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quinta-feira, 31 de outubro de 2019

TOMANDO POSSE 
DA NOSSA PRÓPRIA NATUREZA


Cada Pessoa Tem Uma Ligação Única
Com a Verdade Eterna e a Lei Universal
 
 
Ivan A. Il’in
 
A época histórica que está sendo experimentada hoje pelas nações deve ser vista como uma época de grande desmascaramento e revisão desde um ponto de vista espiritual.

A calamidade das guerras mundiais e revoluções que mudaram o mundo e estremeceram toda a vida das nações até o alicerce é, essencialmente, um fenômeno natural, e portanto só pode ter bases e causas naturais.

Mas por toda parte em que a natureza se exalta, e onde ela, uma vez inflamada, toma posse da vida e dos destinos das pessoas, em todo lugar em que as pessoas se veem indefesas diante da sua ação cega e esmagadora, há sempre, oculta, a imperfeição, ou imaturidade, ou degeneração, da cultura espiritual da humanidade: porque a ação desta cultura consiste precisamente em subordinar cada um dos elementos da natureza à sua lei; ao seu desenvolvimento e à sua meta.

Uma calamidade natural sempre revela a derrota, a limitação e a falha do espírito, porque a transformação criativa da natureza continua sendo a tarefa mais elevada do espírito. E por maior que seja essa calamidade, e por mais vastos e arrasadores que sejam os sofrimentos causados por ela, o espírito humano deve aceitar o seu fracasso e na própria intensidade do seu sofrimento ver um chamado ao renascimento e à regeneração. Mas isso significa compreender o desastre que cai sobre nós como um grande desmascaramento espiritual.

A natureza que agora envolve a humanidade na incalculável infelicidade de grandes guerras e convulsões é a natureza de uma alma humana desorganizada e amargurada.

Por maior que seja a importância do fator material na História, e seja qual for a força com que as necessidades do corpo trazem para si o interesse e a atenção da alma humana, o espírito humano nunca é reduzido, e nunca será reduzido, à condição de um médium passivo, sem atuação, subordinado a influências materiais e às exigências do corpo.

Além disso, uma obediência cega, inconsciente, a estas influências e exigências reduz a dignidade do espírito, porque sua dignidade consiste em ser uma causa criativa, criando a sua vida de acordo com metas mais elevadas, e não em ser um médium passivo dos processos naturais da matéria.

Toda influência que entra na alma humana deixa de ser um peso morto de causalidade e se transforma em um estímulo vivo, uma atração, uma razão, um sujeito da transformação espiritual e da orientação racional. É um dom que pertence à própria essência do espirito, a capacidade de apreender, interpretar, transformar e dirigir de novo cada influência que ingressa vindo de fora. E na medida em que o espírito humano não possui este dom em quantidade suficiente, na mesma medida os elementos naturais do mundo o oprimem e fraturam a sua vida. Na mesma proporção a sua imaturidade é desmascarada e revelada. Na mesma medida novas tarefas e a possibilidade de novas realizações se colocam diante do espírito.

Mas para tomar posse desse dom e usá-lo com todo o seu poder de transformar o mundo, o espírito humano deve tomar posse da sua própria natureza: a Natureza da alma irracional e semirracional.

É impossível organizar o mundo material sem ter organizado o mundo da alma, porque a alma é o instrumento criativo essencial para organizar o mundo.

Uma alma submissa ao caos não tem o poder de produzir um cosmos no mundo externo: porque um cosmos é criado de acordo com fins mais elevados, enquanto um caos psíquico vai para lá e para cá, confuso, entre uma multiplicidade de “fins” triviais e contraditórios, obedecendo ao instinto cego. A alma instável ainda tem uma real potencialidade em relação ao espírito: ela percebe e refrata, mas não transforma nem dá nova direção às influências de fora que a invadem. As suas “metas” permanecem marcas passivas de pressões causais, e a sua confusão está sempre carregada de novas calamidades.

Internamente instável em suas tarefas, seus esforços e habilidades, a alma humana em vão busca salvar-se através do domínio do mundo externo. Ao controlar tecnicamente a matéria, ela cria para si mesma apenas uma nova situação de desamparo; ao vencer a natureza externa, ela prepara uma insurreição do caos interno; as suas vitórias forjam o molde para uma nova e inesperada derrota.

No momento presente, diante dos nossos olhos, o mundo moderno repete o caminho do sofrimento antigo; a nova experiência leva a velhas conclusões. Estas conclusões ensinam, outra vez, que o autoconhecimento e a autotransformação do espírito humano precisam repousar sobre a base da vida inteira, de modo que a vida não seja vítima do caos e da degradação. Elas ensinam que a desintegração interna da alma humana torna impossível a ordem social, e que a desintegração da organização social leva a vida de um povo à ignomínia e ao desespero. E ainda mais, estas conclusões ensinam que a ordenação formal da alma do indivíduo e da economia social não torna a vida de um ser humano segura em relação à degeneração da sua substância e a tendências criminosas.

Através de todos os sofrimentos do mundo, surge e brilha a antiga verdade, e ela convida as pessoas a uma nova compreensão e um novo reconhecimento: a vida de um ser humano só é justificada quando a sua alma vive desde um único centro, um centro objetivo, movida por um amor autêntico pela Divindade como supremo bem.

Este amor e a vontade que surge dele têm como base todo o desenvolvimento da vida espiritual de um ser humano, e fora dele a alma anda à deriva, fica cega, e tropeça. Fora dele o conhecimento se torna uma paródia de conhecimento, a arte degenera assumindo uma forma vazia e banal, a religião se converte numa autointoxicação desonesta, a virtude é substituída pela hipocrisia, a lei e o Estado se tornam instrumentos do mal. Fora dele um ser humano não pode encontrar uma meta adequada e única na vida que converta todas as suas “atividades” e “ocupações” em uma simples atividade do Espírito e que garanta a vitória do espírito humano. Só uma busca vital e autêntica pela Perfeição garante esta vitória, porque é em si mesma a fonte do poder mais elevado, um poder invencível sejam quais forem as “circunstâncias”, e que introduz ordem no mundo interno e externo. Isso é explicado pela própria natureza do espírito: é aquele poder criativo da alma que busca conhecimento, virtude e beleza autênticos, e que, intuindo a Divindade como o verdadeiro ponto focal de qualquer perfeição que possa haver, conhece o mundo para compreender a lei da Divindade como a lei do mundo. Mas a alma, sempre preservando dentro de si a potencialidade do espírito, pode converter essa possibilidade em algo real apenas quando dentro da alma surge, como um fogo holístico feito de contentamento, um amor pelo que é Divino e um desejo de tornar-se Espírito, de encontrar um caminho para isso, e de revelar este caminho aos outros.

A História mostra que não é fácil para o ser humano encontrar este caminho, que é difícil avançar por ele, e fácil perdê-lo. O caos dos desejos triviais e dos objetivos sem importância dispersa imperceptivelmente os poderes da alma, e as paixões humanas extinguem o seu fogo.

A alma perde o seu acesso ao conteúdo espiritual e portanto não consegue manter a forma do espírito: porque ela só pode estar na forma do espírito quando ela vive autenticamente através do verdadeiro conteúdo do espírito. Tendo perdido a forma do espírito, ela se torna uma vítima do seu próprio caos e é levada por sua própria dinâmica até o colapso e as calamidades. E deste modo a sua tarefa é perceber nestas mesmas calamidades e dores a sua queda para longe de Deus, é ouvir o Seu chamado [1], reconhecer a Sua voz [2], e submeter o seu próprio caminho falso a um desmascaramento e um reexame.

Atualmente, a filosofia tem a grande e responsável tarefa de iniciar esta reconsideração e este desmascaramento. O fracasso espiritual impressionante da humanidade, com uma sucessão de guerras até aqui inauditas e revoluções sem precedentes, comprova com força e clareza inquestionáveis o fato de que todos os aspectos da existência espiritual viveram e se desenvolveram através de caminhos falsos; que todos eles estão em um estado de profunda e severa crise. A humanidade perdeu o rumo em sua vida espiritual, e o caos surpreendeu-a com uma calamidade nunca vista. Isso comprova que o próprio modo da vida espiritual era falso [3], que a vida espiritual precisa ser reexaminada até as suas raízes, e renovada e regenerada começando das raízes para cima.

E se a tarefa de organizar uma comunidade pacífica e justa de pessoas na Terra é uma tarefa para a lei e para a consciência legal, então a crise contemporânea revela sobretudo a profunda doença da consciência legal contemporânea.

