coração tropical do Saara
E habita nos glaciares do Himalaia...
Não, não quero falar de ti,
Quero calar diante de ti...
Falar é profano,
Calar é sagrado.
Falar é uma tentativa estéril de eu me aproximar de ti,
Calar é uma realidade fecunda de tu te aproximares de mim...
O meu falar te afugenta de mim,
O meu calar te atrai a mim...
Há tempo que fiz esta grande descoberta:
Que a faminta vacuidade do meu silêncio
Atrai a plenitude do teu Verbo...
E o teu Verbo se faz carne em mim,
Cheio de graça e de verdade...
Na meia-noite do meu silêncio
Nasce o teu Verbo em mim
Assim como a luz incolor é a plenitude das cores,
Assim é o meu silêncio a plenitude do teu Verbo.
Quando o meu silêncio desce ao nadir da sua impotência,
Então o teu Verbo ascende ao zênite da sua potência...
E das trevas do meu abismo
Contemplo os astros do teu céu...
Meu eterno Anônimo,
Terrífico e suave como a noite estrelada...
Ouve o cântico que não te cantei,
O cântico do meu silêncio,
Em arroubos de amor
E de adoração... 


 Huberto Rohden, em A Voz do Silêncio



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