OS DEUSES NO CÉU
Como os Seres Humanos Dialogam e
Aprendem Com os Planetas e as Estrelas
"Conhece a ti mesmo”, dizia a inscrição no templo do oráculo de Delfos, na Grécia antiga.
A
tarefa é fundamental e não é simples: a filosofia esotérica ensina que
o mapa da nossa alma é o mesmo mapa do sistema solar.
Cada
ser humano é um pequeno retrato do cosmo. Em consequência disso,
ficamos diante de um paradoxo astronômico. Para que um indivíduo possa
conhecer a si mesmo deve conhecer o universo.
A
identidade oculta de cada alma com a galáxia inteira é percebida
intuitivamente pelos poetas. Segundo Olavo Bilac, o homem que pensa e
ama é tudo: “é a Terra, é Terras de ouro em céus profundos”. E é também
“outras almas vibrando em outros mundos”.
O
homem, para ele, é “as nebulosas, gêneses imensas, fervendo em
sementeiras de astros novos”. E ele é “todo o cosmo em perpétuas
chamas”.
De
certo ponto de vista, dialogamos secretamente com o céu o tempo todo, e
Bilac confessou, em um dos seus poemas mais famosos :
“Ora,
direis, ouvir estrelas! Por certo perdeste o senso! E eu vos direi, no
entanto, que para ouvi-las, muitas vezes desperto, e abro as janelas,
pálido de espanto”.
O
diálogo com o céu se dá de modo em grande parte subconsciente. A
ciência astrológica busca conhecer de modo racional essa troca de
energias com o universo. Ela faz um mapa com os detalhes da ligação
magnética de cada indivíduo com os diversos planetas. Assim obtemos uma
astronomia da alma. A partir da análise da posição dos astros no céu no
momento em que nascemos, a astrologia busca revelar o sentido geral, as
possibilidades, os desafios e as oportunidades da nossa existência no
mundo dinâmico do sistema solar. A astronomia da alma é uma psicologia
decisiva para quem trata de aprender a viver.
O
hábito de observar o céu nasceu junto com a humanidade. Os povos do
passado estudavam astronomia e buscavam orientar-se espiritualmente
através da sua relação com planetas e estrelas.
Os
reis da antiga Índia, da China, do antigo Egito e dos povos andinos
consideravam-se filhos do Sol. Os maias e astecas tinham uma astronomia
sofisticada. Os deuses dos gregos moravam no céu. A palavra Zeus vem do termo sânscrito Diaus, que significa “céu”. Zeus, o senhor do espaço cósmico grego, é o mesmo Júpiter dos romanos e serviu de modelo para a figura quase humana do Deus cristão.
O
universo é a expressão material de uma inteligência superior. Por isso,
embora sua essência esteja além das palavras, suas manifestações são
compreensíveis desde vários pontos de vista. As linguagens pelas quais o
universo pode ser compreendido não incluem apenas a matemática e a
geometria, mas também a percepção mística. Em inúmeros casos, como
veremos, essas três linguagens caminham juntas.
O
ato de olhar o céu à noite nos leva a uma compreensão intuitiva e
espiritual do universo. Os planetas eram os deuses peregrinos dos
antigos. O grande axioma da Tábua de Esmeralda afirma que “o que está
embaixo é como o que está em cima, e o que está em cima é igual ao que
está embaixo”.
Segundo
a tradição hermética, a natureza espiritual de cada ser humano emana
das estrelas. A alma individual desce pelas órbitas dos sete planetas
sagrados da antiguidade, até passar pelo mistério do nascimento. Ao
tocar o mundo material, ela ganha como instrumento de expressão uma
estrutura magnética pessoal que reproduz, de certo modo, a posição do
sistema solar naquele momento.
O
espírito de cada planeta ou luminária celeste ativa certas funções na
alma de uma pessoa. Saturno é o eterno pensador e o disciplinador. Ele
estimula em nós a razão pura, que devora seus próprios “filhos” - os
pensamentos.