Há sempre nas almas das pessoas alguns aspectos que não chamam atenção suficiente, ficam obscuros durante várias gerações e são reconhecidos apenas em parte. Isso ocorre não só porque estes aspectos possuem em sua própria essência um caráter instintivo e são, de certo modo, expulsos do campo de consciência, e não só porque eles são em si mesmos espiritualmente insignificantes ou secundários em termos práticos e são de certo modo deixados de lado entre outras nuances igualmente não-essenciais da vida – mas também porque o cultivo deles requer um esforço determinado de vontade e atenção, ao mesmo tempo que a importância espiritual deles, em termos da sua natureza básica, faz contraste com a autopreocupação e a miopia da consciência cotidiana.

Sempre é possível encontrar algumas pessoas capazes de se surpreenderem sinceramente com o fato de que há nelas uma certa visão de mundo, que elas possuem seu senso estético particular, que vivem em uma certa relação constante com a voz da sua consciência, e possuem uma consciência legal que é característica das suas almas. [4]

E ao mesmo tempo cada pessoa, independentemente de idade, educação, intelecto e talento, vive conforme estes aspectos ou funções da alma, mesmo quando não sabe disso. Neste caso suas decisões e ações surgem diretamente sob a orientação de atrações e impulsos instintivos, e expressam a estrutura da sua psique, do seu caráter pessoal, seu nível individualizado de vida, ainda que o indivíduo talvez não saiba coisa alguma sobre isso e nem sequer suponha que as pessoas têm inevitavelmente uma visão de mundo e uma consciência legal, que elas vivem inevitavelmente de acordo com um gosto estético e uma consciência.

Uma visão de mundo limitada, estreita, obtusa, ainda assim é uma visão de mundo; o gosto grosseiro, pervertido e mau faz a sua própria escolha estética; uma consciência suprimida e mortificada, cuja voz não se escuta, ainda luta e chama desde o interior, e uma consciência legal deformada, amarrada e fraca dirige as ações das pessoas e cria as relações delas ao longo da vida inteira.

É impossível para um ser humano não possuir consciência legal; todos os que compreendem que há outras pessoas no mundo além de si mesmos a possuem. Um ser humano tem consciência legal independentemente de saber ou não disso, e de valorizar esta posse ou desprezá-la. Toda a vida de um ser humano e o seu destino inteiro são formados com a participação da consciência legal e sob a orientação dela; além disso, viver, para um ser humano, significa viver com base em uma consciência legal, dentro da função dela e segundo os seus termos: porque ela permanece sempre como uma das formas grandes e necessárias da vida. A consciência legal também vive na alma, mesmo quando ainda não existe uma lei positiva, quando ainda não há nem “lei” nem “costume”, quando nenhuma “autoridade” falou ainda sobre comportamento “correto” e adequado.

Uma convicção ingênua, semiconsciente, imediata de que nem todos os atos externos das pessoas são igualmente admissíveis e “corretos”, de que há ações completamente intoleráveis e há decisões e desdobramentos “justos” – esta convicção, ainda inconsciente da diferença entre “lei” e “moralidade”, está na base de qualquer “lei” e “costume” e precede geneticamente qualquer atividade criadora de lei. E mesmo nos casos em que o conteúdo do costume e da lei é definido pelo autointeresse dos poderosos, quando a lei é “injusta” ou “má”, na sua base ainda está uma convicção imediata da necessidade e da possibilidade de distinguir o comportamento “correto” e “admissível” do comportamento “incorreto” e “inadmissível”, e de regular a vida das pessoas com base neste critério geral obrigatório.

Neste ponto fica claramente revelada a tragicomédia presente no ato de viver sob a lei: uma consciência legal deformada, pervertida, permanece sendo uma consciência legal, mas perverte o seu conteúdo; ela trabalha com a ideia da lei, mas tira desta ideia apenas um ‘esquema’, usa esta ideia da sua própria maneira, abusa dela e a preenche com conteúdo que não tem valor e é pervertido. Surge então a lei injusta, que por mais que seja chamada de “lei” e apresentada como lei, compromete a própria ideia de lei na mente das pessoas e destrói as bases da confiança na lei.

Esta tragicomédia não é característica apenas da atividade que cria leis, mas é a tragicomédia de toda a vida espiritual da humanidade. Cada pessoa tem dentro da sua experiência interna individual exclusiva o único instrumento de conexão com as alturas do espírito – com o que é verdadeiro, bom e belo, com a revelação e com a lei – e a única fonte de conhecimento a respeito deles. Cada um sabe, sobre estes objetos, apenas aquilo que vivenciou com independência e autenticidade e verificou criativamente. [5]

Deste modo as pessoas esquecem o tempo todo das condições fundamentais da atividade espiritual: não procuram autenticidade na experiência e objetividade na pesquisa, mas se baseiam em inclinações pessoais e se satisfazem com opiniões subjetivas. Como resultado disso surge um espetáculo cômico e sem valor; as pessoas tomam decisões sobre o que é mais importante e supremo, sem saber o que estão decidindo; cada um faz afirmações peremptórias e se apega a elas, sem que elas tenham base. A verdade suprapessoal, automanifestada, é substituída pela certeza pessoal; surge uma multiplicidade interminável de discordâncias, a mente se dispersa, vacila, e chega a um “subjetivismo” estéril e a um “relativismo” sem alicerce.

A crença na possibilidade de um conhecimento autêntico, na unidade do que é bom, no valor objetivo da beleza, na possibilidade de uma revelação autêntica, na lei justa e espiritualmente verdadeira, desaparece, e com isso morre inevitavelmente a vontade de descobrir o verdadeiro caminho para o conhecimento e para a compreensão destes conteúdos supremos. O interesse pessoal passa a ser o único guia orientador, e a vida degenera imperceptivelmente.

Esta objetividade do conteúdo do objeto em sua relação com a lei pode ser descrita como sendo que nas relações externas de pessoa a pessoa há uma determinada retidão unitária e objetiva que é possível perceber apenas através da experiência interna, graças a um exame e uma revelação autênticos, objetivos, da lei natural. A experiência da lei natural é inerente a cada pessoa, mas para a maioria permanece sendo um “sentimento do que é certo”; um sentimento vago, incerto e desconhecido, como se fosse um “instinto para o que é correto”, ou na melhor das hipóteses “uma intuição do que é certo”.

Tornar-se consciente do conteúdo desta lei natural e revelá-lo significa iniciar uma consciência legal madura, transformando-a em um objeto da vontade e em uma emoção justificada, isto é, convertendo esta retidão unitária e objetiva em uma meta necessária e desejada na vida. Isso significa desenvolver e realizar em si mesmo uma consciência legal natural.

Especialmente, uma consciência legal natural como objeto de conhecimento da “mais autêntica” lei unitária deve estar em si mesma na base de qualquer julgamento da “lei” e de qualquer decisão legal ou judicial, e por essa razão deve também estar na base daquelas “leis” que são estabelecidas em várias comunidades e Estados através de representantes autorizados sob o nome de “lei positiva”. Quanto mais desenvolvida, madura, e profunda for a consciência legal natural, mais perfeita serão, neste caso, tanto a “lei positiva” quanto a vida externa das pessoas guiadas por ela; e, inversamente, uma consciência legal natural vaga, inconsistente, sem objetividade e fraca irá criar uma “lei positiva” que é “não-objetiva”, isto é, sem sentido, falsa, injusta, e que não corresponde ao seu protótipo.

Assim a “lei”, unitária e verdadeira segundo a sua ideia essencial, se bifurca e entra em uma contradição interna peculiar consigo mesma: a consciência legal natural não afirma o que é dito por um conhecimento da lei positiva, e como resultado disso a alma adquire duas consciências legais diferentes, porque ao lado da consciência legal natural surge uma consciência legal positiva, cujo conteúdo não corresponde ao conteúdo dela.

Esta bifurcação da lei, esta contradição da consciência legal, comprova, naturalmente, o fracasso espiritual que cai sobre o ser humano. Ele não consegue – devido à falta de vontade ou por causa de uma habilidade insuficiente – tornar-se consciente do conteúdo da lei natural e colocá-la no alicerce inquestionável de qualquer julgamento envolvendo a lei “positiva”. Mas como a habilidade sempre depende de um coração que é capaz de amar e da vontade que produz e cultiva a habilidade, ocorre que todo o grande fracasso espiritual na questão da atividade criadora da lei resulta de um endurecimento universal e historicamente estável: do endurecimento dos corações, e da falta de vontade de produzir uma lei justa.

