“Como são poucos, entre os muitos
peregrinos que têm de começar viagem
sem mapa nem bússola pelo Oceano
sem praias do Ocultismo, aqueles que
alcançam a terra desejada! Acredite-me,
fiel amigo, nada, exceto uma completa
confiança em nós, em nossas boas intenções
se não em nossa sabedoria, em nossa antevisão,
se não onisciência – algo que não é possível encontrar
nesta terra – pode ajudar alguém a avançar desde
a sua terra de sonhos e ficção até a nossa terra da
Verdade, a região da rigorosa realidade e dos fatos.”
[“Cartas dos Mahatmas”, Ed. Teosófica, Carta 134, Vol. II, p. 299.]
A
confiança é o ponto decisivo nas questões espirituais. A falta de
confiança, ao longo do caminho que buscamos trilhar, leva à derrota de
todo esforço aparentemente elevado.
Em
qualquer lugar e qualquer situação, a confiança é a primeira condição
para obter êxito. A confiança na Lei das nossas naturezas imortais, a
confiança no fato de que a justiça prevalece, a certeza da nossa
capacidade de aprender, de crescer, de realizar o que desejamos, e de
encontrar respostas para todos os problemas, são as qualidades por cuja
ausência os estudantes sofrem e desistem, somando-se ao grupo cada vez
maior dos “desiludidos”, e chegando a uma morte espiritual que é mais
amarga, e mais verdadeiramente sem vida do que a morte apenas física
jamais foi, ou poderia ser algum dia.
A
maldição dos tempos atuais é a suspeita. Aqueles que não confiam em si
mesmos não conseguem confiar em ninguém. Como a característica desta
época é a discórdia típica do materialismo, a visão comum de uma vida
superior é a posse de grandes quantidades de riqueza material.
Considera-se que ter “muito dinheiro” é a mesma coisa que ter êxito na
vida. Alguns teosofistas pensam da mesma maneira que a maioria em
relação a isso, e usam como desculpa para aderir às ideias predominantes
o argumento de que, se tivessem muito dinheiro, poderiam
ajudar mais a causa teosófica. Mas a prática da natureza humana revela o
triste fato de que, quanto mais bens materiais um indivíduo possui,
mais preciosos estes se tornam para ele, e menos inclinado ele fica a
abrir mão voluntariamente das suas riquezas.
Os
seres humanos suspeitam uns dos outros, porque sabem muito bem, em suas
próprias consciências, o que fariam com a riqueza dos seus vizinhos se
houvesse uma oportunidade. A situação chegou a um ponto em que basta
alguém fazer um trabalho altruísta para que muitos pensem, e com grande
convicção, que existe uma intenção egoísta oculta. Se um Cristo caminhar
pelas ruas hoje, fazendo milagres e curando doentes, haverá suspeitas
de que ele faz isso para obter alguma vantagem pessoal, e alguém dirá
que “ele está fazendo propaganda comercial para alguma coisa!” [1]
Para
o estudante de Teosofia que quiser ir além do muro da teoria e da
incerteza, e libertar-se das trincheiras fixas do conhecimento livresco,
não basta permanecer firme contra a forte corrente do materialismo. Ele
tem, na realidade, que avançar contra ela. Ele deve fazer mais do que acreditar
em Altruísmo; ele deve tornar-se altruísta. Através de um esforço
supremo – feito com grande persistência e ao mesmo tempo que o corpo, a
mente e mesmo a Alma estão tão desgastados pelo combate desigual que o
estudante ficaria contente de morrer no esforço – ele deve avançar
constantemente, ainda que o mundo inteiro, e ele próprio, em parte,
acreditem que avançar é uma tolice.
A
confiança é a qualidade eficaz nestas circunstâncias. Este tipo de
confiança não surge como resultado de crença ou de fé cega. Ela emerge
de uma fé raciocinada. Surge de um estudo e de uma compreensão da
filosofia, e de uma rígida aplicação de ensinamentos éticos como um modo
de vida.