Júpiter
nos dá o poder de acreditar, de compreender - e também uma ambição
duradoura. Marte faz nascer em nós o entusiasmo, estimulando a energia
impulsiva e criativa da alma. O Sol nos dá o princípio vital, o eu, o
foco da consciência, e também anima a função do filósofo e do sábio.
Vênus
é a força harmonizadora da alma, a busca da beleza e do equilíbrio, mas
também o poder de materializar. Mercúrio é mental e nos permite
perceber os diferentes aspectos materiais e espirituais do universo. A
Lua estimula a parte emocional e imaginativa da alma.
Com
a descoberta de novos planetas, a partir do século 18, a representação
tradicional dessas funções primordiais foi ampliada. Netuno reforça em
nós a contemplação e a transcendência mística. Urano estimula um novo
individualismo criativo e libertário, enquanto Plutão acelera e torna
mais tensa a luta pela autorregeneração interior.
A
filosofia esotérica afirma que a Terra também possui seu espírito
planetário, ou melhor, pertence a este espírito. No final do século 20
um ex-cientista da NASA, James Lovelock, formulou a hipótese Gaia
demonstrando que nosso planeta se comporta geológica e cosmologicamente
como um ser vivo. Lovelock mostrou que a Terra possui uma complexa
fisiologia própria, que se autorregula inteligentemente para manter o
delicado equilíbrio da vida. Através de uma fina sintonia, a Terra é
capaz de conservar uma certa temperatura, uma quantidade estável de
dióxido de carbono e outras condições físico-químicas necessárias para
os seus diversos tipos de organismos. Assim, a humanidade pode ser vista
como parte de um espírito planetário maior, Gaia, que tem vários níveis de consciência cósmica e cumpre um papel específico na ampla dança das esferas do nosso sistema solar.
Além
da psicologia, também as religiões têm sua fonte e origem no espaço
comum que reúne astronomia, astrologia, mitologia e filosofia. O
universo parece haver criado o homem à sua imagem e semelhança. Por
isso, ao olhar o céu, o homem entra em contato mais estreito com a
melhor parte de si mesmo.
É
verdade que o ser humano também parece estar condenado a descrever os
deuses e o universo à sua própria semelhança. Essa reciprocidade tem
produzido inúmeras ilusões. À medida que a humanidade evolui, sua visão
do universo e do mundo divino vai ficando mais ampla e flexível, e
menos distorcida. A divindade passa a ser compreendida como uma lei
universal e um espaço eterno e absoluto: o Vazio budista, o Tao chinês, o Parabrahman hindu, o Ain Soph
da Cabala. Este princípio fundamental de unidade dinâmica de todos os
seres não pode ser descrito em palavras, mas todos fazemos parte dele.
Os
antigos sábios gregos, hindus e egípcios acreditavam que o universo era
inteligente e que seus processos eram administrados por diversas
consciências planetárias e cósmicas. O conhecimento desses
fatos era registrado em parábolas e popularizado pelos mitos antigos. A
compreensão abrangente dos processos cósmicos e da relação entre o cosmo
e cada ser humano constitui a “Doutrina Secreta” sobre a qual escreveu
Helena Blavatsky.
Os
pontos de vista clássicos da ciência e da filosofia grega foram
preservados fielmente pelos grandes cientistas ocidentais. Nicolau
Copérnico formulou a versão moderna da antiga doutrina grega segundo a
qual a Terra gira em torno do Sol. Ele seguiu a doutrina pitagórica de
Aristarco de Samos. Johann Kepler, o astrônomo alemão do início do
século 17, guiou-se em suas pesquisas pela sabedoria pitagórica. Kepler
buscava compreender a “música das esferas”, a lei da harmonia que rege a
vida e o movimento de todos os corpos celestes, e deste modo descobriu
as leis pelas quais os planetas giram em torno do Sol. Além de
astrônomo, Kepler foi também astrólogo profissional.