A partir disso já fica claro que a consciência legal normal não leva a uma vida bifurcada, mas a uma vida unitária e holística. E quando esta consciência vê diante de si uma bifurcação historicamente dada da lei, ela se dedica inteiramente à luta por uma lei unitária, justa, e à luta pela restauração da sua própria unidade interior, objetiva e espiritual. Ao mesmo tempo, esta consciência é uma relação espiritualmente verdadeira e holística da alma com a Lei. Ela não fica reduzida a “consciência” e “cognição”, mas vive sempre como uma busca da perfeição, da justiça e do que é correto, alimentada pelo coração e pela voz da consciência.

A consciência legal normal conhece o seu objetivo. Ela é um desejo consciente da lei; é um reconhecimento da lei em sua importância e obrigatoriedade, e um reconhecimento dela porque a vontade reconhece a sua meta. Portanto, a consciência legal normal é acima de tudo um desejo da lei como meta, e por essa razão é também um desejo da lei. Disso surgem a necessidade de conhecer a lei e a necessidade de realizá-la na vida, isto é, de lutar pela lei. É só desta forma holística que a consciência legal aparece como ‘consciência legal normal’ e se torna um poder nobre e inexorável, que se alimenta com a vida do espírito, e por sua vez determina e cultiva a vida do espírito na Terra.

A consciência legal normal pode ser descrita como um modo específico de vida pelo qual a alma vive, experimentando objetiva e verdadeiramente a lei na sua ideia fundamental e nas suas variantes singulares (instituições). Esse nível de vida psíquica é naturalmente algo ideal, embora não no sentido de que esse “ideal” seja irrealizável. Ao contrário, este modo de vida já existe em cada pessoa em embrião, e depende de cada um de nós tornar-nos conscientes da presença deste embrião em nós. Neste autotreinamento, é percebida uma grande dependência entre a “consciência” e o “fortalecimento” vital: a investigação da consciência legal normal tem êxito somente na presença de um desejo criador pela lei como meta, mas é precisamente um conhecimento objetivo desta meta que fortalece a vontade vital de chegar a ela.

O pesquisador que coloca diante de si esta tarefa entra inevitavelmente em uma luta contra toda uma multiplicidade de preconceitos, entre os quais talvez o mais persistente seja uma abordagem relativista da lei.

Aparentemente, as próprias condições para a criação e a realização da lei favorecem esse preconceito. Dentro da lei, segundo dizem as aparências, tudo é relativo. A consciência humana se acostuma com surpreendente facilidade e firmeza à ideia de que a lei é “condicionada” ao tempo e ao lugar, ao interesse e ao poder, à vontade persistente e ao acaso cego.

O que é lei “aqui” e “agora” pode, “amanhã” e “aqui”, ou “agora” mas “noutro lugar”, não ser lei. O que é proibido hoje pode ser permitido amanhã, e talvez possa ser imposto como obrigatório dentro de um mês. Interesses organizados se tornam um poder e declaram como “justo” o que amanhã será afastado como uma confluência “casual” de circunstâncias. Dentro dos arquivos são preservadas pilhas de “normas obsoletas” e códigos inteiros, e uma mente ágil, colocada a serviço de um interesse momentâneo, é capaz de interpretar e adaptar a lei “dominante” do modo como quiser. O conteúdo da lei é sempre “indefinido” e “condicional”, e o seu significado é sempre “provisório” e “relativo”.

A consciência legal contemporânea cresce e vive com base nesta convicção; está profundamente influenciada pelo relativismo e não conhece a si própria a ponto de saber que isso pode e deve ser diferente.

A convicção de que a lei é algo “relativo” – tanto em termos do seu conteúdo como do seu caráter obrigatório – surge imperceptivelmente, inconscientemente, e por essa razão está enraizada nas almas de modo particularmente forte e profundo: esta convicção converge com os interesses míopes e egoístas; é alimentada por eles, e, por sua vez, serve a tais interesses. Disso surge um círculo vicioso de importância vital: a escuridão gera a maldade, e a maldade apoia a escuridão. Círculos de pessoas “cultas” e não-cultas negam-se de modo idêntico a acreditar no valor objetivo da lei e não respeitam as suas prescrições; veem na lei uma obrigação desagradável, ou, no melhor dos casos, um meio conveniente para atacar e defender-se. A consciência legal é reduzida a um conjunto de fragmentos impensados de informação, desde a esfera da lei positiva e até a capacidade de “fazer uso” de tais fragmentos; mas atrás desse “conhecimento” e desse “uso” estão ocultos os fracassos e os defeitos mais profundos, a degeneração interna e a impotência espiritual.

Uma consciência legal cega, sem princípios e impotente tem dirigido a vida da humanidade. Estas doenças da consciência legal desataram o elemento natural da alma e prepararam a sua derrota espiritual.

A vida do espírito exige de fato um reexame e uma renovação profundos.
 
 
NOTAS:

[1] Deus: a lei universal, impessoal. (CCA)

[2] A voz do Silêncio, a voz da Lei, a voz da alma eterna. (CCA)

[3] Este ponto é especialmente significativo nos ensinamentos originais da Teosofia. Veja por exemplo a Carta 88 em “Cartas dos Mahatmas”. A Carta está disponível nos websites associados sob o título de “Mestres Ensinam Que Não Há Deus”. (CCA)

[4] A voz da consciência é a voz do que os teosofistas chamam de Antahkarana, a ponte abstrata entre o eu inferior e a alma espiritual. A consciência legal é um sentido de certo e errado e inclui um compromisso com a ação correta. (CCA)

[5] Uma descrição precisa e brilhante de Antahkarana, a ponte entre eu inferior e alma espiritual. Um enfoque 100 por cento idêntico ao de Helena Blavatsky e dos Mestres de Sabedoria. (CCA)
 
https://www.filosofiaesoterica.com

quarta-feira, 30 de outubro de 2019

O AJUSTE DAS ENERGIAS


Amados!

É preciso entender um pouco sobre o processo das mudanças energéticas do Planeta Terra, pois isso afeta diretamente cada um de vocês. Considerando que no Universo tudo é energia, onde não houver compatibilidade energética, certamente vai haver um choque considerável ou até uma ruptura de tal modo que as energias conflitantes se desintegrem, a fim de se reorganizarem novamente.
 
A Terra é um organismo vivo, pois não existe energia morta! As plantas, os animais e os minerais também são pura energia viva e ativa. O ar, a água, os movimentos telúricos como vulcões, terremotos, as marés, os raios e as tempestades, tudo são movimentações ou liberação das energias conjuntas planetárias.

Todas esses energias citadas até aqui fazem parte de uma organização natural. Obedecem ao comando cósmico e não estão sujeitas à ação do homem. Agem e reagem por si só. Se movimentam e se ajustam de acordo com a evolução dos mundos.

Mas a energia que quero reportar neste texto de hoje, é a energia mais importante para você, pois é a sua energia própria. Neste momento em que a Terra está fazendo a sua Transição para Dimensões superiores, só vai poder acompanhá-la aquele que tiver ressonância equivalente.

O homem suportou naturalmente as energias de 3D e 4D desde que ele existe neste Planeta. Mas estava anunciado o Final deste Tempo! Muito se tem falado e propagada que uma Nova Terra surgiria. E esta Nova Terra está aqui, descortinando-se para que possamos apreciar o espetáculo.

Para fazer parte de tudo isso, é preciso ajustar as vibrações. Cada ser humano vai se ajustando de acordo com o seu querer. Cada um tem a sua consciência individual que é a forma que percebe e entende a vida. E é dentro desta percepção que as mudanças ocorrem de forma mais rápida ou mais lenta.

A troca das energias que compõem cada ser humano, é individual e exclusiva. Pode até haver semelhanças, mas não haverá duas pessoas com a mesma energia. E dentro deste quadro geral, haverá os que terão compatibilidade para herdar a Nova Terra e, obviamente, os que serão incompatíveis e terão que deixar este Planeta.

A velha energia baseada no medo, na culpa, no egoísmo, no controle e na vida predominantemente material, precisa ser dissipada para dar lugar à energia nova que prevalecerá na Terra. Tudo é atração e para herdar a Nova Terra é preciso vibrar no amor, na confiança, na cooperação e no entendimento de que SOMOS TODOS UM, não importa o reino. A energia que está na pedra, na árvore, no animal e em todos os lugares, é a mesma energia que está em cada um de nós.

