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segunda-feira, 20 de julho de 2020

CAMINHANDO PARA A LUZ

Tudo o que me cerca é sua luz. Existe um Deus que cuida de todos nós.
Refletindo com Thomas Merton

A contemplação é também a resposta a um chamado. Um chamado daquele que não tem voz e no entanto se faz ouvir em tudo que existe, e que, sobretudo, fala nas profundezas de nosso próprio ser, pois nós somos palavras dele. Mas somos palavras que existem para responder a ele, atendê-lo, fazer-lhe eco e mesmo, de certo modo, para estarem repletas dele, contê-lo e significá-lo. A contemplação é esse eco. É uma profunda ressonância no mais íntimo centro de nosso espírito, onde nossa própria vida perde sua voz específica e ecoa a majestade e a misericórdia daquele que é oculto mas Vivo. (…) É um despertar, uma iluminação, e a apreensão intuitiva, espantosa, com que o amor se certifica da intervenção criadora e dinâmica de Deus em nossa vida cotidiana. A contemplação, portanto, não “encontra” simplesmente uma ideia clara sobre Deus, confinando-o dentro dos limites dessa ideia, retendo-o como um prisioneiro a quem se pode sempre voltar. Pelo contrário, a contemplação é que é por ele arrebatada e transportada ao próprio domínio dele, seu mistério, sua liberdade.

Cada momento e cada acontecimento na vida do homem aqui na terra plantam em sua alma uma semente. Pois, como o vento leva milhares de sementes aladas, assim também cada instante traz consigo germes de vitalidade espiritual que vêm pousar imperceptivelmente no espírito e na vontade dos homens. A maior parte dessas inumeráveis sementes perecem e ficam perdidas, porque não estão os homens preparados para recebê-las. Pois sementes como essas não podem germinar a não ser na boa terra da liberdade, da espontaneidade, do amor.

Temos de aprender a reconhecer que o amor de Deus nos procura em cada situação e procura o nosso bem. Seu amor imperscrutável procura o momento do nosso despertar.

O eu interior é tão secreto quanto Deus e, como Ele, escapa a todo conceito que tente apoderar-se dele por completo. É uma vida que não pode ser pega e estudada como um objeto, porque não é “uma coisa”. Não é alcançada nem pode ser persuadida a deixar de se esconder, seja qual for o processo que exista sob o sol, inclusive a meditação. Tudo o que podemos fazer com qualquer disciplina espiritual é produzir dentro de nós um pouco de silêncio, humildade, desinteresse, pureza de coração e desapego que se fazem necessários para que o eu interior faça uma tímida e imprevisível manifestação de sua presença.

Deve ficar claro dessa confusão moral e mental do nosso tempo que a atual crise mundial é algo muito pior que um conflito meramente político ou econômico. Vai muito mais além de ideologias. É uma crise do espírito humano. É uma convulsão completamente moral da raça humana que perdeu suas raízes religiosas e culturais. Não conhecemos de fato nem a metade das causas dessa convulsão. Não podemos fingir que compreendemos plenamente o que está acontecendo em nós e em nossa sociedade. É por isso que nossa fome de soluções claras e definitivas às vezes nos faz cair em tentação. Simplificamos demais. Procuramos a causa do mal e a encontramos aqui ou acolá numa determinada nação, classe, raça, ideologia, sistema. E descarregamos nesse bode expiatório toda a força virulenta do nosso ódio, misturado a medo e angústia, esforçando-nos em nos livrar do nosso pavor e de nossa culpa através da destruição do objeto que escolhemos arbitrariamente como personificação de todo mal. Ao invés de nos curar, isso se torna apenas mais um paroxismo que agrava nossa doença.

Quando a sociedade humana cumpre a sua verdadeira missão, as pessoas que a formam crescem cada vez mais em liberdade individual e integridade pessoal. E quanto mais o indivíduo desenvolve e descobre os secretos poderes da sua incomunicável personalidade, tanto mais contribuirá para a vida e para o bem-estar do conjunto. A solidão é tão necessária à sociedade como o silêncio à linguagem, o ar aos pulmões e o alimento ao corpo.