Galileu
Galilei era um pitagórico, e o Vaticano o condenou à prisão perpétua
por seguir a doutrina heliocêntrica de Pitágoras, Aristarco e Copérnico.
Isaac Newton foi um místico. Para Albert Einstein, criador da teoria
da relatividade, “o espírito científico não existe sem a religiosidade
cósmica”.
Einstein escreveu em 1930:
“Os
gênios religiosos de todas as eras se distinguiram por esse sentimento
religioso que não conhece dogma e nem um Deus concebido pela imagem do
homem. A função mais importante da arte e da ciência é despertar
esse sentimento e mantê-lo vivo dentro daqueles que são receptivos a
ele.” E ainda: “Sustento que o sentimento cósmico religioso é o
motivo mais forte e mais nobre para a pesquisa científica.”
A
vanguarda da física recente inclui nomes de espiritualistas como
Fritjof Capra e David Bohm. O físico inglês Fred Hoyle expressou um
ponto de vista da filosofia esotérica ao afirmar que o universo parece
ser dirigido de dentro para fora pela consciência cósmica, e através das
leis naturais, conforme ensinam o taoísmo, o hinduísmo e a filosofia
grega clássica.
Uma
parte da ciência moderna está desembocando na sabedoria eterna. Já não é
possível pensar no universo descrito pela astronomia sem experimentar
uma expansão de consciência. Em nossa civilização atual, as notícias
sobre a observação do céu têm um forte sabor de contemplação mística, ou
de meditação Zen.
A
noção de espaço e tempo nas pesquisas astronômicas atuais rompe
radicalmente com o estado de consciência a que estamos acostumados no
mundo externo. De acordo com a nossa experiência diária, a luz parece
chegar no mesmo instante a qualquer lugar. Do ponto de vista do estudo
do espaço universal, a luz se move com grande lentidão. Mesmo a luz do
Sol leva oito minutos para chegar até nós, e demora quase quarenta vezes
mais - cerca de 5 horas, em média - para chegar até Plutão, já na
fronteira do sistema solar. Para alguém situado na superfície gelada de
Plutão, ou em sua lua Caronte, o Sol é apenas uma estrela um pouco mais
brilhante que as outras.
E
Plutão é nosso vizinho. Há distâncias maiores. Galáxias incontáveis
estão situadas a bilhões de anos-luz de nós. No momento em que os
astrônomos veem outra galáxia, ela já não existe do modo como é vista.
Devido à velocidade relativamente lenta da luz através das distâncias
cósmicas, o que chega até eles é como uma velha foto amarelecida pelo
tempo. No caso das galáxias mais longínquas, os observadores olham hoje
para um passado imensamente afastado. Veem apenas a infância do atual
cosmo, bilhões de anos atrás. E ninguém vai poder esperar bilhões de
anos para saber num futuro imensamente distante como elas estarão
agora, nesta primeira metade do século 21.
Há aqui um koan zen, um paradoxo sobre
o qual se pode meditar até atingir a iluminação. O céu que enxergamos é
uma coleção de túneis do tempo de tamanhos diversos.
A simultaneidade
dos objetos que vemos é apenas aparente. A luz de uma determinada
estrela pode ter viajado apenas dez ou quinze anos para chegar até nós,
enquanto que a luz de uma outra estrela reflete uma realidade de muitos
milhões de anos atrás.
O cosmo é um mestre e nos ensina humildade. Por mais que o estudemos, ele continua sendo um mistério. Albert Einstein escreveu:
“A
coisa mais bela que podemos experimentar é o mistério. É a emoção
fundamental que está no berço da verdadeira arte e da verdadeira
ciência. Aquele que não conhece o mistério e não pode mais se
surpreender, não pode mais se maravilhar, é como se estivesse morto.”
Quando
olhamos as estrelas, não é apenas um espaço cósmico imenso que nos
contempla como em um espelho. Espaço e tempo são inseparáveis. Estamos
frente a frente com a eternidade, a totalidade das etapas da evolução do
universo atual, cuja história está escrita no céu.
Carlos Cardoso Aveline
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