Uma vez que o homem interfere em qualquer energia mesmo que seja fora dele, estará afetando diretamente a sua também. Lembre que o que está em ti, está no outro e o que está no outro, está em você. O que está dentro, está fora e o que está fora, está dentro. E toda desarmonia vai gerar conflitos com certeza.

Herdará a Nova Terra aquele que está isento desses conflitos. Por isso, é preciso superá-los. Estamos aqui encarnados para fazer exatamente esta Transição. Para ascensionar, é preciso livrar-se das velhas energias. Todos os encarnados têm condições de fazer, embora muitos preferem não fazê-lo agora. Lembre-se que não há nenhuma missão de alma que não esteja dentro das possibilidades de cada um.

As dores e o sofrimento são o resultado da resistência em mudar. Elas vêm justamente para ajudar no ajuste e dar um parâmetro individual de como está andando tal processo. Claro que muitos sintomas são o resultado de tais ajustes. Porém, quando eles persistem, se intensificam ou se transformam em doenças, quer dizer que todos os avisos foram desprezados.

A hora é agora! A intensa Luz cristalina está mudando o DNA para facilitar a transformação de base carbono para base silício (cristalina). Tome consciência disso e aceite as propostas do Universo. Estamos adentrando os espaços interdimensionais e cabe tão somente pequenos reparos a fim de atingir a vibração compatível com as oitavas acima. A Quinta Dimensão está aqui! Já podemos senti-la!

Eu sou Vital Frosi e minha missão é o esclarecimento.
 
 https://lecocq.wordpress.com

OS BENEFÍCIOS PAGOS 
COM A  INGRATIDÃO


Que pensar das pessoas que, sofrendo ingratidão por benefícios prestados, não querem mais fazer o bem, com medo de encontrar ingratos?

Essas pessoas têm mais egoísmo do que caridade, porque fazer o bem somente para receber provas de reconhecimento, é deixar de lado o desinteresse, e o único bem agradável a Deus é o desinteressado. São ainda orgulhosas, porque se comprazem na humildade do beneficiado, que deve arrojar-se aos seus pés para agradecer-lhes. Aquele que busca na Terra a recompensa do bem que faz, não a receberá no céu, mas Deus a reservará para o que assim não procede.

É necessário ajudar sempre aos fracos, mesmo sabendo-se de antemão que os beneficiados não agradecerão. Sabeis que, se aquele a quem ajudais esquecer o benefício, Deus o considerará mais do que se fósseis recompensados pela sua gratidão. Deus permite que às vezes sejais pagos com a ingratidão, para provar a vossa perseverança em fazer o bem.

Como sabeis, aliás, se esse benefício, momentaneamente esquecido, não produzirá mais tarde os seus frutos? Ficai certos, pelo contrário de que é uma semente que germinará com o tempo. Infelizmente, não vedes nunca além do presente, trabalhais para vós, e não tendo em vista os semelhantes. A benemerência acaba por abrandar os corações mais endurecidos; pode ficar esquecida aqui na Terra, mas quando o Espírito se livrar do corpo, ele se lembrará, e essa lembrança será o seu próprio castigo. Então, ele lamentará a sua ingratidão, desejará reparar a sua falta, pagar a sua dívida noutra existência, aceitando mesmo, frequentemente, uma vida de devotamento ao seu benfeitor. É assim que, sem o suspeitadores, tereis contribuído para o seu progresso moral, e reconhecereis então toda a verdade desta máxima: um benefício jamais se perde. Mas tereis também trabalho para vós, pois tereis o mérito de haver feito o bem com desinteresse, sem vos deixar bater pelas decepções.

Ah!, meus amigos, se conhecêsseis todos os laços que, na vida presente, vos ligam às existências anteriores! Se pudésseis abarcar a multiplicidade das relações que aproximam os seres uns dos outros, para o seu mútuo progresso, admiraríeis muito melhor a sabedoria e a bondade do Criador, que vos permite reviver para chegardes a ele!

 
Allan Kardec - Evangelho Segundo o Espiritismo 
https://www.mensagemespirita.com.br

"Os infelizes são ingratos; isso faz parte da infelicidade deles". Victor Hugo tinha essa capacidade de perceber a grandeza ou a pobreza no ser humano. Precisamos compreender essa infelicidade chamada ingratidão que ainda acompanha muitos de nós. 'Fazer sem olhar a quem e sem esperar agradecimentos': creio que assim não sermos surpreendidos com a ingratidão alheia.
 

terça-feira, 29 de outubro de 2019

AMOR E CENTRAMENTO


Osho: Como uma mulher pode se apaixonar e ainda assim permanecer centrada em si mesma e preservar a própria individualidade? 
 
Essa pergunta tem muitas implicações. Primeiro, você não entendeu o que significa estar centrado. Segundo, você também não viveu a experiência do amor. Posso dizer isso com absoluta autoridade, pois a sua pergunta fornece todas as evidências do que estou dizendo.
 
Amor e centramento são o mesmo fenômeno, não dois diferentes. Se você conheceu o amor, só pode estar centrada. Amar significa estar de bem com a existência. Isso pode acontecer por meio de um amante, por meio de um amigo ou de maneira direta e imediata — por meio do nascer do sol, do pôr do sol.

A própria experiência de amar deixará você centrada. Essa tem sido toda a filosofia dos devotos ao longo das eras. O amor é a ciência deles; o centramento é o resultado.

Mas existem pessoas — e só existem dois tipos de pessoas — que são dominadas pela lógica. O coração delas não se desenvolveu ainda. E existem pessoas cujo coração está florindo e a razão, a racionalidade só funcionam como servos do coração.

A desgraça do homem é que ele está tentando fazer o impossível: está tentando forçar o coração a servir a mente, o que é impossível. Esse é o seu caos, a sua complicação.

Essa pergunta surgiu da experiência comum a que chamam de amor. Não se trata de amor, ela só é chamada de amor — é só um vislumbre, uma amostrinha, que não vai nutrir a pessoa. Pelo contrário, esse amor vai se tornar um estado patológico, porque num momento você está no ápice e tudo está simplesmente maravilhoso e no outro tudo está negro e nada parece ter sentido na sua vida.

Todos esses momentos de amor parecem saídos de um sonho ou talvez sejam frutos da sua imaginação. E esses momentos sombrios andam de mãos dadas com os momentos mais belos. Essa é a dialética da mente humana. Ela funciona por meio de opostos.

Você amará um homem, mas por razões absolutamente equivocadas. Você amará o homem, ou a mulher, porque está carregando dentro de você uma imagem do outro. O menino se inspirará na mãe e a menina, no pai.

Todos os amantes estão em busca da mãe e do pai — em última análise, todos estão em busca do útero e do seu estado belo e relaxado.

Do ponto de vista psicológico, a busca eterna pela moksha, a libertação suprema, a iluminação, pode ser reduzida ao fato psicológico básico de que o ser humano já conheceu o estado mais belo e pacífico que existe antes de nascer. Agora, se algo maior não acontecer na vida dele, uma exposição ao divino, ao universal, ele se sentirá infeliz, porque — inconscientemente — a todo instante haverá um julgamento.

Ele sabe que viveu durante nove meses e, lembre-se de que, para a criança que está no útero, nove meses são quase uma eternidade, porque ela não sabe contar, ela não tem relógio. Cada momento é completo em si mesmo. Ela não sabe que haverá outro em seguida, por isso cada momento é uma surpresa. E sem preocupações, sem nenhuma tensão com respeito à comida, roupas, abrigo, ela está absolutamente à vontade, relaxada, centrada. Não há nada que a distraia do centro.

Não há ninguém nem mesmo para dizer olá.

Essa experiência de nove meses de centramento, de imensa alegria, paz, solidão.., o outro não está mais ali; o mundo se resume em você, você é o todo. Nada está faltando, tudo é suprido pela natureza, sem que seja necessário nenhum esforço da sua parte.

Mas a vida confronta você de uma maneira totalmente diferente — antagonicamente, competitivamente. Todos são seus inimigos, porque todo mundo está competindo; todo mundo é seu inimigo porque todo mundo tem os mesmos desejos, a mesma ambição. Você está sujeito a entrar em conflito com milhões de pessoas.

É por causa desse antagonismo interior que todas as culturas do mundo criaram um certo sistema de etiqueta, de familiaridade, de formalidade, e enfatizam continuamente esse sistema para a criança: "Você tem que respeitar o seu pai".

Todas as culturas do mundo inteiro, ao longo de toda a história, por que todas elas insistem que a criança tem que respeitar o pai? Existe a suspeita de que, se ela for deixada por si mesma, ela não vai respeitar o pai; isso é evidente, é pura lógica. Na verdade, a criança vai odiá-lo. Toda menina odeia a mãe.

