O SERMÃO DA MONTANHA
por Huberto Rohden - Parte 05
por Huberto Rohden - Parte 05
“Bem-Aventurados os que Têm Fome e Sede da Justiça”
“Esta
bem-aventurança visa, sobretudo, os insatisfeitos, os descontentes
consigo mesmos, os que sofrem o tormento do Infinito, a nostalgia do
Eterno, os que vivem ou agonizam em uma estranha inquietude metafísica,
os que creem mais no muito que ignoram do que no pouco que sabem.”
“Antes
de tudo convém esclarecer o que aqui se entende pela palavra “justiça”.
Esta palavra, toda vez que ocorre nas sagradas Escrituras, significa a
relação ou atitude justa e reta que o homem assume em face de Deus. Não
se refere à justiça no sentido jurídico, do plano horizontal, como é
usada na vida social de cada dia. Justiça é, pois, a compreensão
intuitiva de Deus (a mística) e o seu natural transbordamento na vida
cotidiana (a ética).
“Jesus
proclama felizes os que têm fome e sede dessa experiência íntima, os
que estão insatisfeitos com o pouco ou muito que alcançaram no caminho
árduo da sua cristificação. Sabem que estrada imensa lhes resta ainda a
percorrer; mas sabem que é glorioso continuarem a andar rumo a seu
grande destino. São como aves migratórias que, à aproximação do outono,
percebem em si o tropismo de regiões distantes, nunca vistas, onde a
luz e o calor, já em declínio na zona do seu habitat, se acham em plena
ascensão. Daí o misterioso magnetismo que as atrai para regiões
longínquas.
“Para
que o homem sinta em si essa espécie de nostalgia metafísica, deve ele
ter ultrapassado certas fronteiras de vivência comum; deve sentir certo
cansaço — ia quase dizendo pessimismo — da vida terrestre, deve sentir,
com maior ou menor intensidade e nitidez, o anseio de algo que nunca
viu, mas de cuja existência tem intuitiva certeza. O homem que ainda
vive totalmente engolfado nos afazeres da lufa-lufa comum dos profanos,
caçadores de matéria morta e carne viva , esse não está maduro para ter
fome e sede de um mundo invisível. Antes de sentir essa fome, terá de
experimentar o fastio daquilo de que agora tem fome. “Quem bebe desta
água (das coisas materiais) torna a ter sede (das mesmas); mas quem
beber da água que eu lhe darei, esse nunca mais terá sede (das coisas
materiais)” porque esta água se lhe tornará em uma fonte que jorra para a
vida eterna.
“Sendo
que as coisas materiais não apagam o desejo; pelo contrário, quanto
mais gozadas tanto mais acendem o desejo, porque a posse aumenta o
desejo, e o desejo exige novas posses — os profanos têm de intensificar
cada vez mais os estímulos para sentirem ainda novos gozos; e, não raro,
procuram narcotizar-se com os pequenos finitos de cada dia para não
sofrerem a insatisfação de que estas coisas não podem dar definitiva
satisfação. Em vez de ultrapassarem a barreira das quantidades e
entrarem na zona da qualidade, tentam aumentar as quantidades - assim
como quem bebe água salgada para apagar a sede, acendendo-a cada vez
mais.”
“O divino Mestre proclama felizes os que sofrem essa fome e sede da experiência de Deus, porque eles serão “saciados”.
“É
certo que, um dia, em outros mundos, essa nostalgia será satisfeita,
porque a natureza não engana seus filhos, impelindo-os a um alvo
fictício. Se existem terras tropicais adivinhadas pelas aves
migratórias das zonas frias, não pode deixar de existir aquele mundo
que os anseios metafísicos dos melhores dentre os filhos dos homens
sentem nas profundezas da alma.
“Ainda
que o finito em demanda do Infinito tenha sempre diante de si
itinerário ilimitado, e jamais chegará a um ponto onde lhe seja vedado
progredir ulteriormente — porque não há “luz vermelha” nos caminhos de
Deus — é certo que o humano viajor chegará a um ponto em que a sua
compreensão e amor de Deus o tornará profundamente feliz.”
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