Uma comunidade que tenta invadir ou destruir a solidão espiritual dos indivíduos que a compõem, condena-se à morte por asfixia espiritual.

Aquele que tenta agir e realizar coisas para os outros ou para o mundo, sem aprofundar a própria compreensão de si mesmo, sua liberdade, sua integridade e sua capacidade de amar, nada terá para dar aos outros. Comunicará aos outros nada mais do que o contágio de suas próprias obsessões, agressividade, ambições egocêntricas, de suas ilusões em relação a meios e fins, a ainda seus preconceitos e idéias doutrinárias. Não há nada de mais trágico no mundo moderno do que a má utilização do poder e da ação a que os homens são impelidos por suas próprias incompreensões e falsas interpretações faustianas. Temos mais poder ao nosso dispor hoje em dia do que jamais tivemos e, no entanto, vivemos mais alienados e afastados do próprio cerne do significado das coisas e do amor, do que nunca antes.

A realidade que se apresenta a nós e está em nós: chame-a de o Ser, o Atman, o Pneuma ou (...) o Silêncio. E pelo simples fato de estar atentos, de aprender a ouvir (ou de recuperar a capacidade natural de ouvir, que, assim como a de respirar, não pode ser aprendida), podemos encontrar-nos mergulhados numa felicidade que não pode ser explicada: a felicidade de estar unidos a tudo nesse secreto solo do Amor para o qual não pode haver explicações

A mensagem de esperança que o contemplativo lhe oferece é que, entenda ou não, Deus o ama, está presente em você, habita em você, o chama, salva-o e lhe oferece um entendimento e uma luz que você jamais encontrou em livros nem ouviu em sermões. O contemplativo nada tem a lhe dizer que não seja reafirmar e dizer que, se ousar penetrar seu próprio silêncio e arriscar dividir aquela solidão com outros solitários que buscam a Deus por seu intermédio, realmente recuperará a luz e a capacidade de entender o que está além das palavras e além das explicações, porque está próxima demais para ser explicada: é a união íntima, na profundeza de seu próprio coração, do espírito de Deus e do seu próprio eu particular, de forma que você e Ele são, em verdade, um só Espírito.

Hoje, nossa tarefa consiste em aprender que se podemos viajar até os confins do mundo para ali encontrar a nós mesmos no aborígene mais diferente, teremos realizado uma peregrinação proveitosa. Isso porque essa peregrinação é necessária, de uma forma ou de outra. Deixar-se ficar em casa sentado e meditando sobre a presença divina, não basta para os tempos atuais. Precisamos chegar ao fim de uma longa jornada e verificar que o estrangeiro que encontramos não é outro senão nós mesmos — o que é o mesmo que dizer que nele encontramos Cristo.

Não nos faz nenhum bem conseguirmos progressos fantásticos se não sabemos conviver com eles, se não sabemos utilizá-los sensatamente e se, em realidade, nossa tecnologia se transforma em nada mais do que um modo dispendioso e complicado de desintegração cultural. Não é “bonito” dizer tais coisas, reconhecer tais possibilidades. Mas são possibilidades e não são levadas em conta frequentemente com inteligência. Causam emoção de vez em quando, e em seguida são varridas da memória. Todavia, permanece o fato de que criamos para nós uma cultura que ainda não pode ser vivida pela humanidade como um todo.

Deve-se admitir, portanto, que, se o evangelho da paz não é mais convincente quando anunciado por cristãos, isso bem pode ser por eles terem deixado de dar um exemplo vivo de paz, unidade e amor. Na verdade, temos que compreender que a Igreja nunca pretendeu ser absolutamente perfeita na terra, e que ela é Igreja de pecadores, carregada de imperfeições. A paz cristã e a caridade cristã estão baseadas nessa necessidade de ‘carregar os fardos uns dos outros’, de aceitar as fraquezas que infestam a nossa e a vida dos outros. Nossa unidade é uma luta contra a desunião, e a nossa paz subsiste no meio do conflito.

http://reflexoes-merton.blogspot.com

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