Para esconder esse ódio — porque será muito difícil viver numa sociedade em que todas as feridas estão à mostra e todo mundo anda por aí com as feridas abertas —, um certo ethos, uma moralidade, um certo estilo de vida tem que encobri-las e mostrar justamente o oposto: que você ama a sua mãe, que você ama e respeita o seu pai.

Lá no fundo acontece exatamente o oposto.

Você foi dividido em dois pela sociedade. A parte falsa é merecedora de todo respeito, porque o falso é criado pela sociedade. Ao real é negado qualquer respeito, porque o real vem da natureza, que está além do controle de qualquer sociedade, cultura ou civilização.

Toda criança tem que ser treinada para mentir, tem que ser programada de modo a ser subserviente à sociedade, de modo a ser um dócil escravo. Todas as sociedades quebram a espinha de todas as crianças, por isso elas ficam sem eixo, sem personalidade. Não podem erguer a voz, não podem questionar nada. A vida delas simplesmente não lhes pertence.

Ela ama, mas o seu amor é falso. Desde o início, dizem que ela tem que amar a mãe, "porque ela é a sua mãe" — como se a condição de mãe tivesse alguma qualidade intrínseca ou implicasse na obrigação de que você devesse amá-la. Mas existe a aceitação geral de que a mãe tem que ser amada.

A minha ênfase é que a mãe seja amorosa e que jamais se diga a nenhuma criança que ela tem que amar alguém, a não ser que esse amor brote naturalmente. Sim, a mãe, o pai, a família pode criar um ambiente sem dizer coisa alguma; toda a energia pode gerar, pode desencadear as suas forças interiores de amor.

Mas nunca diga a ninguém que o amor é um dever. Ele não é. O dever é um falso substituto do amor.

Quando você não consegue amar, a sociedade o supre com deveres. Eles podem ter a aparência de amor, mas por dentro não existe amor nenhum; pelo contrário, só existe formalidade social.

E você fica tão acostumado com as formalidades sociais que se esquece completamente de que existem coisas prestes a acontecer na sua vida, mas você está tão ocupado que não lhes dá espaço, não permite que o amor floresça dentro de você.

Por causa disso, você não sabe que centramento e amor são a mesma coisa.

O centramento atrai mais o intelectual. Não é preciso acreditar em nada; não há ninguém a quem você precise se render.

É por causa do outro que todo caso de amor termina em tragédia. Na literatura indiana, não existem tragédias. Nos meus tempos de estudante, eu perguntava para os meus professores, "Por que não existem tragédias na literatura indiana?" E nem um único mestre ou professor foi capaz de me dar uma resposta convincente. Eles simplesmente davam de ombros e diziam, "Você é estranho; faz cada pergunta! Estou nesta universidade há trinta anos e ninguém nunca me fez essa pergunta".

Eu dizia, "Para mim parece óbvio que a questão tem raízes profundas na cultura". Em todos os países, com exceção da Índia, existem tragédias — lindas histórias, romances, ficção — mas na Índia não existem. E isso porque a Índia é uma terra mais antiga que as outras. O povo aprendeu muitas coisas com a experiência, e uma delas é que não se deve falar do que não deveria existir; por isso não se fala em tragédias.

Essa lógica é compreensível. Se o ser humano sentir que a vida é sempre uma comédia, existe a possibilidade de que ele possa continuar enganando a si mesmo. Ele pode nunca contar a ninguém sobre os seus problemas, porque acha que ninguém tem problemas. Por que se expor ao ridículo? Se existe algo errado com você, não comente a respeito. Para que se expor a uma sociedade cruel que simplesmente rirá de você e provará que você é um idiota e não sabe viver?

Mas a coisa não é tão simples. Não se trata apenas de saber viver. É uma questão de, primeiro, deixar de lado tudo o que é falso em você.

O falso vem de fora. E quando tudo o que é falso é deixado de lado e você fica absolutamente nu diante da existência, o real começará a crescer em você. Essa é uma situação que precisa ser fomentada para que o real cresça, floresça, e lhe traga o significado supremo e a verdade da vida.

É preciso lembrar: você pode começar se centrando — no momento em que se centra você percebe subitamente que um amor imenso está fluindo — ou pode começar amando.

E no momento em que o seu amor não tiver ciúme, não tiver condicionamentos, mas for apenas o compartilhar da dança do coração, você viverá o centramento.

São os dois lados da mesma moeda. O centramento é um método mais intelectual, mais científico. O amor tem uma fonte diferente dentro de você — o seu coração. Ele é mais poético, mais estético, mais sensível, mais feminino, mais bonito. E é mais fácil do que se centrar.

A minha sugestão é: primeiro livre-se de todas as ideias falsas sobre o amor. Deixe que alguma coisa real cresça dentro de você e o centramento estará a caminho, a iluminação estará a caminho. Mas, se você achar muito difícil começar pelo amor, não se desespere. Você pode avançar por meio do centramento.

Pode chamá-lo de meditação, pode chamá-lo de consciência. Mas em cada caso, o resultado final é o mesmo: você estará centrado e transbordante de amor.

 
Osho, em "A Essência do Amor: Como Amar Com Consciência e se Relacionar Sem Medo"
http://mestresdosilencio.blogspot.com


SOBRE LIVROS, DRAMAS E CINEMAS
COMO FERRAMENTAS
 
 
Pergunta: mencionastes o processo do pensamento pelo qual nós criamos nossas próprias circunstâncias. Podereis falar-nos sobre isto?

Krishnamurti: Acabo justamente de falar sobre isto. Para usar novamente da mesma comparação, se sois simplesmente um dente da engrenagem da máquina, sereis colhidos pelas circunstâncias da sociedade, pelo cerco criado por outros. Mas, se por pensamento de todo o dia, por consideração, por observação, atravessardes e romperdes essas limitações, estareis, então, criando vossas próprias circunstâncias, vossas próprias cercas, das quais sois mestres, e que não serão nunca uma limitação ou um peso para vós. Por um processo mecânico ou sistema de pensamento, nunca podereis vos libertar, e a libertação, para mim, é a riqueza, a plenitude de si própria que é harmoniosa. A tal chegaremos, não como escravos da cerca, mas se a vencermos. Necessitais da coragem de vossas convicções. Não importa quais sejam as consequências; se pensardes que determinada coisa está certa devereis executa-la diariamente. É esta a razão por que um pecador é sumamente superior a um homem que receia sua ação, que está sempre em estagnação, que é a mediocridade. Não estou falando com severidade; estou falando dos fatos. Um homem que não pode se afastar do caminho, que não é experimentado, que não luta, não será nunca feliz.


Pergunta: Há quem ache falta de interesse em livros de qualquer espécie, em dramas e cinemas, por não darem expressão da realidade ou da criação individual. Deve-se acreditar nisto?

Krishnamurti: Não sei como se possa acreditar nisto. Se vos excluirdes de todas essas coisas, estareis bloqueando canais de interesse e deveis ser interessado por todas as coisas que acontecem em torno de vós. Não deveis ficar longe do progresso do homem, quer material, quer espiritual. Deveis estar em contato com ele, porque precisais ajudar o homem a ir além de todos os limites. Não sejais como o asceta que se afasta do mundo, por acha-lo terrível. Antes, sede como a árvore que tem raízes profundas nas entranhas escuras da terra, enquanto os galhos de cima se agitam no espaço.

Para caminhardes a grande distância, deveis principiar perto; para subirdes alto, devereis começar por baixo. O grande perigo de pertencerdes a qualquer sociedade está em retira-vos gradualmente, por um processo inconsciente, das coisas exteriores, e em vós excluirdes a vós mesmos, pelo desejo de serdes diferentes dos demais e, portanto, em obstruir canais somente através dos quais a vida pode funcionar livremente.


Krishnamurti
http://pensarcompulsivo.blogspot.com 
 
 

segunda-feira, 28 de outubro de 2019

CONSCIÊNCIA SEM LIMITES




A Consciência da unidade é a simples consciência do verdadeiro território sem limites. Para Vive-la, não precisamos de truques, de fetiches, de jargão místico ou miasmas do ocultismo. A Consciência da unidade é então o estado natural da consciência que reconhece a pura realidade tal como ela é. Em resumo, a Consciência da unidade é a Consciência sem Limites.

