ORAR, ORAÇÃO... EM COMUNHÃO COM DEUS!
ORAR vem da palavra latina os (genitivo oris), que quer dizer boca, ou estar de boca aberta, expressão simbólica que diz admiravelmente do grande simbolizado.
Quando a ave-mãe vem com um biscato, todos os filhotes que se
acham no ninho abrem a boca, para receber o alimento, porque a sua fome
é grande, permanente, insaciável, devido ao seu rápido crescimento.
Quem mais abre a boca, mais recebe.
Parafraseando o termo, poderíamos dizer que os filhotes
famintos oram (Abrem a boca) com intensidade e assiduidade (“deveis orar
sempre e nunca deixeis de orar”, dizia Jesus), com uma veemente
passividade dinâmica; produzem um grande vácuo oral a fim de
receber uma plenitude que vem de fora. Se não estabelecessem esse vácuo
não lhes viria a plenitude, passividade dinâmica. Não se pode encher o
que está cheio, só se pode encher o que está vazio. Se alguns desses
filhotes não orasse, não escancarasse o bico, não revelasse
vacuidade, o desejo de plenitude, passividade dinâmica, ficaria sem
alimento, e acabaria por morrer de inanição.
Passando do símbolo para o simbolizado, diremos: a alma
orante é uma alma de boca aberta, largamente aberta, à experiência do
alimento divino, da luz e força do alto, do pão da vida, das águas vivas
que jorram para a vida eterna.
“Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça (verdade), porque eles serão saciados”.
Muitas pessoas só entendem por orar pedir algo a Deus; só se lembram de orar quando estão em apuros, quando as coisas da vida vão mal; mas, quando tudo vai bem, não acham necessário orar. Deus é, para eles, um expediente de última hora, uma espécie de servo às ordens, cuja principal função é atender às necessidades dos homens.
Mas, para homens de experiência profunda, orar não é primariamente pedir algo — é realizar alguém, é autorrealização. A função da oração é, para eles, um postulado vital, uma espécie de respiração da alma; eles compreendem a ordem do Mestre: “Orai sempre, e nunca deixeis de orar”, como se alguém lhes dissesse: Respirai sempre, e nunca deixeis de respirar, porque sem respiração não podeis viver.
Rezar, isto é, recitar, consiste em atos intermitentes — ao passo que orar é uma atitude permanente da consciência. E, por ser atitude vital, é compatível com qualquer ocupação exterior “Orar sempre” se refere a uma atitude permanente, a um modo de ser da alma, comparável à atitude de uma planta que volta as folhas ao sol a fim de ser por ele vitalizada.
O principiante necessita de certos lugares e de certas horas para orar, ao passo que o homem de experiência superior vive em oração permanente. E verifica que orar e trabalhar não são duas coisas incompatíveis uma com a outra. Pelo contrário, ele faz a experiência de que o trabalho exterior é beneficiado pela atitude de oração; as coisas, outrora prosaicas, são aureoladas de um halo de suave poesia, e as ocupações antipáticas se tornam simpáticas.
A vida de Jesus é essencialmente uma vida de oração permanente. A primeira palavra que o Evangelho refere de Jesus, aos doze anos, revela atitude de oração: “Não sabíeis que eu devo estar nas coisas que são de meu Pai?” Essas “coisas do Pai” se referem aos três dias que o menino passou em silêncio e oração.
Uma das últimas palavras de Jesus agonizante é uma oração: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito”.
Lucas resume os dezoito anos da adolescência de Jesus, em Nazaré, nesta única frase: “E Jesus foi crescendo em sabedoria e graça perante Deus e os homens”. E não terá esse longo período, mais da metade da sua vida terrestre, sido de oração e meditação no meio dos trabalhos?
Antes de iniciar a sua vida pública, retira-se Jesus ao deserto e passa 40 dias em oração.
Durante os três anos da sua vida pública, referem os Evangelhos a cada passo: “Ao pôr do sol retirou-se Jesus a um monte e passou toda a noite em oração com Deus”.
A sua transfiguração no Tabor, ocorre durante a oração.
A sua agonia, no Getsêmane, é acompanhada de oração, e ele pede a seus discípulos que orem.
Na santa ceia, o Mestre ora.
Ao subir aos céus, ele dá ordem a seus discípulos que permaneçam em oração constante até que venha sobre eles o espírito da verdade.
Orar era, para ele, um estado permanente de consciência cósmica, uma vivência na realidade do Cristo, obliterando quase totalmente a consciência telúrica do seu Jesus humano. No Tabor, durante a oração, a luz intensa do Cristo cósmico lucificou totalmente os invólucros opacos do corpo de Jesus, que se tornaram inteiramente transparentes. É o poder transfigurante da verdadeira oração.
Um dia, os discípulos lhe pediram: “Mestre, ensina-nos a orar, assim como também João ensinou a seus discípulos”.
É estranho que os discípulos façam esse pedido, quando o culto religioso de Israel constava principalmente de orações. Evidentemente, os discípulos de Jesus entendem por “orar” algo diferente daquilo que se praticava no Templo e na Sinagoga, antes uma atitude permanente do que atos intermitentes.
Por isto, o “Pai Nosso” não é a simples recitação verbal das sete petições dessa oração, mas sim um roteiro espiritual para orientar a alma.
Huberto Rohden
https://ihgomes.wordpress.com
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