DEIXE UMA METADE
DO SEU LIVRO ABERTO
Não vou dizer que a sua vida deveria
ser um livro aberto. Alguns capítulos abertos, tudo bem. E alguns
capítulos totalmente fechados, um mistério total. Se todo o seu livro
estiver aberto, você será unicamente o dia sem noite, verão sem inverno.
Onde poderá descansar, concentrar-se e procurar refúgio? Para onde
poderá ir quando o mundo se tornar insuportável? Onde ir para orar e
meditar? Não, metade de cada é perfeito.
Deixe uma metade do seu livro
aberta — aberta a toda a gente, à disposição de toda a gente — e deixe
que a outra metade do seu livro seja tão secreta que só alguns
raros convidados possam ter acesso. Só muito raramente será permitido
que entrem no seu templo. É assim que deverá ser. Se houver uma multidão
a entrar e a sair, então o templo deixará de ser um templo. Poderá ser
uma sala de espera num aeroporto, mas não poderá ser um templo. Só
raramente, muito raramente, deixe que alguém entre no seu eu. É isso que
é o amor.
Temos sempre vivido com os outros. A partir do momento em que a criança
deixa o ventre materno, nunca está sozinha — está com a mãe, com a
família, com os amigos, com as pessoas. O círculo dos conhecidos, das
amizades, das relações vai-se alargando e à sua volta junta-se uma
multidão. É a isso que chamamos vida. E quantas mais pessoas houver na
sua vida, mais você julga que tem uma vida cheia.
Quando começa a interiorizar-se, todos esses rostos começam a
desvanecer-se, toda essa multidão se dispersa. Terá de dizer adeus a
toda a gente: até aos seus amigos mais íntimos, ao seu amante, terá de
dizer adeus. Chega um momento em que nem sequer o seu amante poderá
estar consigo. Esse é o momento em que você volta a entrar no mesmo
espaço, como se estivesse no ventre da sua mãe. Mas nessa altura não
conhecia a multidão e por isso nunca se sentia sozinho. A criança
sente-se perfeitamente feliz no ventre da mãe, porque não existe
comparação, tudo é alegria. E como não conhece o outro, não pode
sentir-se triste ou só — não tem qualquer ideia. Esta é a única
realidade que a criança conhece.
Mas agora você conhece a multidão, as relações, as alegrias e as
misérias das relações, e ambas estão presentes. Ao interiorizar-se, o
mundo começa a desaparecer, torna-se como um eco, e em breve até o eco
desaparece e a pessoa sente-se completamente perdida. Mas isso não passa
de uma interpretação. Se conseguir continuar ainda mais um pouco,
encontrar-se-á a si próprio de repente — pela primeira
vez encontrar-se-á a si próprio. Depois terá uma surpresa: você andava
perdido na multidão; agora já não está perdido. Andava perdido na selva
das relações e agora voltou para casa. E depois pode novamente regressar
ao mundo, mas nunca mais será o mesmo.
Relacionar-se-á, mas ficará independente; amará, mas o seu amor não será
uma necessidade; amará, mas não possuirá nem será ciumento. E o amor é
divino quando está isento de sentimentos de ciúme e de posse. Você
estará com as pessoas. De fato, só então estará com as pessoas pelo que
você é; então pode estar com as pessoas. Primeiro, não estava, pelo que
qualquer ideia de estar com as pessoas era puramente ilusória, uma
espécie de sonho.
A menos que assim seja, como pode você relacionar-se e estar com o outro? É unicamente uma ficção que nós criamos; é uma ilusão.
A menos que esteja centrado, a menos que saiba quem você é, não
pode relacionar-se verdadeiramente. Todo o relacionamento que continua
sem o autoconhecimento é apenas uma ilusão. O outro pensa que está a
relacionar-se consigo, você pensa que está a relacionar-se com ele; nem
você se conhece a si próprio nem o outro se conhece a si próprio. Então
que é que se relaciona com quem? Não há ninguém! Apenas duas sombras a
brincarem. E ambos são sombras, pelo que não há substância no
relacionamento.
É isso que vejo constantemente: as pessoas
relacionam-se, mas não há nada de substancial. Relacionam-se porque têm
medo de, se não se relacionarem, cair na solidão e de se sentirem
perdidas, por isso saltam para uma nova relação. Qualquer tipo de
relacionamento é melhor do que nenhum relacionamento; é bom, nem que
seja uma inimizade; pelo menos a pessoa sente-se ocupada. O seu suposto
amor não é mais do que uma espécie de inimizade, uma maneira delicada de
lutar, de se debater, de dominar, uma maneira civilizada de se torturar
um ao outro, de discutir.
Portanto, você tem de entrar nesse espaço. Ganhe coragem e entre nele.
Mesmo que pareça muito triste e muito solitário, não há nada a temer;
temos de pagar esse preço. E uma vez alcançada essa fonte, tudo mudará
completamente e sairá de lá como um indivíduo. Essa é a diferença que
faço entre um indivíduo e uma pessoa: uma pessoa é um fenômeno falso, um
indivíduo é uma realidade. As pessoas, as personalidades, são máscaras,
são sombras; a individualidade é substância, é realidade. E só os
indivíduos se podem relacionar, podem amar — as pessoas podem unicamente
brincar.