Por mais simples que possa parecer, no entanto, é extremamente difícil discutir adequadamente a Consciência sem limites ou a Consciência da unidade.Isso ocorre porque a nossa linguagem – o meio no qual toda discussão verbal deve flutuar – é uma linguagem de limites. As palavras, os símbolos e os próprios pensamentos são, na realidade, apenas limites, pois toda vez que pensamos ou usamos uma palavra ou nome, já estamos criando limites.Mesmo quando dizemos “A realidade é Consciência sem limites”, ainda criamos uma distinção entre limite e não-limite! Então, devemos ter em mente a grande dificuldade acarretada pela linguagem.

Sim, “a realidade é sem limites”, contanto que nos lembremos que a Consciência sem limites é uma consciência direta, imediata, não-verbal e, de modo algum, uma mera teoria filosófica. É por essas razões que os sábios mestres enfatizam que a realidade encontra-se além de nomes e formas, palavras e pensamentos, divisões e limites. Além de todos os limites está o verdadeiro mundo da Quididade, O Vazio, O Tao, O Brahman, A Divindade.

Na Realidade Pura não há limites entre sujeito e objeto, eu e não-eu, observador e observado. (assim nos dizem os mestres e textos antigos) Eu enfatizo esse ponto, e me alongarei nele por todo este trabalho, porque de todos os limites que o homem constrói, o limite entre o eu e o não-eu é o mais fundamental. É o limite que mais relutamos em abandonar. Afinal, foi o primeiro limite que traçamos. É o nosso limite mais estimado. Investimos anos para fortalecê-lo e defendê-lo, para torná-lo seguro. É o próprio limite que estabelece nossa noção de sermos um ente separado. É a medida do nosso envelhecimento, cheios de anos e memórias, até que começamos a entrar no nada final da morte, que é o último limite que abandonamos.

O limite entre o eu e o não-eu é o primeiro que traçamos e o último que apagamos. De todos os limites que construímos, esse é o limite primário. Tão fundamental é o limite primário entre o eu e o não-eu que todos os nossos outros limites dele dependem. Não somos capazes de distinguir limites entre coisas até que tenhamos nos distinguido das coisas. Todo limite que nós criamos depende de nossa existência separada, certamente, todos e quaisquer limites são obstáculos à Consciência da unidade. Mas já que todos os nossos outros limites dependem deste limite primário, ver através dele é ver através de todos. Num certo sentido, isso é extremamente oportuno, pois, se tivéssemos de lidar com todos os nossos limites em separado, um por um, levaríamos toda uma vida, talvez várias, para dissolvê-los e obter a “libertação dos pares de opostos”. Contudo, ao focalizar o limite primário, nossa tarefa torna-se enormemente simplificada.

É como se nossos diversos limites constituíssem uma pirâmide invertida de blocos, todos eles repousando no bloco da extremidade inferior. Se retirarmos esse bloco, o edifício todo desmorona. Podemos analisar esse limite primário sob muitos ângulos e sob muitos nomes. Ele é a separação irredutível entre aquilo que chamo “eu” e aquilo que chamo “não-eu”: eu aqui e os objetos lá. É a ruptura entre o sujeito cognoscente e o objeto conhecido. É aquele espaço entre meu organismo e o meio ambiente. É a brecha entre o “eu” que agora lê e a página lida. No todo, é a brecha entre a pessoa que vivencia e o mundo vivenciado.

Portanto, parece que, no lado de “dentro” do limite primário, existe o “eu”, o sujeito, o que pensa, sente e vê. Do outro lado há o não-eu, o mundo dos objetos lá fora, o meio ambiente, estranho e separado de mim. Porém, na Consciência da unidade, na percepção sem limites, a noção do eu altera-se de modo a incluir, sem omissões, tudo o que antes foi considerado como não-eu. E, é óbvio, isso não pode ocorrer enquanto o limite primário que separa o eu do universo é erroneamente interpretado como sendo verdadeiro. Assim, se em certa medida conseguirmos começar a ver através do limite primário, a noção da Consciência da Unidade não estará muito longe de nós.

A partir do que foi dito, é bastante fácil chegar à conclusão errônea de que tudo o que devemos fazer para entrar na Consciência da Unidade é destruir o limite primário. Falando grosseiramente, o raciocínio parece verdadeiro, mas a situação real é muitíssimo mais simples. De fato, não precisamos ter o trabalho de tentar destruir o limite primário, por uma razão extremamente elementar: O limite primário não existe. Como todos os limites, ele é apenas uma ilusão. Apenas parece existir. (Quando você cerca uma planície e cria um limite, você não alterou, de fato, a continuidade real do terreno.) Fingimos que existe, supomos que existe, comportamo-nos como se ele existisse.

Mas não é o caso. E se formos em busca do limite primário, não descobriremos dele qualquer vestígio, pois os fantasmas não tem sombra. Neste exato momento, e quero dizer bem agora, enquanto você está lendo isto, não existe um limite primário verdadeiro, e, portanto, neste exato momento, não há uma barreira à Consciência da unidade. Logo, não sairemos à procura do limite primário para depois tentar destruí-lo. Na verdade, isso seria um grave erro, ou, pelo menos, uma colossal perda de tempo, pois não se pode destruir o que não existe. Podemos apenas compreender e ver através da própria ilusão, que se dissolve no instante da percepção. Na verdade, não há limite algum; há apenas a ideia do limite, do “eu”, alimentada ano após ano.

Sob este ponto de vista, mesmo a tentativa de destruir o limite primário através de atividades elaboradas tais como a ioga, a concentração mental, as preces, o ritual, o jejum - tudo isso simplesmente supõe a realidade do limite primário e portanto reforça e perpetua a própria ilusão que pretende destruir. Em vez de supor que o limite primário é real e depois tomar providências para tentar elimina-lo, primeiro iremos em busca do limite primário propriamente dito. E, se de fato é uma ilusão, nunca acharemos um vestígio dele. Poderemos então compreender espontaneamente que aquilo que pensávamos estar obstruindo nossa Consciência da unidade nunca existiu. E, como veremos, esse insight já é uma experiência da Percepção sem limites.

Agora, o que realmente significa procurar o limite primário? Procurar o limite primário é procurar muito cuidadosamente a sensação de ser um eu separado, um ente que vivencia e sente, permanecendo distinto das experiências e sentimentos. Estou sugerindo aqui que, se procurarmos cuidadosamente esse “eu”, não o encontraremos. E, já que esse sentimento de ser um eu isolado parece ser o maior obstáculo à Consciência da unidade, procurá-lo e não o encontrar já é vislumbrar a própria Consciência da unidade.

Segundo o grande sábio Padma Sambhava: “Se o próprio ser que procura, ao procurar-se, não puder ser encontrado, o objetivo e também o próprio fim da busca terão sido atingidos.” No início de tal experiência, devemos ser bem claros com relação ao que realmente significa essa “ausência do eu” ou “ausência do limite primário”.Não significa uma perda de todas as sensibilidades; não é um estado de transe, caos, tumulto, ou comportamento descontrolado. Não se trata de uma explosão de minha mente e corpo, que a seguir fundem-se numa grande massa informe de algum tipo em algum lugar. (Não perca o contato com a realidade) Não tem nada em comum com a regressão esquizofrênica, que não transcende de modo algum o limite do eu /não-eu, mas, ao contrário, embaralha-o e confunde-o.

Quando falamos de “perda do eu” queremos dizer isto: A sensação de ser um ente separado é uma sensação que foi mal compreendida e mal-interpretada, e é a dispersão dessa interpretação errônea que nos interessa. Todos temos aquela sensação, aquele sentimento radical de ser um ente isolado separado no nosso fluxo de experiências e ilhado do mundo à nossa volta. Todos nós temos, de um lado o sentimento do “eu”, e de outro o sentimento do mundo externo. No entanto, se observarmos cuidadosamente a sensação de “eu aqui dentro” e a sensação de “mundo lá fora”, verificaremos que essas duas sensações são, de fato, uma e mesma. Em outras palavras, aquilo que agora sinto ser o mundo objetivo lá fora é a mesma coisa que sinto ser o eu subjetivo aqui dentro. A separação entre a pessoa que vivencia e o mundo das vivências não existe, e, portanto, não pode ser encontrada. 