O
diletante teosófico nunca terá essa confiança. O estudante que adotou a
Teosofia como um meio de obter mais eficiência em suas atividades de
professor, de médico, advogado, artista, ou para ser mais eficiente como
homem de negócios, mais forte intelectualmente ou mais eficaz em
qualquer uma das mil áreas específicas de atuação às quais a mente
humana se apega, nunca chegará a ter uma confiança; e muito menos uma
segurança consciente. O seu conhecimento ficará no nível da “informação e
crença” até o final dos seus dias, sem ir além disso. Quando uma força
real for necessária e o jogo de aparências não der mais resultado, a sua
confiança em si mesmo falhará.
A
convicção da autenticidade das ideias teosóficas básicas é a primeira
condição para uma verdadeira autoconfiança. Isso pode ser obtido
inicialmente através do estudo intelectual e dos seus frutos, que
incluem uma compreensão lógica e raciocinada das explicações e dos
conceitos teosóficos. Depois dessa etapa há o processo de testes da base
que foi construída através da observação e da experiência. Os assuntos
do mundo e dos seus habitantes são como um filme cinematográfico de
acontecimentos, pessoas, coisas e métodos que se apresenta para a
revisão da mente, dia após dia. São especialmente necessárias uma
vigilância e uma análise honestas do processo psicológico do próprio
estudante.
Então
surge o momento no qual o estudante percebe que já verificou a
autenticidade do ensinamento teosófico, até onde ele é capaz de fazer
isso, e a confirmou das seguintes maneiras:
(a) Através de uma síntese intelectual e filosófica, tendo como alicerce verdades que são evidentes por si mesmas;
(b)
Através da aplicação do ensinamento aos assuntos da vida diária, e,
acima de tudo, à sua própria vivência íntima e interior, confirmando a
ideia de que a psicologia é uma ciência exata [2], e de que ela faz parte da teosofia;
(c)
Através da compreensão do fato de que a Verdade sempre explica, e de
que, dada a explicação completa sobre algo, nós chegamos à Verdade, que
não entra em conflito com qualquer outra Verdade. Este último ponto é
uma compreensão, e não uma mera combinação de palavras. A
compreensão surge com uma força propulsora que parece ser lançada ou
projetada na mente do estudante desde algum ponto externo, embora na
realidade ela venha de dentro. Buddhi se expressa como uma convicção.
A percepção intelectual da necessidade da existência dos Mestres cresce simultaneamente no cérebro e no coração
do meditador. Se há conhecimento, deve haver Aqueles que Sabem; o
conhecimento não existe por si mesmo, mas é resultado da observação e da
experiência; e deve haver Seres que fizeram as observações e
registraram a experiência. A atividade intelectual pode levar o
estudante de teosofia até este ponto, na travessia “desde a sua terra de sonhos e ficção até a nossa terra da Verdade, a região da rigorosa realidade e dos fatos.”
Porque até aqui o esforço de quase todos é na direção de obter
conhecimento para si mesmo, por mais que o estudante acredite que sua
meta é altruísta.
A
mente e o raciocínio estão satisfeitos; foi obtida uma filosofia que
realmente explica os seus princípios. Nenhuma outra necessidade é
sentida, além da de exercitar-se mentalmente de modo saudável nas claras
águas da teosofia, assim como um nadador se exercita saudavelmente em
águas claras, no plano físico. Uma qualidade essencial ainda não foi
desenvolvida.
Qual
é a qualidade básica que leva um ser humano, apesar de si mesmo, a
seguir por aquele Caminho ao longo do qual se obtém “completa confiança”
nos Mestres? Trata-se de algo tão raro, embora seja mencionado com
muita frequência, que talvez a incredulidade seja a nossa primeira
reação, ao vermos a palavra diante de nossos olhos: Gratidão.
Pensemos sobre isso.
