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segunda-feira, 14 de setembro de 2020

A ESTERILIDADE DO RUÍDO

E A FECUNDIDADE DO SILÊNCIO

Contato com a natureza - Tenha paz no seu coração - Amor-próprio 

 O que apavora o principante – e quem não é principante? – é a ética pré mística, isto é, o dever de ser bom, antes de passar pela experiência divina, antes de ter o seu encontro pessoal com Deus em si mesmo. Nessa etapa inicial da jornada cósmica predomina o conceito ominoso de virtude, heroísmo, sacrifício, carregar a cruz, caminho estreito e porta apertada, a idéia angustiante de ser “mártir da sua espiritualidade”. 

Todas essas dificuldades e seus pavores provêm da ignorância do principiante. Uma vez cruzada a misteriosa fronteira, da ignorância para a sapiência, do não-saber para o saber experiencial, cessa toda a idéia de sacrifício. A própria idéia horripilante de ter de “amar seus inimigos” deixa de existir, não porque o homem se tenha tornado heróico ou virtuoso, mas simplesmente porque não existe mais tal coisa como “inimigo”. O conceito “inimigo” é uma criação do ego insipiente, e desaparece naturalmente com o advento da sapiência, assim como as trevas desaparecem à chegada da luz. Podem outros continuar a ser meus inimigos, da parte deles, enquanto forem insipientes; mas eu, sendo sapiente pela experiência da Verdade, não me rebaixo a ser inimigo deles; a minha luz divina não reconhece as suas trevas humanas. E, por isto, eu propriamente não amo os meus inimigos, porque não existem “meus inimigos” da minha parte; a minha luz não tem trevas, a minha sapiência não tem insipiência, o meu divino sim não admite o humano não. 

De maneira que o místico, o sapiente, não ama seus inimigos; ama aqueles que ele, outrora, quando profano e insipiente, chamava seus inimigos, e que, possivelmente, até hoje se consideram inimigos do místico sapiente, lá das tenebrosas baixadas da sua profana insipiência. 

Diz a geometria que duas linhas paralelas não se encontram, a não ser no infinito. Não é bem exata essa afirmação, pelo menos não do ponto de vista filosófico. Linhas paralelas não se encontram no infinito, porque no infinito não há linhas, não podendo, por conseguinte, haver um encontro entre coisas inexistentes. O infinito é a ausência da dimensão, é a zero-dimensionalidade, ao passo que toda a linha tem uma dimensão. No infinito, a dimensão da linha acaba na indimensionalidade, onde não é possível um encontro.

De modo análogo, na zona da experiência mística não há “inimigos”; logo, não pode haver amor aos inimigos inexistentes; nessa zona domina o amor universal, sem distinção de amigos e inimigos, porque domina a sapiência, a luz integral, que não lança sombras; as sombras provêm de uma luz parcial. 

“Deus é luz, e nele não há trevas”... 

Para que o homem ingresse na zona pós-mística, necessita ele de passar não somente pelo período da ética pré-mística, mas também circundar-se de um ambiente propício para essa suprema realização. Deve, sobretudo, praticar solidão e meditação.  

Solidão é uma espécie de vacuidade – meditação é plenitude. Esta não atua sem aquela. Ninguém, no princípio, consegue meditar a não ser na solidão. A solidão do ego precede a meditação do Eu. 

O homem profano tem horror à solidão. 

Solidão e silêncio são, para o homem profano, uma espécie de veneno mortífero; por isto, vive ele no barulho, que canaliza para o interior da sua casa e da sua alma, em forma de jornal, rádio, televisão, visitas, etc., a fim de não se afogar no mar da solidão e do silêncio; esses expedientes sociais lhe servem de tábua de salvação no meio do naufrágio. 

Mas o homem em vias de espiritualização é amigo do silêncio e da solidão. 

Não tarda a descobrir que prolongados períodos de silêncio e solidão potencializam grandemente a receptividade espiritual da alma; verifica que o ruído esteriliza, e que o silêncio fertiliza. Três dias consecutivos de solidão e silêncio podem aumentar por 50% a receptividade da alma, de maneira que, dentro deste ambiente propício, qualquer palavra sagrada brota com espontânea facilidade e vigor, quando, outrora, dezenas de palavras se esvaíam sem sinal de vida. Se alguém consegue ficar 30 dias completos, um ciclo lunar total, imerso em profundo silêncio e total solidão, entra a sua alma como que em adiantado estado de gestação espiritual, e basta um ligeiro impulso para ela dar à luz a sua prole. 

Sociedade e ruído atuam sobre a alma como luxúria e prostituição – ao passo que solidão e silêncio têm algo parecido com pureza e virgindade. 

Esse silêncio, porém, tem de ser não apenas material, mas também mental e emocional. Deve o homem estabelecer uma quietude integral. É relativamente fácil fugir de ruídos externos; basta retirar-se a um lugar solitário; mas é difícil desterrar de si os ruídos mentais dos pensamentos e os ruídos emocionais dos desejos, porque estes nos acompanham para dentro de qualquer solidão física.

Entretanto, da ausência desses ruídos, mental e emocional, depende essencialmente a possibilidade e a eficiência da meditação. A parturição
espiritual só se realiza no meio de grande silêncio. A praça pública do nosso cérebro e do nosso coração tem de ser transformada em santuário do espírito. 

A luz solar que incide sobre uma fonte de 10 centímetros de diâmetro não tempoder enquanto continuar dispersa; mas, se reduzirmos essa área de 10centímetros a um único foco indimensional, teremos uma fonte de intensa luz e calor, capaz de atear fogo em qualquer combustível. 

Largueza é fraqueza. 

Estreiteza é força. 

Dispersão é ineficiência. 

Concentração é eficiência. 

A indisciplina é impotente.

A disciplina é onipotente. 

A disciplina espontânea é a mais alta liberdade. 

O homem que focalizar por 5 minutos um só pensamento, sem desvio nem distração, potencializa a sua força. E essa força lhe dá segurança, unidade, felicidade. Felicidade é um senso de unidade, que nasce da consciência da força. Feliz é somente o homem que se sente uno, untário, indiviso em si e indiviso do Universo. 

Quando o homem, graças a assíduas e intensas focalizações, tiver atingido o máximo de unidade, pode ele voltar ao meio das pluralidades do mundo circunjacente, sem perigo de ser novamente desunificado, pluralizado e objetivizado. 

E então se sente ele plenamente remido.

Huberto Rohden - Trecho do livro "A Grande Libertação"

http://universalismoesoterico.blogspot.com

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