De início, isso pode soar muito estranho, porque estamos acostumados a acreditar em limites. Parece óbvio que eu seja aquele que ouve os sons, aquele que tem sentimentos, aquele que vê cenas.  Mas, por outro lado, não é estranho que eu me descreva como o Observador que observa as coisas observadas? Ou o ouvinte que ouve os sons ouvidos? Será a percepção assim tão complicada? Será que realmente envolve três entidades - Um observador, a observação e o que é observado

Com certeza, não existem aqui três entidades separadas. Será possível a existência de um observador sem o ato de observar ou sem algo a ser observado? Será possível existir o ato de observar sem um observador ou sem algo a ser observado? O fato é que o observador, a observação e o que é observado são todos aspectos de um só processo - nunca, em tempo algum um, um deles é encontrado sem os outros. Nosso problema é que temos três palavras: “observador” observação” e “observado”- para designar uma única atividade, a Experiência de Testemunhar

Poderíamos também descrever um único curso de água como “a corrente corre a correnteza”. Isso é completamente redundante e introduz três fatores onde na verdade só existe um. No entanto, hipnotizados como estamos pela magia verbal, supomos a existência de uma entidade separada, o “observador” que, através de algum tipo de processo chamado “observar”, adquire conhecimento de uma outra coisa ainda chamada o “observado”. Então supomos naturalmente que somos apenas o observador, totalmente divorciados do observado. Nosso mundo é assim então separado bem ao meio, com o “observador aqui dentro” confrontando, do outro lado de um abismo profundo, as coisas “observadas lá fora”.

Mas vamos voltar ao início do próprio processo de Vivência e verificar se o que se vivencia é de fato completamente distinto do vivenciado. Comecemos com o sentido da audição. Feche os olhos e preste atenção ao verdadeiro processo de ouvir. Note todos os sons diferentes flutuando por aí – pássaros cantando, carros roncando, grilos cricrilando, crianças rindo, a televisão gritando. Mas, com todos esses sons, note que há uma coisa que você não pode ouvir, não importa quão atentamente escute cada som: Você não pode ouvir o ouvinte. Isto é, para além de todos esses sons, você não consegue ouvir um ouvinte daqueles sons. Não conseguimos ouvir o ouvinte porque ele não existe. O que nos ensinaram a chamar de “ouvinte” é, na verdade, apenas a própria Experiência de ouvir, e não somos capazes de ouvir o ouvir. Na realidade, há apenas um fluxo de sons, e esse fluxo não se divide em sujeito e objeto. Não há limites aqui.

Se deixássemos a sensação de ser um “ouvinte” que habita dentro do crânio e se nos dissolvêssemos no próprio ato de ouvir, poderíamos descobrir o suposto “EU” fundindo-se com a totalidade do mundo dos “sons de fora”. E isso significa que não ouvimos sons, nós somos esses sons. O ouvinte é todo o som ouvido, e não uma entidade separada que recua e ouve o ouvir. O mesmo é verdadeiro com respeito ao processo da visão. Quando olhamos cuidadosamente o campo visual, ele parece quase suspenso no espaço, suspenso no nada. Contudo, este campo consiste em um padrão infinitamente rico de luzes entrelaçadas, cores e nuanças, formando tudo isso uma montanha aqui, uma nuvem ali, um riacho acolá. Mas, entre todas as cenas visíveis, há ainda uma coisa que não podemos ver, não importa o quanto forçamos a vista. Não podemos ver o observador desse campo visual. Quanto mais tentamos ver o observador, mais nos intriga a sua ausência.
 

Durante anos, supusemos com toda naturalidade que nós éramos o observador que via as cenas. Mas no momento que passamos a buscar o observador, não encontramos vestígio dele. De fato, insistindo em tentar ver o observador, tudo o que encontramos são coisas vistas. Isso apenas quer dizer que eu, o “observador”, sou idêntico a todas aquelas cenas agora presentes. O assim chamado observador é nada mais que tudo o que é visto. Ao olharmos uma árvore, não há uma experiência chamada “árvore” e outra experiência chamada “vendo a árvore”. Há apenas a experiência única de ver-a-árvore. Não vemos esse ver, assim como não cheiramos o olfato ou não degustamos o paladar. Parece que, onde quer que procuremos um eu separado da experiência, ele desaparece dentro dela. Quando procuramos o experimentador, descobrimos apenas outra experiência – o sujeito e o objeto sempre demonstram ser uma só coisa.

Essa é uma realidade bastante perturbadora e, por isso, você pode estar se sentindo muito confuso, sentado aí pensando nisso tudo. Mas levemos a coisa adiante só mais um pouco. Enquanto você está aí pensando sobre isso, pode também encontrar o pensador que realiza essa atividade? Em outras palavras, existirá um pensador que pensa o pensamento “estou confuso”, ou existirá apenas o pensamento estou confuso”?

Há, com certeza, apenas o pensamento; se houvesse também um pensador, será que você já não o teria encontrado? Parece óbvio que aquilo que erroneamente acreditamos ser um pensador é, na verdade, nada mais que o próprio fluxo de pensamentos. Havia apenas o pensamento presente – “estou confuso”. Quando, então, você procurou o pensador desse pensamento, tudo o que encontrou foi outro pensamento, isto é, “estou pensando que estou confuso”. Nunca encontrou um pensador separado do pensamento, o que quer dizer apenas que os dois são idênticos. É precisamente por isso que os sábios aconselham-nos a não tentar destruir o “eu”, mas apenas a procurá-lo, porque toda vez que o procuramos tudo o que encontramos é a sua previa ausência.

Mas, mesmo já tendo começado a compreender que não existe um ouvinte, nem um degustador, nem um observador, nem um pensador isolado, ainda é provável que encontremos dentro de nós um sentimento nuclear, irredutível, de que somos entes separados e isolados. Ainda há aquela sensação de ser separado do mundo lá fora. Há ainda aquele sentimento íntimo que de algum modo me conheço como sendo meu “eu” interior. Mesmo se não posso ver, degustar ou ouvir a mim mesmo, definitivamente posso sentir a mim mesmo.

Bem, será que você pode encontrar, além do sentimento que agora chama de seu “eu”, um
sentidor que está fazendo o sentimento? Novamente, essa sensação nuclear de ser um sentidor que tem sentimentos é ela própria apenas de um outro sentimento. O “sentidor” não passa de um sentimento, assim como pensador é apenas um pensamento e o degustador é apenas o gosto. Também nesse caso, não há um sentidor separado e diferente dos sentimentos - e nunca houve. Assim, a conclusão inevitável começa a nos ocorrer; não existe um eu separado do mundo.

Sempre supusemos haver um vivenciador separado, mas no momento em que realmente partimos à sua procura, ele desapareceu dentro da experiência. Como afirma Alan Watts:  “Há apenas a experiência”. “Estou ótimo” quer dizer que um sentimento ótimo está presente. (só isto) Não significa a existência de uma coisa chamada “eu” e de outra coisa separada chamada “sentimento”, de modo que, quando colocadas juntas, esse “eu” sinta os sentimentos ótimos. Não existem sentimentos que não sejam os sentimentos presentes, e qualquer sentimento presente é um “eu”. Ninguém jamais encontrou um “eu” separado de uma experiência, ou uma experiência separada de um “eu”- o que quer apenas dizer que os dois são a mesma coisa.

Agora, que você começa a compreender que não existe uma brecha entre “você” e suas experiências, será que não começa a perceber o fato de não haver brecha entre “você” e o mundo que é vivenciado? Você não ouve o som do trovão, você é o som do trovão. A sensação interior chamada “você” e a sensação exterior chamada “o mundo” são uma mesma sensação. O sujeito interior e o objeto exterior são dois nomes para uma única realidade, a única coisa que pode ser experimentada. Isso significa que seu estado de consciência neste momento, quer você se dê conta quer não, já é a Consciência da unidade. Neste momento, você já é o cosmo, você já é a totalidade de sua experiência atual. Seu estado atual é sempre o de Consciência da unidade, porque o eu separado, que parece ser o grande obstáculo a essa consciência, é sempre uma ilusão.

Não precisamos tentar destruir o eu separado, já que, para início de conversa, ele não existe. Tudo o que precisamos fazer é procurá-lo, e não seremos capazes de encontrá-lo. O próprio fato de não o encontrar é um reconhecimento da Consciência da Unidade. Por mais estranho que tudo isso possa parecer à primeira vista, a percepção interior de que não existe um eu separado sempre foi óbvia para os mestres e sábios de todas as épocas, e constitui um dos pontos centrais da Filosofia perene.

O resumo dos ensinamentos de Buda exprime tudo:

O sofrimento existe, mas ninguém que sofra;
O apego existe, mas não quem se apegue;
O caminho existe, mas ninguém que o percorra;
O Nirvana existe, mas ninguém que o alcance.