A emoção que às vezes ouvimos ou vemos ser expressada por estudantes de teosofia quando são mencionados os Mestres não é Gratidão.
Tampouco se trata de uma emoção inteligente. A mesma sensação inunda as
preces coletivas dos cristãos, o evento cristão carismático, a seção
espírita, a mobilização patriótica e todo evento em que as pessoas se
congregam e se sentem “profundamente emocionadas”. Inúmeras vezes,
durante palestras teosóficas, fala-se nos “Mestres” ou nos “Fundadores”
com tamanho sentimento que tanto o orador como a audiência são tomados
pela emoção -; mas isso não é Gratidão.
A
gratidão não é nenhuma das muitas fases da emoção psíquica que são
qualificadas através de outros termos. Ela tampouco se mostra em
palavras, na maior parte dos casos, nem em expressões de “amor”.
Gratidão
é o reconhecimento de que algo foi feito por nós através de um
sacrifício e sem motivações pessoais. É um reconhecimento tão forte que
já não podemos mais descansar até realizarmos, da nossa parte, um
serviço divino que partilha da mesma natureza.
A gratidão é Buddhi em ação; uma qualidade universal,
e por isso mesmo espiritual. Ela se expressa através do trabalho
altruísta e do esforço para colaborar com os Mestres que são os
servidores universais da Natureza. A gratidão transformada em ação
eficaz é calma, controlada, silenciosa, e tão poderosa como uma
eletricidade cósmica. De fato, ela é Fohat “em uma versão mais
terrestre”, em uma versão aplicada ao trabalho que está diante de nós;
porque devemos lembrar que Fohat é uma força inteligente, e que as forças não existem por si mesmas.
Assim,
aqueles raros estudantes em quem o conhecimento racional da necessidade
da existência de Mestres provoca gratidão constituem os trabalhadores
ativos da teosofia. Eles são os colegas que estão engajados em
todo o mundo na tarefa de fazer com que a teosofia seja espalhada com
mais força. Para o homem ou mulher ocidental dos dias atuais, o processo
mental ocorre mais ou menos assim:
“Alguém
tinha que fazer com que os escritos autênticos ficassem acessíveis, e
mantê-los ao alcance do público. Alguém tinha que preparar as salas de
reunião da Loja, divulgar o trabalho, mantê-lo funcionando, fazer os
estudos, dar palestras, ajudar -, estando bem ou mal de saúde, e nas
quatro estações do ano. Alguém tinha que achar o dinheiro necessário. E é
preciso perseverar eternamente nisso, é claro. Graças ao sacrifício
feito por outros seres, eu encontrei a filosofia e tenho sido ajudado a
compreendê-la. Sinto-me então obrigado a fazer a minha parte, isto é, a
fazer tudo o que está ao meu alcance, em qualquer um e em todos os
aspectos da atividade da minha Loja. E vou dedicar uma intensa energia a
aprender aquilo que ainda não sei fazer.”
Esta atitude, se colocada em prática, mostra gratidão e é gratidão.
Ela
também é “devoção”, porque, assim como a verdadeira gratidão, a devoção
não é de modo algum um assunto emocional. Este tipo de estudante não
busca desenvolver modos especiais de trabalho altruísta que são
exclusivamente “seus”, contraindo assim a grave doença da “busca de
seguidores”. Ele trabalha aproveitando as oportunidades e as maneiras
que estão ao seu alcance, e que ele viu por si mesmo serem corretas e
verdadeiras. Ele trabalha junto com os seus colegas; trabalha pelos outros e com os outros.