O amor é um estado de consciência em que você se sente exultante, em que
há uma dança em todo o seu ser. Algo começa a vibrar, a irradiar, a
partir do seu centro; algo começa a pulsar à sua volta. E começa a
atingir as pessoas: pode atingir as mulheres, pode atingir os homens,
pode atingir as rochas e as árvores e as estrelas.
Quando me refiro ao amor, refiro-me a esse amor: um amor que não é um
relacionamento mas sim um estado do ser. O relacionamento é apenas um
aspecto muito menor do amor. Mas a ideia que você faz do amor é
basicamente a do relacionamento, como se isso fosse tudo.
O relacionamento só é necessário porque você não consegue estar sozinho,
porque não é ainda capaz de meditar. Daí que a meditação seja
imprescindível antes de poder amar realmente. Uma pessoa deveria ser
capaz de estar sozinha, completamente sozinha, e apesar disso ser
imensamente afortunada. Então poderá amar. Então o amor deixa de ser uma
necessidade e passa a ser uma partilha. Não se fica dependente daquele
que se ama.
Mas o que geralmente acontece no mundo é o seguinte: você não tem amor, a
pessoa que você pensa amar também não tem amor no seu ser, e ambos se
encontram a pedir amor um ao outro. Dois pedintes a pedirem um ao outro!
Daí as guerras, os conflitos, as disputas constantes entre os
amantes — sobre coisas banais, irrelevantes, estúpidas! A disputa básica
é o marido a pensar que não recebe aquilo a que tem direito e a mulher a
pensar que não recebe aquilo a que tem direito. A mulher a pensar que
está a ser enganada e o marido a pensar que está a ser enganado. Onde
está o amor? Ninguém se preocupa em dar, toda a gente quer receber. E
quando todos correm atrás do receber, ninguém recebe. E todos se sentem
perdidos, vazios, tensos.
O que falta é o alicerce básico, você começou a construir o templo sem
os alicerces. E ele vai cair, vai-se desmoronar a qualquer instante. E
você bem sabe quantas vezes o seu amor ruiu e no entanto, continua a
fazer as mesmas coisas vezes sem conta. Quanta ignorância... Não vê o
que tem andado a fazer à sua vida e à vida dos outros. Continua a
repetir o mesmo padrão, como um robô, sabendo perfeitamente que já fez
as mesmas coisas antes. E sabe quais foram os resultados, e bem no fundo
sabe que tudo acontecerá da mesma maneira — porque não há qualquer
diferença. Está a preparar-se para a mesma conclusão, para o mesmo
colapso.
Se tiver de aprender alguma coisa com os fracassos do amor, então que
seja como se tornar mais consciente, mais meditativo. E por meditação
entendo a capacidade de se sentir ditoso sozinho. Muito poucas pessoas
são capazes de se sentir ditosas sem qualquer razão
especial — simplesmente sentarem-se caladas e ditosas! Os outros julga-las-ão doidas, porque a ideia de felicidade é que ela tem de nos
vir a partir de outra pessoa. Você conhece uma mulher bonita e sente-se
feliz ou conhece um belo homem e sente-se feliz. Mas ficar silencioso no
seu quarto e sentir-se tão ditoso, tão feliz? Não deve regular muito
bem! As pessoas pensarão que estará drogado, com uma pedrada. Sim, é
verdade, a meditação é o LSD primário, é libertar os seus poderes psicodélicos. É libertar os seu próprio esplendor prisioneiro. E você
fica tão feliz, nasce em si uma tal festa que não precisa de nenhum
relacionamento. E contudo pode relacionar-se com as pessoas... e é essa a
diferença entre relacionar-se e ter um relacionamento.
O relacionamento é uma coisa: você agarra-se a ele. Relacionar-se é um
fluir, um movimento, um processo. Você conhece uma pessoa, é amável,
porque tem muito amor para dar — e quanto mais der, mais tem, Esta é a
estranha aritmética do amor: quanto mais se dá, mais se tem. O que vai
exatamente contra as leis econômicas que operam no mundo exterior. Se
quiser ter mais amor e mais alegria, dê e compartilhe, depois
compartilhe apenas. E ficará agradecido a quem quer que lhe permita
compartilhar a sua alegria consigo. Mas não é um relacionamento; é uma
corrente como a de um rio.
O rio passa ao lado duma árvore, cumprimentando-a, e alimenta a árvore,
dá de beber à árvore... e continua em frente, continua a dançar. Não se
agarra à árvore. E a árvore não lhe diz: "Onde é que tu vais? Somos
casados! E antes de me deixares tens de obter o divórcio, ou pelo menos
uma separação! E se tinhas de me deixar, porque é que andaste a dançar
tão bem à minha volta? E, principalmente, porque é que me alimentaste?"
Não, a árvore deixa cair as suas flores no rio em profunda gratidão e o
rio continua em frente. E a árvore dá a sua fragrância ao vento.
Isto é relacionar-se. Se algum dia a humanidade crescer, amadurecer,
será esta a maneira de amar: pessoas que se conhecem, que compartilham,
que continuam o seu caminho, uma qualidade não possessiva, uma qualidade
não dominadora. De outro modo, o amor torna-se uma corrida ao poder.
Osho
É tão intenso o amor que não tem forma, abarca tudo e depois solta... é como respirar... inspira profundamente o outro, a vida e, carinhosamente, como se fosse um maravilhoso sorriso, expira... KyraKally
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