Essa exata compreensão é universalmente considerada a libertação de todo sofrimento. Podemos afirmá-lo positivamente: quando compreendemos que nosso eu é o todo, então não há nada fora de nós mesmos que possa causar sofrimento. Não há nada fora do universo contra o qual possamos chocar-nos. E podemos afirmá-lo negativamente: Essa compreensão é uma libertação de todo sofrimento porque é, a priori, uma libertação frente à idéia de que há um eu que pode sofrer. Como afirma Wei Wu Wei:

“Por que você está infeliz?
Porque 99,9 por cento
De tudo o que você pensa e
De tudo o que você faz
É para você mesmo-
E você, isolado em si mesmo, não existe.”

Apenas as partes sofrem, não o Todo. Quando compreendemos que não existe a parte, caímos no Todo. Quando percebemos que não existe eu algum (e isso ocorre neste exato momento), percebemos que nossa verdadeira identidade é sempre a Identidade Suprema . E esse é o nosso verdadeiro eu. Para onde quer que olhemos, veremos nossos rostos originais em toda a parte. És Isso. O teu verdadeiro Eu é idêntico à Energia suprema da qual todas as coisas no Universo são uma manifestação.” Esse eu verdadeiro recebeu, das diversas tradições místicas e metafísicas, dezenas de nomes diferentes durante a história da humanidade. É conhecido como o Filho Divino, Al-insan,  Al-Kamil, Adam-Kadmon, Ruarch Adonai, Nous, Pneuma, Purusha, Tathagatagarbha, Estado de Buda, Homem Universal, Deus, Brahman-Atman, Ipseidade. E todas essas palavras são apenas símbolos do verdadeiro mundo do sem-limites.

Os mestres nos dizem, unânimes, que “O Reino dos Céus está dentro de nós”. Como costumava dizer Swami Prabhavananda; “Quem, o que você pensa que é?” Absoluta, básica e fundamentalmente, bem lá no fundo?” Essa realidade é a Testemunha dos três estados de consciência (vigília, sonho e sono profundo), e é diferente dos cinco sentidos. Essa realidade é Cognoscente de todos os estados de Consciência. Consideremos esta excelente citação do mestre Zen Shibyama: “Ela ( a Realidade) é “Subjetividade Absoluta”, que transcende tanto a subjetividade como a objetividade e livremente cria e usa de ambas. É “subjetividade fundamental”, que nunca pode ser objetivada ou conceitualizada, e é completa em si própria, contendo a plena significação da própria existência. Chamá-la por esses nomes constituí já um erro, um passo em direção à objetivação e à conceitualização. O Mestre Eisai observou, nesse sentido, que ela é sempre inominável”.

Precisamos reconhecer as dificuldades que enfrentamos ao tentar descrever a inefável experiência da Consciência da Unidade, pois ela é uma Percepção sem limites, enquanto todas as nossas palavras e pensamentos são apenas limites. Entretanto, isso não é um defeito restrito a uma língua em particular, mas é inerente a todas as línguas devido à sua própria estrutura. Uma língua possui uma utilidade apenas na medida em que pode construir limites. O problema é que a estrutura de qualquer língua não consegue captar a natureza da Consciência da Unidade, assim como um garfo não consegue apanhar o oceano. Logo, nós precisamos vivenciar por nós mesmos a Consciência da Unidade. Nesse sentido, o Caminho é puramente experimental.

“Não pense, apenas olhe!” Exclamou Wittgnstein. Mas, olhar para onde? É essa a questão a que os mestres universalmente respondem dizendo: “olhe para dentro.” Necessitamos da prática de olhar para dentro, para que possamos perceber o Vazio, e reconhecer a inexistência de um “eu” separado. E dissolver a Grande Ilusão. Ver que o corpo grosseiro, composto dos sete humores, não sou eu; que os cinco órgãos do sentido, que captam seus respectivos objetos, não sou eu; que até a mente que pensa, não sou eu. 


Mas então o que poderia ser nossa verdadeira natureza? Ela não pode ser meu corpo, porque posso senti-lo e conhecê-lo, e aquilo que pode ser conhecido não é o Cognoscente Absoluto. Ela não pode ser meus desejos, esperanças, medos e emoções, pois até certo ponto posso observá-los e senti-los. Não é aquilo que pode ser minha mente, minha personalidade, meus pensamentos, pois tudo isso pode ser testemunhado, e aquilo que pode ser testemunhado não é a Testemunha absoluta.

Ao procurar persistentemente o eu verdadeiro dentro de nós, na verdade estamos começando a perceber que ele não pode mesmo ser encontrado dentro de nós. Costumávamos pensar sobre nós mesmos como o “pequeno sujeito” aqui dentro que observava todos aqueles objetos lá fora. No entanto, aqui se encontra o nosso principal problema. A maioria de nós supõe que pode sentir-se, conhecer-se ou perceber-se, ou pelo menos ter de certa forma consciência de nós mesmos. Temos essa sensação até mesmo agora. No entanto, o fato de que posso ver ou conhecer ou sentir meu “eu” neste momento, leva-me a concluir que esse “eu” não pode de modo algum ser o “verdadeiro eu”. É um falso eu, um pseudo-eu, uma ilusão, um engodo.

Inadvertidamente, identificamos-nos com um complexo de objetos, todos conhecidos ou passíveis de ser conhecidos. Esse complexo de objetos cognoscíveis não pode ser o verdadeiro Cognoscente ou verdadeiro Eu, porque são todos, e cada um, limites da realidade. Nós nos identificamos com nosso corpo, mente e personalidade, imaginando que esses objetos constituem nosso verdadeiro “Eu”, e passamos a vida inteira tentando defender, proteger e prolongar aquilo que é apenas uma ilusão. Somos vítimas de um caso epidêmico de identidade trocada, e nossa Identidade Suprema, silenciosamente, espera ser descoberta.

Minha mente, meu corpo, meus pensamentos, meus desejos – nada disso constitui o meu verdadeiro Eu, nem tampouco as árvores, as estrelas, as nuvens e as montanhas, pois posso testemunhar todos esses objetos com igual acerto. Prosseguindo desse modo, torno-me transparente para o meu eu verdadeiro, e percebo que, de algum modo, aquilo que sou vai muito além desse organismo isolado, limitado pela pele. Quanto mais penetro dentro de mim mesmo, mais me deixo para trás.

À medida que essa investigação avança, ocorre aquilo que o Lankavatara Sutra chama de “uma reviravolta na base mais profunda da consciência”. Quanto mais procuramos o Observador Absoluto, mais percebemos que não podemos encontrá-lo na forma de um objeto particular e limitado. E a razão por que não conseguimos encontra-lo na forma de um determinado objeto é porque ele é todo objeto! Não conseguimos senti-lo porque ele é tudo o que sentimos. Não conseguimos vivencia-lo porque ele é tudo o que é vivenciado, em sua totalidade. Nada do que podemos observar é o Observador Supremo – porque Ele é tudo o que vemos. À medida que penetramos dentro de nós mesmos para procurar nosso verdadeiro eu, encontramos apenas o mundo.

Mas algo estranho ocorreu agora, pois percebemos que o verdadeiro eu dentro de nós é, na verdade, o mundo exterior, e vice-versa. O sujeito e o objeto, o lado de dentro e o lado de fora são e sempre serão a mesma coisa. Não existe limite primário. O mundo é nosso corpo, o lugar de onde observo e aquilo que observo. Já que o verdadeiro eu não está nem dentro nem fora, já que o sujeito e o objeto, na verdade, não são coisas distintas, o mestre pode falar da realidade de muitas maneiras diferentes, contraditórias apenas na aparência. Pode dizer que em toda a realidade não existe objeto algum. Pode afirmar que a realidade não contém sujeito algum. Pode negar a existência tanto do sujeito como do objeto.

Talvez agora se torne óbvio que, apesar das formulações teóricas complexas que com frequência cercam a filosofia intelectual, a essência do ensinamento correto é clara, simples e objetiva. O intelecto é dual e limitado, e jamais vai chegar à Unidade. Dizer que a realidade é não-dual é dizer que a realidade é sem limites. Cada coisa e acontecimento no cosmos interdependem de e inter-relacionam-se com todas as outras coisas e acontecimentos no cosmos.

A descoberta do mundo real sem limites é a Experiência da Consciência da Unidade. Não é que na Consciência da Unidade estejamos olhando para o verdadeiro território sem limites. (não há um “eu” olhando!) Não; a Consciência da Unidade é o próprio território sem limites . “Apenas” isso, e isso é a nossa Verdadeiro Natureza.”



Ken Wilber
http://aumagic.blogspot.com