A
confiança em si mesmo surge no estudante que sente este tipo de
gratidão e que transforma o sentimento em ação. Surge, então,
naturalmente, a confiança nos outros, porque ele se tornou um
trabalhador voluntário junto a outros que sentem e trabalham como ele;
que são inspirados pelo mesmo sentido de dever intrínseco; que são tão decididos quanto ele, e tão inteligentemente felizes
quanto ele é inteligentemente feliz. Os princípios da sua natureza
interior o levaram a se engajar nesta luta gloriosa e espontânea, da
qual só os guerreiros favorecidos pela boa sorte podem participar. Ele é
feliz porque, na luta, ele passa a ter uma existência “natural” no
sentido mais profundo e mais elevado da palavra.
À
medida que ele avança, a confiança gera mais confiança; tanto em si
mesmo como em seus colegas, na humanidade, e em toda a Natureza. Na sua
consciência, a existência dos Mestres começa a surgir como um fato
e não como mero ideal. Os Mestres estão “no mundo interno”, no início, e
depois “no mundo externo”; mais tarde, sua presença é reconhecida em
todos os aspectos da vida e em cada fase da mudança constante dos dias e
anos da vida do estudante.
Uma
“completa confiança” Neles é uma questão de crescimento. Ela vem com
uma compreensão crescente, e é confirmada em cada detalhe através da
experiência, graças a processos internos e sutis. Isso ocorre devido a
fatos que não iriam constituir prova de modo algum se fossem
apresentados a outras pessoas; mas o sentimento inseparável de tais
acontecimentos internos comprova inegavelmente a sua autenticidade para o
próprio estudante. É um sentimento claro, imaculado, indescritivelmente
convincente.
O
estudante está então de fato “avançando” desta terra de sonhos e ficção
para a Terra Deles, a Terra da Verdade. Ao mesmo tempo, está ganhando
“completa confiança” Neles. Os dois acontecimentos formam uma unidade.
Não estão separados. São aspectos do mesmo e velho desenvolvimento
eterno que os escritos antigos mencionam ( e isso também confirma a sua
autenticidade).
O
processo é descrito nos ensinamentos atuais como “a construção de
antahkarana”. Este é o verdadeiro significado da frase segundo a qual o
estudante deve “tornar-se o Caminho”. Porque a realidade é que ele não
poderia “avançar” se não houvesse uma “ponte” ou um “Caminho”. E não
poderia construir a ponte, exceto com seus próprios materiais, já que “o
Caminho é interno”. E só pode encontrar e transmutar os materiais para
a ponte graças ao fato de que, como um ser humano em evolução, ele está
em contato com todos os aspectos da Natureza.
Assim,
a compreensão dos ensinamentos científicos da filosofia se une com a
Ética e com a Psicologia. A autenticidade do misticismo velado do mundo
antigo é comprovada na vida prática do estudante de hoje que sabe
observar e respeitar o ensinamento.
Uma
“completa confiança” é uma forma de crescimento através do trabalho
altruísta, “sem expectativas e livre do processo da esperança”. A “região
da rigorosa realidade e dos fatos” deve ser necessariamente a “terra da
Verdade”, porque só o que é verdadeiro é imutável, e só o que é
imutável é real.
Alcançar
esta “terra” não é “ir” a algum lugar. Não se trata de uma mudança
geográfica. Alcançar esta “terra” não é atrair a atenção dos nossos
semelhantes, nem desejar isso. Certamente não é fazer propaganda de nós
próprios, nem direta, nem indiretamente. Trata-se de obter um ponto de
vista diferente, e de desenvolver uma ação inteligente a partir dele. A vida de estudante e a vida pessoal não estão separadas.
John Garrigues
NOTAS:
[1] A respeito deste tema, veja o texto “Se Cristo Voltar Neste Natal”, que pode ser localizado em nossos websites associados. (CCA)
[2]
A Psicologia pode ser vista como uma ciência exata no sentido de que os
processos psicológicos operam de acordo com as leis da natureza. A
Psicologia trabalha com grande número de equações complexas, e nas quais
há importantes incógnitas. Ela é uma ciência exata, isto é, pode
trabalhar com precisão, embora sua precisão não seja mecânica. (CCA)
https://www.filosofiaesoterica.com
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